Uma das músicas mais amadas da carreira dos Beatles acabou tendo trechos censurados. Trata-se de “Get Back”, canção criada por Paul McCartney que faz parte do álbum “Let it Be” e marcou a fase de “volta às raízes” da banda.
A composição passou por várias alterações até chegar na versão divulgada ainda como single em 1969. Em entrevista à Rolling Stone, em 1986, McCartney explicou que não foi bem interpretado.
“Quando estávamos fazendo ‘Let it Be’, havia alguns versos para ‘Get Back’ que na verdade não eram racistas, eles eram antirracistas.”
Mas o que realmente diziam esses trechos censurados?
Por dentro da polêmica
Um dos temas que estava em todos os jornais ingleses em 1968 e influenciou Paul McCartney a transformar “Get Back” em uma música de protesto foi uma campanha iniciada por Enoch Powell, um dos membros do Parlamento da Câmara dos Comuns. O político queria deportar pessoas que vinham do Quênia, na África Oriental, que migraram para a Inglaterra.
Muitos eram indianos e paquistaneses que moravam e trabalhavam no Quênia e foram obrigados a deixar o país, após a recusa do governo em empregar estrangeiros. O discurso de Powell, com caráter racista e xenófobo, hoje é conhecido como “Rivers of blood”, ou “Rios de sangue”.
A proposta de McCartney, contrário às ideias propagandas pelo controverso discurso, era parodiar a fala de Powell em tom irônico. Nasceu, daí, uma letra meio estranha cuja intenção era debochar e ironizar, mas sem deixar isso muito bem claro.
À Rolling Stone, McCartney declarou:
“Havia muitas histórias nos jornais sobre paquistaneses lotando apartamentos – morando 16 pessoas em um mesmo quarto, ou o que seja. Então, em um dos versos de ‘Get Back’, que estávamos inventando no set de ‘Let It Be’, tem algo sobre ‘muitos paquistaneses morando em um apartamento municipal’ – esse é o verso. Para mim, isso era se posicionar contra a superlotação de paquistaneses.”
Batizada por fãs de “No Pakistanis”, a versão inicial da faixa foi divulgada em vários discos piratas. Um dos versos iniciais é um dos mais estranhos:
“Don’t dig no Pakistanis takin’ all the people jobs; Get back, get back, get back to where you once belonged”
(Em português: “Não apoie paquistaneses pegando os empregos de todas as pessoas; Volte, volte, volte para o lugar de onde você veio”)
Outra passagem, em tom irônico mais evidente, diz:
“Meanwhile back at home too many Pakistanis living in a council flat; Candidate Macmillan, tell us what your plan is, won’t you tell us where you’re at?”
(Em português: “Enquanto isso, em casa, muitos paquistaneses moram em um apartamento municipal; Candidato (Malcolm) Macmillan, diga-nos qual é o seu plano, você não vai nos dizer onde você está?”)
Há ainda um trecho que cita questões imigratórias nos Estados Unidos, também em tom (não tão claro) de deboche. Ele diz:
“Don’t need no puerto ricans living in the USA”
(Em português: “Não precisamos de porto-riquenhos morando nos Estados Unidos”)
Para piorar, o alcance da pirataria chegou até grupos neonazistas que acreditavam que os Beatles estavam realmente do lado da causa do homem branco o tempo todo. Não era o caso.
Beatles e a versão final de “Get Back”
Para evitar confusão em torno da letra de “Get Back”, Paul McCartney acabou substituindo o porto-riquenho e o paquistanês, da letra inicial, para novos personagens: Jo-Jo e a travesti Sweet Loretta Martin. O músico também excluiu os versos políticos iniciais, mantendo apenas “Get back to where you once belonged”.
Na nova versão, que acabou se tornando a que todos conhecem, McCartney aconselha Jo-Jo a voltar às suas raízes, em Tucson, nos Estados Unidos, e alerta que algum dia Martin vai “entender” se continuar com seus caminhos transgressores.
* Texto por Juliana Tancler, com edição por Igor Miranda.