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O que deu errado em “Music from The Elder”, o maior fiasco da carreira do Kiss

Banda tentou adotar pegada progressiva e épica em seu nono álbum de estúdio, mas nada deu certo

Goste ou não, o Kiss é famoso por seu hard rock enérgico e festeiro, produzido especialmente em seu auge, durante os anos 70. Na virada da década, após algumas experiências com o pop e a disco music, a banda quis soar mais séria. Nasceu, aí, o maior fiasco de sua carreira: “Music from The Elder”, lançado em 10 de novembro de 1981.

Desde o momento em que a fama foi conquistada, em 1975, a situação interna do grupo foi piorando. Mesmo enquanto produzia álbuns clássicos como “Destroyer” e “Rock and Roll Over”, ambos de 1976, o grupo estava rachado. De um lado, os sóbrios Paul Stanley (voz e guitarra) e Gene Simmons (voz e baixo), que levavam o trabalho muito a sério – às vezes, até demais. De outro, os farristas Ace Frehley (guitarra) e Peter Criss (bateria), que queriam curtir a vida de rockstar.

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Em meio à disputa de egos que se instaurou no Kiss, surgiu a ideia de lançar álbuns solo em 1978. Além de não terem obtido as vendas esperadas, os discos fizeram a banda ficar ainda mais rachada, especialmente porque Ace Frehley, dono do trabalho de maior sucesso entre os quatro, começou a vislumbrar uma carreira solo.

Infeliz com a situação geral, Peter Criss não participou de quase nada do álbum seguinte, “Dynasty” (1979), que lhe rendeu sua última e complicada turnê com o Kiss. O baterista aparece na capa do próximo disco, “Unmasked” (1980), mas não gravou uma batida sequer. Os dois trabalhos foram gravados por Anton Fig e a vaga em definitivo no grupo foi assumida por Eric Carr.

O clima interno ainda era inóspito, já que Ace Frehley estava imerso aos vícios em drogas e álcool, mas a banda seguiu em frente – e em busca de dar uma resposta ao público e especialmente à crítica musical. Os já mencionados “Dynasty” e “Unmasked” traziam o grupo direcionado ao pop e ao ritmo da discoteca. O primeiro até gerou o hit “I Was Made for Lovin’ You” e teve boas vendas, mas o segundo não – e ambos foram criticados por soarem comerciais além da conta.

Foi quando Gene Simmons e Paul Stanley tiveram uma ideia ambiciosa.

Rocking With the Boys e o filme

A ideia inicial para sair do limbo artístico e de popularidade em que o Kiss se encontrava era voltar às origens. Foi decidido que o próximo disco traria de volta o peso que os fãs sentiam falta, em um projeto que recebeu o nome inicial de “Rocking With the Boys”.

Logo em seguida, porém, surgiu a tal ideia ambiciosa, concebida junto ao empresário Bill Aucoin. A proposta era fazer um álbum complexo, maduro e conceitual. Sairia junto de um filme (que nunca foi produzido), a partir de uma história criada por Gene Simmons, chamado “The Elder”. Daí, o título “Music from The Elder”.

Para algo de tamanha magnitude, o grupo recrutou novamente o produtor Bob Ezrin, que havia gravado a banda no elaborado “Destroyer” (1976) e havia acabado de trabalhar no gigante “The Wall” (1979) com o Pink Floyd. As intenções eram ótimas, mas aparentemente ninguém sabia o que queria fazer, conforme Paul Stanley diz no livro “Kiss por trás das máscaras”:

“Foi uma coisa muito estranha para nós. Estávamos sendo empurrados para um caminho diferente, mas era tão estranho que acho que nenhum de nós realmente se lembra muito dele. De vez em quando tocamos esse tipo de música, mas nunca passamos de quatro compassos.”

Gravações secretas

As gravações de “Music from The Elder” foram iniciadas em março de 1981, em três frentes – duas delas simultâneas. Enquanto o grupo variava a locação entre Estados Unidos (Nova York) e Canadá (Toronto), Ace Frehley preferia trabalhar em seus solos no home studio que tinha acabado de montar em Connecticut, também em território americano.

Apesar de ter optado pelo distanciamento, o guitarrista foi o que menos gostou do processo. Poucos de seus solos acabaram realmente entrando no álbum. O descontentamento com o novo trabalho era total: Ace era um defensor ferrenho da ideia do projeto anterior, “Rocking With The Boys”, e não aprovou a mudança para um trabalho “maduro”, além de, como já destacado, não curtir trabalhar com o exigente Bob Ezrin.

Ace Frehley, na época de “Music from The Elder”

O próprio Ace comenta:

“Poderia ter sido melhor se não tivessem cortado alguns dos meus solos. A banda estava ficando cada vez mais distante. Peter saiu, Eric Carr entrou e eles trouxeram o Ezrin, que eu não achava adequado para aquele ponto da nossa carreira. Meus sentidos me diziam que devíamos fazer um disco heavy metal e voltar às origens, mas Paul e Gene não concordavam comigo. Eles queriam fazer um álbum-conceito com Ezrin e eu estava sempre contra o projeto inteiro, mas meu voto foi vencido. Aqui estou eu numa das maiores bandas do mundo e me sinto como se tivessem me castrado porque não podiam ter ignorado o meu voto.”

O produtor, inclusive, foi o responsável por uma prática que pode ter sido o grande calcanhar de Aquiles de “Music from The Elder”: ele pediu sigilo absoluto sobre o processo. Para se ter ideia, o profissional só se comunicava diretamente com os integrantes do Kiss ou com Bill Aucoin. Ninguém de fora desse círculo ouviu o álbum enquanto era feito.

Essa ausência de opiniões de fora pode ter sido um ponto crucial para que “The Elder” soasse tão difuso em relação ao que se espera de um disco do Kiss – e à realidade, de forma geral.

O conceito de Music from The Elder

Havia uma história por trás das músicas de “Music from The Elder”. A autoria era de Gene Simmons, que não conseguiu dar a menor consistência à trama. Em algumas edições do álbum, a ordem das músicas foi alterada, o que dificulta ainda mais o já trabalhoso processo de entender o que está acontecendo ali.

Gene Simmons, na época de “Music from The Elder”

Basicamente, o conceito se passa na era medieval e narra sobre um jovem herói recrutado e treinado por uma espécie de sociedade secreta, a Ordem da Rosa, regida pelo Conselho dos Anciões. Um desses anciões guia o menino através de uma iniciação, onde ele vai ganhando confiança para assumir seu papel e combater o mal. Não há muitos detalhes além disso.

Bob Ezrin admite:

“Foi uma coisa horrível! Gene tinha essa história na cabeça, mas o desenvolvimento da história foi feito com a colaboração de outras pessoas. A ideia de fazer um álbum a partir dessa história e fazer um espetáculo no palco e todas as outras coisas foi algo que ele assimilou. O resto da banda foi forçado a seguir junto. Ninguém achou na época que a ideia era tão boa. Eles tinham razão.”

A ideia de se trabalhar em um projeto “maduro” afetou não só as letras e as músicas do Kiss, como também um de seus pontos centrais: o visual. As roupas espalhafatosas e coloridas das turnês anteriores deram lugares a uma abordagem mais sóbria, dark, baseada em trajes de couro e acessórios de metal. Os penteados adotados eram mais curtos e até mesmo os saltos das botas foram modificados, ficando mais baixos.

O grande fiasco do Kiss

Mas afinal: o que há de tão problemático em “Music from The Elder”?

O álbum ganhou até um certo status de cult nos últimos anos, já que muitos fãs deram mais atenção ao material. Porém, a verdade é que soa muito estranho e deslocado na discografia do Kiss.

Capa de “Music from The Elder”, do Kiss

A audição oferece passagens instrumentais e orquestradas em meio às canções, o que já não combina muito com o Kiss. O clima épico que os músicos tentaram oferecer soa pouco natural, com direito a uma sutil veia progressiva que também não foi bem desenvolvida.

As três faixas lançadas como singles do disco são, de certa forma, as melhores. Uma delas é “A World Without Heroes”, balada obscura composta por Lou Reed que ganhou videoclipe e anos depois seria reeditada no show acústico para a MTV. “The Oath”, por sua vez, é uma das mais pesadas e mais pedidas por fãs em shows até hoje. “I” é mais protocolar, embora traga um refrão forte e resquícios do som clássico do Kiss.

Outros bons momentos incluem o ótimo solo de Frehley em “Dark Light”, o bom desempenho de Eric Carr na instrumental “Escape From The Island”, e os vocais limpos de Gene Simmons em “Under the Rose”, com direito a coro épico no refrão, no melhor estilo “Manowar”.

As interpretações individuais também são um ponto curioso. Paul Stanley, que parecia descobrir outra faceta enquanto cantor, tem um desempenho discreto no álbum ao abusar de falsetes. Gene Simmons, por sua vez, adota os vocais limpos em muitos momentos, o que suprime toda a agressividade típica do grupo. Distante da banda ao longo das gravações, Ace Frehley soa disperso também no disco, sem tantos momentos de destaque. Eric Carr passa ileso, pois dá para ver que ele fez o que estava em seu alcance.

Paul Stanley, na época de “Music from The Elder”

Quarenta anos depois de seu lançamento, “Music from The Elder” não soa como a bomba que foi na época. É mais palatável e até mesmo curioso, com bons momentos, mas é inegável que soa estranho, deslocado, com uma ambição que acabou colocando “o carro na frente dos bois” – algo que os próprios músicos admitem hoje.

Em vários momentos, como em entrevista para a Classic Rock, Simmons assume o fracasso da ideia, sem medo de dizer que o disco “flopou”. Os resultados falam por si só: foi o primeiro trabalho do Kiss a não conseguir um disco de ouro nos Estados Unidos, com resultados discretos nas paradas.

“Essa foi a única vez que eu diria que o Kiss sucumbiu aos críticos. Nós queríamos um sucesso de crítica. E perdemos a cabeça.”

Arte do encarte de “Music from The Elder”, do Kiss

Do fundo do poço, só se sobe

Com o fracasso de vendas, o Kiss optou por não divulgar o disco em uma turnê e já começou a preparar seu próximo passo: o projeto “Rocking With the Boys” seria retomado, dando origem ao visceral “Creatures of the Night” (1982). Ace Frehley aparece na capa do trabalho, mas não toca uma nota sequer – e saiu logo após o lançamento.

Kiss, já na era “Creatures of the Night”

Nem o trabalho mais pesado de sua carreira seria o suficiente para fazer o Kiss voltar à glória do passado. Já em 1983, a banda passou a se apresentar sem as maquiagens como uma espécie de golpe publicitário, pois a turnê de “Creatures”, feita com Vinnie Vincent na guitarra, fracassou nos Estados Unidos.

A retomada da popularidade viria por um longo e árduo caminho que foi curiosamente iniciado em “Music from The Elder” – até porque quando se chega ao fundo do poço, não dá para descer, só para subir.

* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição de Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

4 COMENTÁRIOS

  1. Gosto deste disco, o rock progressivo é evidente, na época tive o álbum, com ele, descobri o Rock Progressivo,um dos meus primeiros, não achei o CD mas ouço na Amazon Music. Parabéns, Kiss por este trabalho conceitual.

  2. O disco “Music from The Elder” foi feito para mim.
    Eu não tive o disco, mas chegou nas minhas mãos, vinil.
    Pouco importa se crítica, público, a própria banda, rejeitam.
    Eu acolho como um filho.
    Até hoje quando ouço certa música me reconecto a mim mesmo.

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Banda tentou adotar pegada progressiva e épica em seu nono álbum de estúdio, mas nada deu certo

Goste ou não, o Kiss é famoso por seu hard rock enérgico e festeiro, produzido especialmente em seu auge, durante os anos 70. Na virada da década, após algumas experiências com o pop e a disco music, a banda quis soar mais séria. Nasceu, aí, o maior fiasco de sua carreira: “Music from The Elder”, lançado em 10 de novembro de 1981.

Desde o momento em que a fama foi conquistada, em 1975, a situação interna do grupo foi piorando. Mesmo enquanto produzia álbuns clássicos como “Destroyer” e “Rock and Roll Over”, ambos de 1976, o grupo estava rachado. De um lado, os sóbrios Paul Stanley (voz e guitarra) e Gene Simmons (voz e baixo), que levavam o trabalho muito a sério – às vezes, até demais. De outro, os farristas Ace Frehley (guitarra) e Peter Criss (bateria), que queriam curtir a vida de rockstar.

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Em meio à disputa de egos que se instaurou no Kiss, surgiu a ideia de lançar álbuns solo em 1978. Além de não terem obtido as vendas esperadas, os discos fizeram a banda ficar ainda mais rachada, especialmente porque Ace Frehley, dono do trabalho de maior sucesso entre os quatro, começou a vislumbrar uma carreira solo.

Infeliz com a situação geral, Peter Criss não participou de quase nada do álbum seguinte, “Dynasty” (1979), que lhe rendeu sua última e complicada turnê com o Kiss. O baterista aparece na capa do próximo disco, “Unmasked” (1980), mas não gravou uma batida sequer. Os dois trabalhos foram gravados por Anton Fig e a vaga em definitivo no grupo foi assumida por Eric Carr.

O clima interno ainda era inóspito, já que Ace Frehley estava imerso aos vícios em drogas e álcool, mas a banda seguiu em frente – e em busca de dar uma resposta ao público e especialmente à crítica musical. Os já mencionados “Dynasty” e “Unmasked” traziam o grupo direcionado ao pop e ao ritmo da discoteca. O primeiro até gerou o hit “I Was Made for Lovin’ You” e teve boas vendas, mas o segundo não – e ambos foram criticados por soarem comerciais além da conta.

Foi quando Gene Simmons e Paul Stanley tiveram uma ideia ambiciosa.

Rocking With the Boys e o filme

A ideia inicial para sair do limbo artístico e de popularidade em que o Kiss se encontrava era voltar às origens. Foi decidido que o próximo disco traria de volta o peso que os fãs sentiam falta, em um projeto que recebeu o nome inicial de “Rocking With the Boys”.

Logo em seguida, porém, surgiu a tal ideia ambiciosa, concebida junto ao empresário Bill Aucoin. A proposta era fazer um álbum complexo, maduro e conceitual. Sairia junto de um filme (que nunca foi produzido), a partir de uma história criada por Gene Simmons, chamado “The Elder”. Daí, o título “Music from The Elder”.

Para algo de tamanha magnitude, o grupo recrutou novamente o produtor Bob Ezrin, que havia gravado a banda no elaborado “Destroyer” (1976) e havia acabado de trabalhar no gigante “The Wall” (1979) com o Pink Floyd. As intenções eram ótimas, mas aparentemente ninguém sabia o que queria fazer, conforme Paul Stanley diz no livro “Kiss por trás das máscaras”:

“Foi uma coisa muito estranha para nós. Estávamos sendo empurrados para um caminho diferente, mas era tão estranho que acho que nenhum de nós realmente se lembra muito dele. De vez em quando tocamos esse tipo de música, mas nunca passamos de quatro compassos.”

Gravações secretas

As gravações de “Music from The Elder” foram iniciadas em março de 1981, em três frentes – duas delas simultâneas. Enquanto o grupo variava a locação entre Estados Unidos (Nova York) e Canadá (Toronto), Ace Frehley preferia trabalhar em seus solos no home studio que tinha acabado de montar em Connecticut, também em território americano.

Apesar de ter optado pelo distanciamento, o guitarrista foi o que menos gostou do processo. Poucos de seus solos acabaram realmente entrando no álbum. O descontentamento com o novo trabalho era total: Ace era um defensor ferrenho da ideia do projeto anterior, “Rocking With The Boys”, e não aprovou a mudança para um trabalho “maduro”, além de, como já destacado, não curtir trabalhar com o exigente Bob Ezrin.

Ace Frehley, na época de “Music from The Elder”

O próprio Ace comenta:

“Poderia ter sido melhor se não tivessem cortado alguns dos meus solos. A banda estava ficando cada vez mais distante. Peter saiu, Eric Carr entrou e eles trouxeram o Ezrin, que eu não achava adequado para aquele ponto da nossa carreira. Meus sentidos me diziam que devíamos fazer um disco heavy metal e voltar às origens, mas Paul e Gene não concordavam comigo. Eles queriam fazer um álbum-conceito com Ezrin e eu estava sempre contra o projeto inteiro, mas meu voto foi vencido. Aqui estou eu numa das maiores bandas do mundo e me sinto como se tivessem me castrado porque não podiam ter ignorado o meu voto.”

O produtor, inclusive, foi o responsável por uma prática que pode ter sido o grande calcanhar de Aquiles de “Music from The Elder”: ele pediu sigilo absoluto sobre o processo. Para se ter ideia, o profissional só se comunicava diretamente com os integrantes do Kiss ou com Bill Aucoin. Ninguém de fora desse círculo ouviu o álbum enquanto era feito.

Essa ausência de opiniões de fora pode ter sido um ponto crucial para que “The Elder” soasse tão difuso em relação ao que se espera de um disco do Kiss – e à realidade, de forma geral.

O conceito de Music from The Elder

Havia uma história por trás das músicas de “Music from The Elder”. A autoria era de Gene Simmons, que não conseguiu dar a menor consistência à trama. Em algumas edições do álbum, a ordem das músicas foi alterada, o que dificulta ainda mais o já trabalhoso processo de entender o que está acontecendo ali.

Gene Simmons, na época de “Music from The Elder”

Basicamente, o conceito se passa na era medieval e narra sobre um jovem herói recrutado e treinado por uma espécie de sociedade secreta, a Ordem da Rosa, regida pelo Conselho dos Anciões. Um desses anciões guia o menino através de uma iniciação, onde ele vai ganhando confiança para assumir seu papel e combater o mal. Não há muitos detalhes além disso.

Bob Ezrin admite:

“Foi uma coisa horrível! Gene tinha essa história na cabeça, mas o desenvolvimento da história foi feito com a colaboração de outras pessoas. A ideia de fazer um álbum a partir dessa história e fazer um espetáculo no palco e todas as outras coisas foi algo que ele assimilou. O resto da banda foi forçado a seguir junto. Ninguém achou na época que a ideia era tão boa. Eles tinham razão.”

A ideia de se trabalhar em um projeto “maduro” afetou não só as letras e as músicas do Kiss, como também um de seus pontos centrais: o visual. As roupas espalhafatosas e coloridas das turnês anteriores deram lugares a uma abordagem mais sóbria, dark, baseada em trajes de couro e acessórios de metal. Os penteados adotados eram mais curtos e até mesmo os saltos das botas foram modificados, ficando mais baixos.

O grande fiasco do Kiss

Mas afinal: o que há de tão problemático em “Music from The Elder”?

O álbum ganhou até um certo status de cult nos últimos anos, já que muitos fãs deram mais atenção ao material. Porém, a verdade é que soa muito estranho e deslocado na discografia do Kiss.

Capa de “Music from The Elder”, do Kiss

A audição oferece passagens instrumentais e orquestradas em meio às canções, o que já não combina muito com o Kiss. O clima épico que os músicos tentaram oferecer soa pouco natural, com direito a uma sutil veia progressiva que também não foi bem desenvolvida.

As três faixas lançadas como singles do disco são, de certa forma, as melhores. Uma delas é “A World Without Heroes”, balada obscura composta por Lou Reed que ganhou videoclipe e anos depois seria reeditada no show acústico para a MTV. “The Oath”, por sua vez, é uma das mais pesadas e mais pedidas por fãs em shows até hoje. “I” é mais protocolar, embora traga um refrão forte e resquícios do som clássico do Kiss.

Outros bons momentos incluem o ótimo solo de Frehley em “Dark Light”, o bom desempenho de Eric Carr na instrumental “Escape From The Island”, e os vocais limpos de Gene Simmons em “Under the Rose”, com direito a coro épico no refrão, no melhor estilo “Manowar”.

As interpretações individuais também são um ponto curioso. Paul Stanley, que parecia descobrir outra faceta enquanto cantor, tem um desempenho discreto no álbum ao abusar de falsetes. Gene Simmons, por sua vez, adota os vocais limpos em muitos momentos, o que suprime toda a agressividade típica do grupo. Distante da banda ao longo das gravações, Ace Frehley soa disperso também no disco, sem tantos momentos de destaque. Eric Carr passa ileso, pois dá para ver que ele fez o que estava em seu alcance.

Paul Stanley, na época de “Music from The Elder”

Quarenta anos depois de seu lançamento, “Music from The Elder” não soa como a bomba que foi na época. É mais palatável e até mesmo curioso, com bons momentos, mas é inegável que soa estranho, deslocado, com uma ambição que acabou colocando “o carro na frente dos bois” – algo que os próprios músicos admitem hoje.

Em vários momentos, como em entrevista para a Classic Rock, Simmons assume o fracasso da ideia, sem medo de dizer que o disco “flopou”. Os resultados falam por si só: foi o primeiro trabalho do Kiss a não conseguir um disco de ouro nos Estados Unidos, com resultados discretos nas paradas.

“Essa foi a única vez que eu diria que o Kiss sucumbiu aos críticos. Nós queríamos um sucesso de crítica. E perdemos a cabeça.”

Arte do encarte de “Music from The Elder”, do Kiss

Do fundo do poço, só se sobe

Com o fracasso de vendas, o Kiss optou por não divulgar o disco em uma turnê e já começou a preparar seu próximo passo: o projeto “Rocking With the Boys” seria retomado, dando origem ao visceral “Creatures of the Night” (1982). Ace Frehley aparece na capa do trabalho, mas não toca uma nota sequer – e saiu logo após o lançamento.

Kiss, já na era “Creatures of the Night”

Nem o trabalho mais pesado de sua carreira seria o suficiente para fazer o Kiss voltar à glória do passado. Já em 1983, a banda passou a se apresentar sem as maquiagens como uma espécie de golpe publicitário, pois a turnê de “Creatures”, feita com Vinnie Vincent na guitarra, fracassou nos Estados Unidos.

A retomada da popularidade viria por um longo e árduo caminho que foi curiosamente iniciado em “Music from The Elder” – até porque quando se chega ao fundo do poço, não dá para descer, só para subir.

* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição de Igor Miranda.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesO que deu errado em “Music from The Elder”, o maior fiasco...
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

4 COMENTÁRIOS

  1. Gosto deste disco, o rock progressivo é evidente, na época tive o álbum, com ele, descobri o Rock Progressivo,um dos meus primeiros, não achei o CD mas ouço na Amazon Music. Parabéns, Kiss por este trabalho conceitual.

  2. O disco “Music from The Elder” foi feito para mim.
    Eu não tive o disco, mas chegou nas minhas mãos, vinil.
    Pouco importa se crítica, público, a própria banda, rejeitam.
    Eu acolho como um filho.
    Até hoje quando ouço certa música me reconecto a mim mesmo.

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