Quando se fala em problemas de sonoridade envolvendo o Metallica, a primeira coisa que vem à mente é a polêmica bateria de “St. Anger” (2003). Porém, há outros álbuns da banda com qualidade de gravação questionável – a exemplo de “Death Magnetic” (2008) e sua situação envolvendo a chamada “loudness war”.
Apesar do tempo que separa os dois álbuns, “Death Magnetic” é o sucessor direto de “St. Anger”. Evidentemente, o disco de 2008 não tem os mesmos problemas que o de 2003, mas causou, também, polêmica.
Agora, o problema era com produtores e audiófilos em geral. Se em 2003, Bob Rock saiu como o grande vilão da história, dessa vez o culpado teria sido Rick Rubin, que assinou a produção de “Death Magnetic”.
No talo: o que foi a loudness war
O que é chamado de “loudness war” (“guerra do volume”), ou “loudness race” (“corrida do volume”), foi um fenômeno que começou a acontecer em vários discos de rock, metal e música pop em relação à produção, mais especificamente na etapa de masterização.
Basicamente, a técnica consiste em elevar ao máximo os níveis de volume dos instrumentos e das pistas gerais. Como resultado, fazia-se a música soar como um grande bloco sonoro – não à toa, chamado de “brick wall” (“parede de tijolos”).
Essa técnica teve origem conforme a tecnologia evoluía, permitindo uma compressão cada vez mais alta das ondas sonoras. O objetivo era simplesmente soar “poderoso”, ainda que de forma pouco natural.
O vídeo a seguir mostra como a loudness war afetava a sonoridade de uma música.
Havia, claro, consequências negativas ao resultado final. O principal efeito de uma música muito “alta” é a perda de um fator orgânico, de uma naturalidade no som, que faz com que tudo pareça estar muito alto e com poucas nuances, independente do volume em que a música é ouvida.
Além de “Death Magnetic”, do Metallica, outros exemplos de álbuns lançados durante a “loudness war” são “13”, do Black Sabbath (também produzido por Rick Rubin); a coletânea “Mothership”, do Led Zeppelin; “Vapor Trails”, do Rush; “Songs for the Deaf”, do Queens of the Stone Age; e “Californication”, do Red Hot Chili Peppers (outro assinado por Rubin).
A “loudness war” terminou devido a dois fatores que surgiram algum tempo depois de “Death Magnetic”. O primeiro deles foi a reação negativa cada vez maior de músicos, produtores e fãs em relação a essa sonoridade, com as reclamações chegando ao ápice com esse álbum do Metallica. O segundo foi o advento do streaming, cujas plataformas equalizam o som naturalmente, fazendo com que tudo seja mais audível.
“Era melhor ter ido jogar Guitar Hero”
Dizer que o Metallica “venceu” a chamada loudness war não é exatamente um elogio. Entre os vários álbuns criticados por essa sonoridade, provavelmente, “Death Magnetic” é o mais exagerado. O uso de efeitos de compressão foi absurdo e, para muitos, chega a estragar a experiência como um todo.
É mais triste ainda que isso tenha ocorrido em um álbum com ótimas músicas. “Death Magnetic” oferece o Metallica em sua tão esperada “volta às raízes”: as faixas trazem uma pegada mais orientada ao thrash metal, com momentos até mesmo experimentais e progressivos. Ao menos musicalmente, o trabalho buscou celebrar as melhores épocas da carreira do grupo, que são os seus 10 primeiros anos de existência.
O disco ganhou uma segunda versão que tornava ainda mais evidente o problema com o lançamento original. E quem foi o “culpado” por expor a situação até para os mais leigos? Um jogo de videogame.
Junto com “Death Magnetic”, foi lançada uma expansão/DLC para o game “Guitar Hero III: Legends of Rock”, contendo todas as músicas do álbum. O jogo permite que as faixas de cada instrumento sejam separadas com mais clareza, mostrando que o material soava bem diferente antes da masterização ser concluída. Não é raro encontrar quem prefira as canções como estão no “Guitar Hero III”.
Tanto o Metallica quanto Rick Rubin sempre defenderam a sonoridade, justificando o som alto como algo que era comum na época – e de fato, era. O baterista Lars Ulrich chegou a dar declarações duras a respeito das críticas, como essa, trazida em uma análise dos aspectos técnicos do disco no site Recording Hacks.
“Ouça, não há nada com a qualidade do áudio. Era 2008, era assim que fazemos álbuns. O objetivo de Rick Rubin era tentar fazer com que soe vivo, fazer com que soe alto, fazer com que soe excitante, fazer com que pule de seus falantes. É claro, ouvi que algumas pessoas estão reclamando. Mas ouvi nos últimos dias, no meu carro, e soa incrível.”
Metallica e “Death Magnetic”: duro de masterizar
Uma das vozes envolvidas que ajudou a “denunciar” o problema na produção de “Death Magnetic” foi o engenheiro de som Ted Jensen, que assina como responsável pela masterização do disco. Um e-mail privado dele, onde há uma explicação do que ocorreu no processo, acabou vazando em um fórum de fãs do Metallica e divulgado por veículos como Music Radar e Rolling Stone.
Na mensagem, Jensen diz que o material já chegou para ele com altíssimos níveis de compressão e volume praticamente cheio ao longo de todas as faixas. Como engenheiro, ele pôde fazer pouca coisa para contornar a situação. O profissional parece sempre ter sido contra o método usado por Rick Rubin e apoiado pela banda.
Em 2015, foi disponibilizada no iTunes uma versão do álbum com os dizeres: “masterizado para o iTunes”. Felizmente, o novo material corrige muito dos problemas da versão original, aproximando as músicas do que se ouve na expansão do Guitar Hero.
O próprio Metallica parece ter admitido a “derrota” (ou vitória?), ainda que silenciosamente, depois de muito tempo. Todos os links de download da versão digital do disco disponíveis em seu site oficial levam à masterização do iTunes – que é indiscutivelmente superior.
“Death Magnetic” soa em muitos aspectos como um renascimento do Metallica após anos complicados e um equívoco sonoro ocorrido 5 anos antes. O disco serviu como base da subida da banda de volta ao topo que viria nos próximos anos, mas nos aspectos mais técnicos, o quarteto pode ter subido – literalmente – mais alto do que o necessário.
* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação, argumentação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.