Como “Master of Reality” fez o Black Sabbath atingir outro patamar

Em seu terceiro álbum de estúdio, lendária banda de heavy metal começou a experimentar mais com sua sonoridade

O ano é 1971. Finalmente, o Black Sabbath teve a chance de trabalhar com calma em seu terceiro álbum, que acabou se tornando “Master of Reality”.

No ano anterior, com diferença de apenas 7 meses, o até então desconhecido quarteto de Birmingham divulgou seu disco homônimo de estreia – a qual muitos creditam o nascimento do heavy metal – e, logo na sequência, liberou seu segundo álbum, “Paranoid”, que deu popularidade ao grupo com sua faixa-título e a icônica “Iron Man”.

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Agora, sem pressa e com uma agenda mais relaxada, com dois meses destinados à gravação, era hora de fazer experimentos – e criar novos subgêneros no metal.

Considerado um sucessor natural na discografia da banda até ali, “Master of Reality”, álbum lançado em 21 de julho de 1971, marca os primeiros passos do Black Sabbath em direção a uma sonoridade mais complexa e arrojada. Foi algo, inclusive, que continuou a ser explorado mais intensamente nos próximos trabalhos.

O terceiro álbum do Sabbath foi o último da banda com o produtor Rodger Bain, que também assinou a produção dos dois anteriores. A partir daqui, o guitarrista Tony Iommi e o resto do grupo adquiriram mais experiência em estúdio e passaram a comandar, por conta própria, a maior parte do processo de gravação.

O baterista Bill Ward resumiu bem “Master of Reality” em entrevista para a revista Metal Hammer, em 2016:

“No primeiro álbum, tivemos dois dias para fazer tudo, e não muito mais tempo em ‘Paranoid’. Mas agora podíamos ir no nosso tempo e tentar coisas diferentes. Todos nós aproveitamos a oportunidade: Tony colocou partes de violão clássico, o baixo de Geezer (Butler) estava virtualmente com o dobro de poder, eu usei bumbos maiores, também experimentei com overdubs. E Ozzy (Osbourne) estava muito melhor.”

Afinação baixa, peso em alta

A diferença mais óbvia que se nota em “Master of Reality”, em relação aos antecessores, é a afinação mais grave em instrumentos de corda. Músicas como “Children of the Grave”, “Lord of This World” e “Into the Void” mostram essa sonoridade, com um tom e meio (ou três semitons) mais baixos que o convencional.

Quem “puxou” essa entonação foi Tony Iommi. Ainda tentando se adaptar ao acidente que lhe decepou as pontas de dois dedos da mão direita, o guitarrista afrouxou as cordas na tentativa de torna-las mais confortáveis. O baixo de Geezer seguiu a mesma afinação.

O resultado foi um som mais encorpado, com muito peso. Era o cenário ideal para a criação de uma verdadeira “parede sonora”, na definição dos próprios músicos.

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O tipo de som criado ali se tornaria uma marca registrada do Black Sabbath. Além disso, foi considerado o nascimento de subgêneros como o doom metal e o stoner rock, que frequentemente adotam recursos semelhantes em sua sonoridade.

Nem só de pancadaria é feito um álbum do Sabbath. “Master of Reality” também traz as primeiras aventuras do quarteto com sons acústicos – mais especificamente na balada “Solitude”, onde os vocais de Ozzy Osbourne ganham efeitos atmosféricos.

A faixa também tem como destaque as cordas agora mais “limpas” de Iommi, que também se arrisca na flauta, em uma referência à sua curta passagem pelo Jethro Tull. O clima é mais leve, mas a letra é típica dos primeiros anos do Black Sabbath: melancólica – e, por que não, pesada?

Drogas, Deus e guerra nuclear

Outro ponto que merece destaque em “Master of Reality” são as letras, em sua maioria compostas pelo baixista Geezer Butler. Os temas não diferem muito do que já vinha sendo apresentado até ali, mas a experiência deu a Geezer mais qualidade na escolha das palavras, com alguns destaques na discografia do grupo estando presentes ali.

A abertura com “Sweet Leaf” é uma direta e óbvia declaração a um dos grandes amores dos integrantes do Sabbath na época: a maconha. A famosa “tosse” no início é cortesia de Iommi, engasgado após receber um baseado de Ozzy, como lembra o próprio guitarrista em sua autobiografia “Iron Man – Minha Jornada com o Black Sabbath”.

“Todos nós tocamos ‘Sweet Leaf’ chapados, pois, naquele tempo, usávamos muitas drogas. Enquanto eu gravava um trecho de violão, para uma das outras músicas, Ozzy me trouxe um baseado enorme.

– Dê uma só tragada – disse ele.

– Não, não – respondi.

No entanto, eu traguei e, porra, me engasguei, e muito. Tossi durante um bom tempo, eles gravaram e usamos no início de ‘Sweet Leaf’. Que adequado: tossir até o barulho ir parar em uma canção sobre maconha… E foi a melhor atuação vocal de toda a minha carreira!”

A ameaça de um conflito nuclear em meio a Guerra Fria e os problemas políticos do mundo na época também foram tema de músicas como a pesadíssima “Children of the Grave” e a clássica “Into The Void”. A última renderia também mais um dos momentos hilários do Sabbath em estúdio, protagonizado por Ozzy Osbourne, como relembrou Iommi em seu livro.

“Nem sempre era fácil para Ozzy aprender direito as letras de Geezer. Ele certamente se embolou em ‘Into the Void’. A música tem uma parte lenta, mas o riff em que Ozzy entra é muito rápido. Ozzy tinha de cantar muito depressa: ‘Rocket engines burning fuel so fast, up into the night sky they blast’, palavras rápidas como essas. Geezer tinha escrito a letra inteira para ele.

– ‘Rocket wuhtuputtipuh’, que porra é essa, não consigo cantar isso!

Vê-lo tentar foi hilário.”

Mais uma letra de Geezer Butler que acabou causando algum desconforto entre os mais conservadores foi “After Forever”. Após acusações de satanismo, com direito a serem perseguidos por supostas seitas em shows, a banda entregou uma música com uma letra claramente cristã a respeito da vida após a morte e a existência de Deus.

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Mesmo assim, alguns versos ainda causariam mau estar por um provável cinismo de Geezer, como em “Would you like to see the Pope on the end of a rope, do you think he’s a fool?” (“Você gostaria de ver o Papa amarrado em uma corda, você acha que ele é um tolo?”).

“Master of Reality” e o êxito do Black Sabbath

Seja pelos temas polêmicos ou pelas (ainda não tão drásticas) experimentações sonoras, “Master of Reality” não foi tão bem recebido inicialmente pela crítica especializada. Os jornalistas do meio ainda não conseguiam enxergartraços de talento na massa sonora pesada do Black Sabbath.

Isso, porém, não impediu o álbum de ter boas vendas e fazer sucesso.

Puxado pelo único single, “Children of the Grave”, o álbum levou menos de dois meses para receber o primeiro disco de ouro e eventualmente ganharia a platina dupla nos Estados Unidos, por chegar a dois milhões de cópias vendidas. Ficou ainda entre os 10 primeiros das paradas da Alemanha (5º), Reino Unido (5º), Canadá (6º), Estados Unidos (8º) e Países Baixos (10º), além do 12º lugar na Noruega.

O trabalho, aliás, sempre marcou presença nos repertórios da banda. Das oito faixas, incluindo vinhetas como “Embryo” e “Orchid”, apenas a balada “Solitude” nunca foi tocada ao vivo pelo Sabbath.

“Master of Reality” fecha a trinca de álbuns do Black Sabbath que a maioria dos fãs considera perfeitos. O quarteto ainda iria entregar muito mais experimentações em “Vol. 4”, lançado no ano seguinte.

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta, argumentação base e edição geral por Igor Miranda; redação, argumentação complementar e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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