A história de “One Hot Minute”, o disco mais pesado do Red Hot Chili Peppers

Red Hot Chili Peppers – ‘One Hot Minute’ (lançado em 12 de setembro de 1995)

O Red Hot Chili Peppers passou boa parte da década de 90 muito perto de acabar – mesmo após, finalmente, conseguirem a tão almejada fama. ‘Blood Sugar Sex Magik’ (1991), quinto álbum de estúdio da banda, vendeu feito água em todo o mundo e fez o grupo elevar seu patamar, mas problemas internos, fadiga de turnês e vício em drogas fizeram o guitarrista John Frusciante deixar a formação.

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Com a saída abrupta de Frusciante, em meio à turnê de ‘Blood Sugar Sex Magik’, os Chili Peppers ficaram na mão. Eles testaram Zandler Schloss (Joe Strummer) para ocupar a vaga, mesmo que temporariamente, mas não houve química. Só voltaram à ativa, meses depois, após contratarem Arik Marshall – que completou a tour, mas foi dispensado porque não queria participar do grupo enquanto compositor. Jesse Tobias também assumiu o posto por algum tempo, mas não durou.

Foi aí que surgiu o nome de Dave Navarro, do Jane’s Addiction. Na verdade, ele era a primeira opção, mas o envolvimento com outros projetos após o fim de sua banda “original”, além dos problemas com drogas e uma tentativa de reabilitação, fizeram com que Navarro não aceitasse o convite na primeira ocasião. Já da segunda vez, o timing cooperou e o guitarrista estava disponível.

O novo Red Hot Chili Peppers: problemas logo de cara

As gravações do primeiro álbum com Dave Navarro começaram em junho de 1994, mas o Red Hot Chili Peppers estava em frangalhos, então, as sessões duraram até fevereiro de 1995. O vocalista Anthony Kiedis, em especial, voltava a lutar contra a dependência química. Estava perdendo a batalha, já que foi dominado pelas drogas.

Além de um Kiedis cada vez mais relapso, o Red Hot não funcionou bem com Dave Navarro logo de início.

Os remanescentes estranharam o processo criativo com o novo guitarrista. “John Frusciante era um verdadeiro anormal no sentido de compor músicas. Ele fazia ainda mais facilmente do que Hillel Slovak. Eu percebi que todos os guitarristas eram assim: você mostrava letras e cantava um trecho, daí eles já traziam uma música. Isso não aconteceu logo de cara com Dave”, conta Anthony, em sua autobiografia.

Na outra ponta, Dave Navarro também questionou o método de trabalho do Red Hot Chili Peppers. Ele não entendia por que a banda fazia tantas jams para compor. No Jane’s Addiction, cada integrante criava suas ideias individualmente e só apresentava aos colegas quando já havia algo pronto. Com o Red Hot, tudo era coletivo demais, o que atrasava muito o processo.

Com tantos dilemas, o baixista Flea, liderança natural dos Chili Peppers, assumiu a bronca e começou a fazer algumas letras, já que pouco saía de Anthony Kiedis. As composições líricas de ‘Transcending’ e ‘Deep Kick’, por exemplo, são dele. Também foi a primeira vez que o músico cantou em uma faixa da banda: ‘Pea’.

Com o tempo, Kiedis entregou letras – e algumas delas estão entre as mais obscuras da carreira do vocalista. A pesada ‘Warped’ é quase um pedido de socorro, enquanto ‘Aeroplane’, mesmo com sua melodia mais empolgante, lida com questões pessoais do cantor. Há, ainda, canções como ‘My Friends’ (que fala sobre os pensamentos sombrios de Anthony) e ‘Tearjerker’ (uma homenagem a Kurt Cobain, do Nirvana, falecido naquela época), que chamam atenção por seu conteúdo denso e pessoal.

One Hot Minute: pesado e relapso

Musicalmente falando, ‘One Hot Minute’ reflete muito o que era o Red Hot daqueles tempos: pesado e relapso. A chegada de Dave Navarro trouxe doses cavalares de peso ao som da banda, abandonando de vez a influência da funk music, que Navarro dizia não curtir. Além disso, há algumas pitadas de psicodelia, como se percebe em ‘One Big Mob’, e transições rápidas de ritmo, constatadas ao fim de faixas como ‘Warped’.

Com essa nova orientação, a bateria de Chad Smith acabou perdendo um pouco de destaque, já que as linhas ficaram mais retas. Os arranjos melódicos, mais centrados em riffs de guitarra, conquistaram protagonismo, além da forma mais intensa (sim, é possível) de Flea tocar seu baixo. Houve, ainda, uma mudança na construção vocal de Anthony Kiedis: ele abdicou dos raps e passou a cantar conforme a harmonia.

Ouça ‘One Hot Minute’, na íntegra, na playlist de YouTube a seguir:

Não dá para dizer que a pegada funk sumiu por completo, já que músicas como ‘Walkabout’ e ‘Falling into Grace’ parecem reminiscentes de ‘Blood Sugar Sex Magik’. Entretanto, essa influência perdeu protagonismo. Os Chili Peppers nunca foram tão pesados quanto em ‘One Hot Minute’.

E é isso que me faz gostar desse álbum, além da concepção de que é um asterisco na carreira da banda. Evidentemente, prefiro trabalhos como ‘Blood Sugar Sex Magik’ e ‘Californication’ (1999), mas o segredo para apreciar ‘One Hot Minute’ é entendê-lo como um momento à parte na trajetória dos caras. Uma passagem singular, que, para o bem ou para o mal, não irá se repetir mais.

Além dos singles ‘Warped’, ‘Aeroplane’ e ‘My Friends’, o álbum traz faixas de destaque no disco, como a complexa ‘Transcending’, a paulada ‘Coffee Shop’, a densa ‘Shallow Be Thy Game’ e a funky ‘Walkabout’. Há momentos de menor inspiração, mas quase todo disco do Red Hot tem seus fillers.

Vendas, divulgação e turnê de One Hot Minute

Se as músicas de ‘One Hot Minute’ refletem a realidade do Red Hot naqueles tempos, a divulgação e a turnê mostram que esse contexto pode ficar ainda pior.

Antes mesmo do álbum chegar a público, o clipe de ‘Warped’, primeiro single do álbum, foi lançado e recebeu críticas de vários fãs da banda por trazer uma cena em que Anthony Kiedis e Dave Navarro se beijam. A ideia era cortar aquela passagem, mas os músicos quiseram mantê-la sob o seguinte argumento: eles não precisam de admiradores que detonem o grupo por um motivo tão besta.

A repercussão geral de ‘One Hot Minute’ não foi ruim, já que vendeu duas milhões de cópias somente nos Estados Unidos. Contudo, a (injusta) comparação era feita com ‘Blood Sugar Sex Magik’ e seus sete milhões. Essa guerra, em especial, seria difícil de se ganhar.

As vendas do novo álbum emperraram ainda mais com a turnê de divulgação, que trouxe Anthony Kiedis sóbrio novamente, mas envolto em vários acidentes que causaram adiamentos e até cancelamentos de shows. Em dois anos, a banda fez 80 apresentações. Para (justo) efeito de comparação, a tour de ‘Blood Sugar’ contou com 145 datas em período similar.

Sai Dave Navarro; volta John Frusciante

Apesar disso, o Red Hot ainda estava motivado a seguir trabalhando com Dave Navarro. Com o fim da turnê de ‘One Hot Minute’, em julho de 1997, os músicos se recolheram para descansar e reunir novas ideias de música até o fim do ano.

Quando se juntaram, no início de 1998, não havia nenhuma ideia para o próximo álbum. Naquela época, a banda retomou sua rotina de ensaios e chegou a conceber ‘Circle of the Noose’, mas a música nunca foi concluída. O motivo? Era o fim da linha para Dave Navarro, que estava cada vez mais imerso em seus vícios no momento em que Anthony Kiedis mais precisava de um ambiente tranquilo, já que estava, enfim, cada vez mais distante das drogas.

Há, inclusive, a clássica história de quando Dave Navarro estava tão chapado que caiu em meio às caixas de som do Red Hot durante um ensaio. A situação estava insustentável, ainda que o guitarrista tenha razão quando diga que eles tiveram mais paciência quando Anthony Kiedis lutava contra os vícios.

“Eles decidiram seguir por outro caminho e John Frusciante estava sóbrio, querendo voltar. Fiquei puto com isso, mas ter John de volta fez com que eu ficasse menos puto. O que me deixou puto na época (e não estou mais) é que eu esperei seis meses para Anthony Kiedis ficar sóbrio, mas ninguém esperou uma semana para que eu melhorasse. Vinte anos depois, eu entendo: Anthony começou a coisa toda, então, é claro que eu não receberia o mesmo tratamento”, disse Navarro, em entrevista recente ao podcast ‘Dark Matters’.

Mas não foi só a situação de Dave Navarro que o colocou para fora do Red Hot Chili Peppers. Houve o timing ideal e até um alinhamento de estrelas para proporcionar a volta de John Frusciante. A banda precisava disso, assim como John, que havia reconquistado sua sobriedade depois de perder praticamente tudo e quase morrer com uma infecção oral causada pelos vícios em heroína e crack.

O grupo se superou nos álbuns seguintes, como ‘Californication’ e ‘By the Way’ (2002). Esse, talvez, seja mais um motivo para ‘One Hot Minute’ ganhar o caráter de um divertido asterisco. Sabemos que os caras se superaram artisticamente no futuro. Também sabemos que Dave Navarro deu a volta por cima, participou do retorno do Jane’s Addiction e se envolveu com vários projetos no futuro.

Dá para curtir ‘One Hot Minute’ sem medo. O período de exceção do Red Hot Chili Peppers é interessante demais para passar batido.

Red Hot Chili Peppers – ‘One Hot Minute’

Anthony Kiedis (vocal)
Dave Navarro (guitarra)
Flea (baixo, vocal em ‘Pea’ e co-vocal em ‘Deep Kick’)
Chad Smith (bateria)

Músicos adicionais:

Keith “Tree” Barry (violino em ‘Tearjerker’)
Jimmy Boyle e Louis Mathieu (backing vocals em ‘One Big Mob’)
Lenny Castro (percussão)
Aimee Echo (backnig vocals em ‘One Hot Minute’ e ‘One Big Mob’)
Gurmukh Kaur Khalsa (canto em ‘Falling into Grace’)
John Lurie (gaita em ‘One Hot Minute’)
Stephen Perkins (percussão)
Kristen Vigard (backing vocals em ‘Falling into Grace’)
Gabriel James Navarro (choro em ‘One Big Mob’)
The Aeroplane Kids (backing vocals em ‘Aeroplane’)

1. Warped
2. Aeroplane
3. Deep Kick
4. My Friends
5. Coffee Shop
6. Pea
7. One Big Mob
8. Walkabout
9. Tearjerker
10. One Hot Minute
11. Falling into Grace
12. Shallow Be Thy Game
13. Transcending

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

2 COMENTÁRIOS

  1. Difícil achar um texto tão completo e sem achismos de fã, adoro esse álbum, o mais rock anda roll do red hot, Dave trouxe muita guitarra pesada e o lado mais sombrio e psicodélico. Ao vivo trouxe mais peso até para as mais funkeadas da era mothers milk e blood sugar. Música de muita qualidade. Comparações com Frusciante não fazem sentido, são guitarristas com almas completamente diferentes. Vida longa ao Red Hot!

  2. Sensacional resenha! Concordo demais que é um capítulo que para o bem ou o mal, não irá se repetir. Mas que momento!
    Registro espetacular, letras profundas, um trabalho incrível de Dave Navarro nas guitarras, tudo perfeito. Ao lado de Californication, é o álbum mais coeso da banda.
    Parabéns pelo texto, com todo o período da banda comentado, o que só torna a leitura ainda mais incrível.
    Perfeito!
    Abraço

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