Do merch para o palco e de volta para o merch. O primeiro compromisso do Venom no Brasil, nesse aspecto do faça-você-mesmo das bandas de abertura brasileiras, foi um microcosmo de como opera a cena metal underground, em que os próprios músicos têm de correr atrás de vender seus produtos, fazer sua contabilidade e, no cerne da coisa toda, fidelizar ouvintes nem sempre tão dispostos a investir tempo e dinheiro em “novidades”.
Entenda as aspas: não estamos falando de grupos cuja trajetória se iniciou ontem. Vazio, Flageladör e Whipstriker são nomes nacionais já consagrados, dentro das limitações que ser independente impõe à definição.
E por falar em limitações, o espaço do já nem tão grande palco do Vip Station que coube a essas bandas no último sábado (30), e também ao americano Warbringer, em sua aguardada estreia por terras tupiniquins foi diminuto. Afinal, às suas costas estava montada a bateria exageradamente grande de Dante, o espancador de peles dos headliners.
Vazio
Os portões foram abertos cedo, com dia ainda claro e um público cuja indumentária e adereços, se usados para o mal, são quase armas brancas. Os presentes se dividiram entre adentrar o recinto ou permanecer nos bares das cercanias, num esquenta pré-show embalado por uma final inédita de Libertadores.
Concorrer com Botafogo x Atlético MG (e com cerveja inevitavelmente mais em conta) fez com que o Vazio, com o perdão da piada infame, tocasse para uma casa ainda meio vazia. Sem se permitirem afetar, Renato RG (vocais e guitarra), Eric Nefus (guitarra), Nilson Slaughter (baixo) e Daniel Vecchi (bateria) tocaram seu black metal de contornos atmosféricos e temática mística e ocultista com alta fidelidade às gravações de estúdio, firmes numa aspiração subconsciente de ser o Uada brasileiro.
Com disco lançado em março — o bem legal “Necrocosmos” —, houve esperada ênfase no novo material, que não deve em nada ao do antecessor “Eterno Aeon Obscuro” (2020). São apenas oito anos de atividades, mas o olhar atento aos detalhes, além de sempre bem-vindas letras em português, faz do quarteto paulista um nome a ser acompanhado de perto.
Flageladör
Se shows de metal fossem rodadas de bingo, o Flageladör, que veio na sequência, preencheria toda a cartela.
Na quase uma hora que lhe coube de palco, o quarteto comandado pelo algoz Armando Exekutor:
- fez abrir os primeiros moshpits da tarde-quase-noite;
- dedicou “Queimando nas Chamas do Heavy Metal” a Pit Passarell (Viper) e Paul Di’Anno, que nos deixaram nos últimos tempos;
- incitou cânticos de “ooo ooo ooo”;
- e louvou os prazeres simples da vida, como beber e brigar.
Tudo isso num speed à moda oitentista, um pouco Motörhead e muito Venom das antigas. A violência do som era tamanha que, lá pelas tantas, o show precisou ser pausado para que a caixa da bateria, vítima do toque de marreta de Vinícius Talamonte, fosse substituída.
Whipstriker
Outro nome calejado da cena, e mais um cujo som é uma amálgama de metal, punk e satanismo, o Whipstriker foi a terceira atração do evento. Nas mãos do frontman Victor Vasconcellos (codinome Whipstriker), o baixo vira um instrumento solo, não obstante o embolo que o som se tornou o tenha impedido de assumir o protagonismo desejado.
“Lucifer Set Me Free”, diz o título de uma das músicas mais conhecidas do repertório. O anjo caído pode até ter libertado, mas não ajudou os cariocas, que enfrentaram diversos problemas técnicos, precisando, inclusive, interromper os trabalhos por alguns minutos.
A falha resultou em certa dispersão. Todavia, bastaram duas pedradas para que os desgarrados reassumissem posições novamente.
Warbringer
Listado no cartaz como convidado especial, o americano Warbringer, em suas duas décadas de atividades, nunca tinha vindo ao Brasil. E sua vinda não poderia se dar em momento mais oportuno.
De contrato assinado com a austríaca Napalm Records e um novo álbum previsto para 2025, John Kevill (vocais), Adam Carroll (guitarra), Chase Becker (guitarra), Chase Bryant (baixo) e Carlos Cruz (bateria) subiram ao palco visivelmente focados em aproveitar ao máximo a oportunidade de expansão de mercado que lhes foi concedida.
O show começa em ritmo marcial, com as pancadas de Cruz mais que sobressaindo, engolindo os demais instrumentos na mix. Em diversas oportunidades, Kevill elucida o quão contente a banda está com essa estreia em terras tupiniquins.
O som, a exemplo do que se aceita como thrash moderno, é totalmente by numbers, regido por fórmulas de eficácia previamente comprovada. Os parâmetros de comparação são o Slayer dos áureos tempos — principalmente nos rompantes agudos de John, na escola de Tom Araya — e o Metallica circa “…And Justice for All”).
A impressão de “acabei de ouvir uma música igualzinha a essa” é tragicamente real, exceto nos momentos em que as guitarras em harmonia sinalizam o que talvez seja o maior diferencial do Warbringer: um fator Iron Maiden/Judas Priest que nem todos os nomes do thrash de antigamente adotaram para si.
Venom
Muito fala-se sobre a tal pontualidade britânica, mas o Venom levou isso a outro patamar dando o pontapé inicial na hora mais escura do Vip Station quinze minutos antes do previsto com “Black Metal”, a faixa-titulo do álbum de 1982 que batizou todo um gênero. O que antes eram rodas algo comedidas se expandiram. Headbangers que, vistos de cima, pareciam formigas-correição, não deixavam escapatória para os que estavam à margem. Era juntar-se ao pogo ou dar o fora dali.
Único remanescente do lineup clássico, o vocalista e baixista Cronos é caricato por si só. É “poucas ideias” no palco como fora dele. Não rolam patadas — a menos que o amigo leitor considere proibir fotógrafos de exercer seu trabalho uma —, mas o chefão deixa claro que prefere até as mínimas coisas do seu jeito. Antes que os típicos “ole ole ole ole” começassem, ele pede silêncio e ensina “como deve ser”: V-E-N-O-M. Revisão técnica de ovação ao gosto do revisor. Sem graça, também.
O álbum “Storm the Gates” saiu há seis anos, com pouquíssimos alarde e repercussão, então a matemática não bate: para quê três músicas dele num repertório que, com sorte, teria de 13 a 14 músicas? Que louco prefere ouvir “100 Miles to Hell”, “Bring Out Your Dead” e “Suffering Dictates” a “Bloodlust”, “Die Hard” e “In League with Satan”, criminosamente deixadas de fora do set?
Tirando a trinca aplaudida quase que por solidariedade, o setlist trouxe dez hinos do cânone mais diabólico do metal, tocados com o máximo de fidelidade que os estudados La Rage (guitarra) e Dante (bateria) conseguem reproduzir do despojamento jovem/etílico de Mantas e Abaddon. Destaque para:
- “Welcome to Hell”;
- “One Thousand Days in Sodom”;
- “Countess Bathory” (“Essa aqui nós temos de tocar sempre”, disse Cronos sobre a segunda faixa de maior importância de “Black Metal”);
- e “Witching Hour”, limada em shows mais recentes.
E por mais que a emenda com “Don’t Burn the Witch” não tenha ficado das piores, tal qual Buchecha sem Claudinho, não existe “Buried Alive” sem “Raise the Dead”, outra a não ter sido tocada.
Venom — ao vivo em São Paulo
- Local: Vip Station
- Data: 30 de novembro de 2024
- Turnê: 7 Latin Dates of Hell
- Produção: Solid Music Entertainment
Repertório:
1. Black Metal
2. Welcome to Hell
3. In Nomine Satanas
4. Bring Out Your Dead
5. One Thousand Days in Sodom
6. 100 Miles to Hell
7. Buried Alive
8. Don’t Burn the Witch
9. Leave Me in Hell
10. Suffering Dictates
11. Countess Bathory
12. Witching Hour
Bis:
13. Warhead
*Esta cobertura não contou com trabalho fotográfico do site IgorMiranda.com.br por ausência de colaborador à disposição. É fotógrafo e tem interesse em cobrir eventos como este? Entre em contato pelo formulário ao fim desta página.
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