A história e o legado de “Hybrid Theory”, álbum do Linkin Park que já é clássico

Disco é o mais vendido do rock no século 21, contando as vendas a partir de 2001

Em 24 de outubro de 2000, era lançado o álbum de rock mais vendido do século 21. Ok, ‘Hybrid Theory’, o trabalho de estreia do Linkin Park, saiu em 2000, quando, respeitada a formalidade, ainda era século 20. Entretanto, boa parte de suas cópias foram comercializadas já a partir de 2001.

Falo sobre os números com outros detalhes mais adiante, mas ‘Hybrid Theory’ vendeu 27 milhões de cópias no mundo todo, sendo pelo menos 12 milhões delas nos Estados Unidos. Pouquíssimas bandas daquele período, como Green Day, Blink-182 e Nickelback, chegaram perto desses números. Era um dos últimos respiros do rock no mercado fonográfico enquanto “fato novo” – o estilo continuou gigante, mas para turnês e celebrações de artistas já consolidados.

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O Linkin Park foi formado em 1996, em Agoura Hills, condado de Los Angeles, na Califórnia. Inicialmente, o nome era outro: Xero. A formação também, pois não trazia o vocalista Chester Bennington, mas, sim, Mark Wakefield, além dos integrantes que você já conhece: Brad Delson (guitarra), Mike Shinoda (guitarra e co-vocal), Rob Bourdon (bateria), Joe Hahn (DJ) e Dave Farrell (baixo).

Curiosamente, Farrell logo deixou o Linkin Park para excursionar com outra banda, o Tasty Snax, mas acabou voltando após o lançamento de ‘Hybrid Theory’, Outra saída, que não seria revogada no futuro, foi a de Wakefield, que deixou a formação em 1999. A vaga acabou ficando com Chester Bennington, cuja banda anterior, o Grey Daze, havia encerrado as atividades pouco tempo antes.

Bennington foi recomendado a Jeff Blue, executivo do selo Zomba Music, que trabalhava com o Linkin Park – ainda chamado Xero. O vocalista foi convidado a gravar vocais para duas demos da banda. Uma delas era ‘Pictureboard’, que foi lançada só agora, na edição de 20 anos de ‘Hybrid Theory’. O resultado deixou Brad Delson impressionado, conforme o próprio relembrou em recente transmissão de vídeo no canal do grupo.

“Acho que ‘Pictureboard’ foi a primeira que ouvi na voz de Chester. Lembro de pegar a fita e perguntar para os caras o que eles achavam, pois Chester havia acabado de se candidatar. E eu estava… não chorando de alegria, mas quase chorando. Tipo, uau! Não sei nem o que senti. Era uma voz pequena e vulnerável nos versos, daí você ouvia todos os timbres e harmonias na parte pesada. Aquilo me deixou impressionado e nós falamos na hora: ‘precisamos conhecer esse cara’.”

Nasce – e sofre – o Linkin Park

Foto: divulgação

Após a chegada de Chester Bennington, o Xero mudou seu nome para Hybrid Theory, mas havia uma questão jurídica relacionada a outra banda, chamada Hybrid. Então, eles alteraram para Linkin Park, uma espécie de tributo ao Lincoln Park, um parque local onde os músicos costumavam se encontrar com amigos. Ao escrever o nome errado, não havia chance de processo, não é?

A proposta “híbrida” do Linkin Park, que misturava rock e hip hop de forma mais clara que outras bandas do período, motivou a rejeição de várias gravadoras. A Warner foi a única a dar uma chance àqueles moleques, com pouco mais de 20 anos de idade na época. E eles não estavam dispostos a abrir mão dessa estética, conforme Mike Shinoda lembrou, em entrevista à ‘Billboard’:

“Quando eu cresci, ou você era do rock, ou era do rap, mas não se ouvia os dois tipos de música. Eu estava empolgado com Rage Against the Machine, Red Hot Chili Peppers, Beastie Boys, ou mesmo Led Zeppelin. Havia algumas bandas que misturavam vários estilos, mas não era o normal. Poder ter ajudado nessa mistura de estilos é, para nós, parte do legado do qual nos orgulhamos.”

Havia muito material a ser trabalhado, pois a banda havia produzido demos nos anos anteriores. Entretanto, muito material foi descartado – como a própria ‘Pictureboard’ –, enquanto outras faixas foram aproveitadas, mas foram bem alteradas.

O álbum ‘Hybrid Theory’ levou quatro semanas para ser gravado, sob orçamento ainda modesto para uma banda que ainda era vista como “aposta”. E mesmo em caráter experimental, o disco foi alvo de diversos questionamentos internos. Não dos músicos, mas, sim, dos executivos da gravadora, que tentaram até mesmo tirar Mike Shinoda da banda. O próprio Shinoda contou a história em entrevista à “Kerrang!”, em 2017:

“Estávamos no meio das gravações quando nosso A&R (funcionário do selo responsável pelo desenvolvimento artístico dos músicos) começou a perder as esperanças em nós. Ele recomendou que me colocassem nos teclados ou até me tirassem. Ele disse a Chester: ‘você é o talento, você deveria fazer um disco de rock, não precisa do rap, não precisa do resto dos caras’. Chester respondeu: ‘vá se f*der’.”

Apesar de toda a desconfiança da gravadora e até do produtor Don Gilmore, que não confiava na “parte rap” do som dos caras, ‘Hybrid Theory’ foi devidamente concebido. Na época, o Linkin Park era um quinteto, já que Dave Farrell ainda estava fora da banda. Boa parte das linhas de baixo foi gravada por Brad Delson, trazendo músicos de estúdio para apenas algumas faixas (Scott Koziol tocou ‘One Step Closer’, enquanto Ian Hornbeck é creditado por ‘Papercut’, ‘A Place for My Head’ e ‘Forgotten’). Há, ainda, uma participação especial dos Dust Brothers, com samples e afins em ‘With You’.

Enquanto havia essa mescla entre rock, hip hop e até música eletrônica na parte musical, o campo das letras era bem homogêneo, pois as composições lidavam com as angústias e os anseios de jovens “pós-adolescentes” daquele período. Esse foi um dos grandes acertos da banda: conseguir dialogar com o público que começava a consumir música naquele momento.

A maior parte das letras traz reflexões de Chester Bennington sobre sua adolescência. Aliás, Chester sempre fazia letras muito autobiográficas e bem diretas ao ponto. Em ‘Hybrid Theory’, questões como seu vício em drogas, problemas de saúde mental e brigas familiares, motivadas pelo divórcio de seus pais, estavam entre as principais pautas.

Hybrid Theory, faixa a faixa

‘Papercut’ é a responsável por abrir a tracklist de ‘Hybrid Theory’. Com letra que busca descrever a paranoia, trata-se da música que melhor sintetiza o Linkin Park naquele momento: embora já tivesse um direcionamento musical bem definido, a banda estava encaixada em um movimento, que era o nu metal. Mike Shinoda descreveu, à ‘Billboard’:

“Ela traz toda a identidade da banda em uma música. Até pelo fato de começar com um beat, daí entra em um rap com guitarras pesadas, o próprio Chester fazendo rap comigo no refrão – não dá para ouvir por causa da mixagem, que faz parecer que era só ele, mas éramos nós dois.”

Curiosamente, ‘Papercut’ foi lançada como single apenas na Europa, por uma questão burocrática. ‘One Step Closer’ e ‘Crawling’ já haviam sido promovidas neste formato e a segunda estava indo muito bem nos Estados Unidos, mas na Europa, teve repercussão apenas boa. A gravadora sabia que precisaria esperar para ter ‘In the End’ como single definitivo e mundial – que sairia junto do álbum –, então, divulgaram ‘Papercut’ no velho continente enquanto ‘Crawling’ rendia na América.

Em seguida, há ‘One Step Closer’, que foi, de fato, o primeiro single do álbum. A letra buscou retratar a raiva que os músicos sentiam de Don Gilmore em meio ao processo de gravação.

O produtor era acostumado com rock, mas não entendia tanto de hip hop, então, deixou essa parte a cargo dos músicos. Porém, quando havia algum conflito artístico com a gravadora, que pedia mais rock e menos rap, Gilmore não os defendia. Shinoda, à ‘Billboard’, comentou:

“’One Step Closer’ era Chester e eu literalmente falando sobre Don. Estávamos tão irritados com ele. A parte do ‘shut up’ (‘cale a boca’) era literalmente Chester gritando com Don.”

Após duas músicas mais “radiofônicas”, ‘With You’ adota um formato mais experimental. Aqui, os Dust Brothers, que produziram samples para artistas que vão de Beastie Boys a Hanson, colaboraram com o Linkin Park. Com a palavra, Mike Shinoda, à Billboard:

“Sempre adorei ‘With You’. Era uma música mais da época, bem nu metal. Adoro as partes de Joe na música. Gosto da produção, dos beats e das minhas partes”.

Embora não tenha saído como single geral, ‘Points of Authority’ ficou famosa porque ganhou um videoclipe na época – e teve um remix de boa repercussão, intitulado ‘Pts.OF.Athrty’, no disco ‘Reanimation’ (2002). Aqui, apesar do groove típico do hip hop, o vocal é assumido quase todo por Chester Bennington.

Uma das músicas mais marcantes de ‘Hybrid Theory’, ‘Crawling’ nasceu como um flerte bem pontual a abordagens musicais mais melódicas. A letra expressa, de forma clara, os problemas de Chester com os vícios. Joe Hahn, à ‘Billboard’, refletiu:

“‘One Step Closer’ era bem agressiva e não soava tão delicada. ‘Crawling’ saiu como single em seguida e representou um lado diferente do que fazíamos, trazendo algo bem íntimo com um toque emotivo e até mesmo alguns gritos no meio.”

Com músicas do porte de ‘Papercut’, ‘Crawling’ e ‘One Step Closer’ – além de ‘In the End’, que será comentada mais adiante –, quem iria pensar em outra faixa como grande hit deste álbum? De início, o Linkin Park apostava em ‘Runaway’, que vem em seguida na tracklist.

À ‘Billboard’, Mike Shinoda relembrou que ‘Runaway’, originalmente intitulada ‘Stick and Move’, era uma das favoritas dos fãs nos shows do Linkin Park antes da fama.

“Em todos os nossos primeiros shows, essa era a nossa grande música. As pessoas sempre falavam sobre ela. Sempre achávamos que era uma música importante para gravarmos. Quando outras faixas começaram a tomar forma, pensamos: ‘oh, não, uma de nossas melhores músicas agora é uma de nossas piores.”

Fato é que, após ter passado por alterações, ‘Runaway’ ganhou uma pegada diferente, um pouco mais padronizada. Ainda assim, é um bom momento, que não deixa a peteca cair na tracklist de ‘Hybrid Theory’.

‘By Myself’, em seguida, traz outro experimento: a influência do metal industrial, de nomes como Ministry e Nine Inch Nails. Por não ser tão nu metal, ajuda a trazer uma boa quebra de ritmo ao álbum.

Com o terreno devidamente preparado, entra a oitava faixa: ‘In the End’, que é, ao lado de ‘Numb’ (do álbum seguinte, ‘Meteora’, de 2003), o grande hit do Linkin Park. A música foi produzida com a clara intenção de trazer mais melodia a ‘Hybrid Theory’, conforme Joe Hahn relembrou à ‘Billboard’:

“Sabíamos que precisávamos de algo mais melódico. As pessoas não querem gritos em um álbum inteiro – bem, algumas querem. Mas tudo… das melodias, ao piano que tem loops, estávamos fazendo muitas músicas. Provavelmente, tivemos uma centena de ideias a cada álbum, quem sabe até duas centenas. E há esses momentos mágicos em que todos os elementos têm uma convergência perfeita ao mesmo tempo. ‘In the End’ é um desses momentos ‘eureka’.”

De fato, todos os bons elementos do Linkin Park enquanto banda de potencial radiofônico estão presentes em ‘In the End’. O rap de Mike Shinoda, feito de forma mais lenta, é bem colocado. A melodia principal no piano traz um charme raro à canção. A guitarra tem função coadjuvante aqui, mas é o instrumento que ajuda a ditar o ritmo. E Chester, que dá um show de interpretação, dispensa comentários.

Depois de uma música desse porte, não dá para negar que o álbum perde um pouco de ritmo em seus momentos finais. ‘A Place for My Head’, uma das primeiras músicas feitas pela banda (ainda com o título ‘Esaul’), soa um pouco datada, mas traz boa performance de Mike Shinoda e do campo instrumental.

À ‘Billboard’, Shinoda reconhece que a canção perdeu um pouco de intensidade quando foi gravada, mas costumava funcionar bem em shows, especialmente no encerramento.

‘Forgotten’, por sua vez, traz boa interação entre os vocais de Chester e Mike. As guitarras de Brad Delson voltam a assumir um papel que, embora não mais tão coadjuvante, ajuda a conduzir os vários momentos da canção. O refrão também é bem construído.

Perto do fim, a faixa instrumental ‘Cure for the Itch’ estreita laços com a música eletrônica. É o momento de Joe Hahn, uma das lideranças criativas da banda ao lado de Shinoda e Bennington.

O fechamento fica a cargo de ‘Pushing Me Away’, que Mike Shinoda define como uma “filha de ‘Crawling’”. A construção é semelhante, ainda que seja mais padronizada e menos inventiva do que a “mãe”. O “pulo do gato” está, novamente, na interpretação de Chester Bennington, que era, inegavelmente, diferenciado.

Pronto para explodir

Foto: divulgação

‘Hybrid Theory’ trazia o pacote perfeito. A banda, talentosa, apresentava mensagens sensíveis o bastante para atingir uma geração de fãs que não se sentia representada pelos exageros farristas do rock. Havia coesão na performance dos músicos, que sabiam dividir os holofotes – a “solidariedade musical” de Brad Delson em deixar sua guitarra em segundo plano é algo tão raro de se encontrar quanto o talento vocal de Chester Bennington.

Até mesmo fora do palco, os músicos tinham aptidões interessantes. Joe Hahn, por exemplo, dirigiu praticamente todos os clipes da banda. Já Mike Shinoda era designer gráfico e fez a capa de ‘Hybrid Theory’, com citações que vão do hibridismo musical que o álbum buscou apresentar até referências ao estêncil de Banksy.

Foto: divulgação

Estava tudo pronto para o Linkin Park estourar. E assim ocorreu. ‘Hybrid Theory’ vendeu 500 mil cópias nos Estados Unidos em apenas cinco semanas. Em 2001, foram comercializadas 4,8 milhões unidades do álbum no país. Os números satisfatórios se estenderam até 2002, quando ainda tinha 100 mil cópias vendidas por semana.

Na estrada, a banda passou a promover o álbum não só com shows enquanto headliner, como, também, participando de festivais itinerantes, como ‘Ozzfest’, ‘Family Values Tour’, entre outros. O próprio grupo criou uma tour conjunta própria, ‘Projekt Revolution’, que trazia Cypress Hill, Adema e outros nomes. Em meio a tudo isso, Dave Farrell reassumiu o baixo – e não deixou mais a função.

Hoje, acumulando mais de 27 milhões de cópias vendidas mundialmente, ‘Hybrid Theory’ é o álbum de rock mais vendido do século 21. É, ainda, o disco de estreia de maior sucesso desde ‘Appetite for Destruction’ (1987), do Guns N’ Roses.

Boa parte desse mérito vem, justamente, do hibridismo musical do qual o Linkin Park jamais abdicou. Em recente entrevista à ‘Metal Hammer’, Mike Shinoda comentou que a banda ajudou o nu metal a se tornar um estilo mais diverso, sem o domínio dos brancos – e é sempre importante lembrar que “não-brancos” incluem não apenas negros, como, também, latinos e orientais, onde o próprio Shinoda, descendente de japoneses, se incluiria.

“90% do que eu ouvia era rap. Olhava para muitas bandas de rock e pensava: ‘há algo branco demais aí’. Foi o que me afastou, especialmente, do hair metal, que era uma música bem de branco e eu morava em uma cidade bem diversa, então, aquilo não ressoou em mim. Não falo da cor da pele, falo da cultura envolvida. Quando o nu metal começou, a cena era bem diversa. Não era uma música tão inteligente, mas trazia algo realmente visceral e uma mistura de culturas que era importante.”

No fim das contas, o Linkin Park nunca abdicou de seus experimentos híbridos. A partir de ‘Meteora’, eles passaram a dar mais espaço para instrumentos “orgânicos” em vez dos eletrônicos. Depois, retomaram os samples e afins. Abriram mão. Voltaram de novo. Reforçaram o diálogo com o hip hop. Flertaram com pop, com metal, com o alternativo. Fizeram de tudo. É tudo música, aliás.

Linkin Park – ‘Hybrid Theory’

Chester Bennington (vocal)
Mike Shinoda (vocal, samples)
Brad Delson (guitarra, baixo)
Joe Hahn (turntables, samples)
Rob Bourdon (bateria)

Músicos adicionais:

Ian Hornbeck (baixo em ‘Papercut’, ‘A Place for My Head’ e ‘Forgotten’)
Scott Koziol (baixo em ‘One Step Closer’)
The Dust Brothers (samples em ‘With You’)

1. Papercut
2. One Step Closer
3. With You
4. Points of Authority
5. Crawling
6. Runaway
7. By Myself
8. In the End
9. A Place for My Head
10. Forgotten
11. Cure for the Itch
12. Pushing Me Away

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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