A história de “Powerslave”, o apogeu do Iron Maiden

Álbum gerou clássicos indiscutíveis do metal; agenda pesada, que incluiu show no primeiro Rock in Rio, quase destruiu a banda 

Em 16 de maio de 1983, dezesseis meses antes de lançar “Powerslave”, o Iron Maiden disponibilizou Piece of Mind. O quarto álbum da discografia marcou um momento de transição e crescimento, apresentando ao mundo o talento excepcional do baterista Nicko McBrain e destacando-se com o single Flight of Icarus, que abriu as portas do principal mercado consumidor de discos, os Estados Unidos.

A turnê, inevitavelmente batizada de “World Piece Tour”, foi a primeira mundial do Maiden como headliner. Com 140 shows, o giro percorreu o globo de 2 de maio até 18 de dezembro daquele ano.

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Foi uma agenda árdua e exaustiva. Todavia, ao final dela, “Piece of Mind” já havia vendido 500 mil cópias somente na América e sido eleito pelos leitores da revista Kerrang! como o melhor álbum de metal de todos os tempos — com seu antecessor, The Number of the Beast (1982), em segundo lugar.

Após duas semanas de folga no início de 1984 para recarregar as baterias, o vocalista Bruce Dickinson, os guitarristas Dave Murray e Adrian Smith, o baixista Steve Harris e o já mencionado McBrain se reuniram para começar a ensaiar e testar material novo para seu quinto álbum. Foram seis semanas de preparação entre fevereiro e março até o momento de retornar ao Compass Point Studios — onde “Piece of Mind” havia sido gravado — em abril.

Assim começa a história de “Powerslave”.

O milagre do Iron Maiden veio da escada

Localizado em Nassau, nas Bahamas, o Compass Point foi um dos estúdios de gravação mais icônicos do século 20. Fundado em 1977 pelo mesmo Chris Blackwell que fundou a Island Records em 1959, o local rapidamente se tornou um ponto de encontro para alguns dos maiores nomes da música, como Dire Straits, Rolling Stones e U2, que produziram muitos de seus hits sob a atmosfera tropical e a vibe relaxante da ilha.

Em depoimento a Martin Popoff, presente no livro “The Top 500 Heavy Metal Albums Of All Time” (ECW Press, 2004), Smith recorda-se que Nassau foi “um ambiente fantástico para trabalhar”:

“Era lindo; tínhamos apartamentos bem na beira do mar. O estúdio ficava coladinho. Era muito isolado. De vez em quando, tínhamos que dar uma pausa e curtir por alguns dias. Mas conseguimos fazer bastante trabalho no meio de toda a diversão. Não houve muitas discussões sobre nada. Acho que isso só veio um pouco depois [risos]. Acho que naquela época estávamos meio que surfando uma onda, vivendo um ótimo momento e voando alto.”

Não era uma visão consensual. Na autobiografia “Para que serve esse botão?” (Intrínseca, 2018), Dickinson descreve o ambiente de forma um pouco diferente de seu colega, destacando o tráfico de drogas que assolava a região na época:

“Ainda que nas proximidades do Compass Point Studios a vida parecesse adequadamente relaxada, em clima de praia, havia lugares na capital, Nassau, onde a atmosfera era pouco amigável (…) Parecia a ilha onde Sean Connery filmara ‘007 Contra o Satânico Dr. No’.”

O vocalista também lembra que, apesar de espaçoso e confortável, o Compass Point tinha suas “excentricidades”. Ele diz:

“A rede elétrica da ilha era imprevisível, e por isso havia um gerador de emergência. Até aí tudo bem, só que o pico de energia quando o gerador era acionado gerava uma corrente que atingia as cabeças do gravador de 24 canais e apagava ou danificava o conteúdo das fitas que estivessem em contato com a cabeça naquele momento. Quedas de energia, portanto, eram momentos decisivos. A sala de repente mergulhava na escuridão e os operadores se atiravam na direção do gravador para afastar a fita das cabeças. Tinha-se uns dez segundos para fazer isso antes que um trecho inteiro da gravação fosse perdido.”

Em uma matéria especial publicada no site da revista Classic Rock, McBrain acrescenta que, durante o processo de gravação, o ar-condicionado do estúdio pifou. E assim que técnicos foram consertar o aparelho, as coisas começaram a dar certo para o Maiden:

“O engraçado é que, no minuto em que a escada foi colocada na sala [de gravação], todo o resto do equipamento de repente começou a funcionar corretamente! Sei que parece ridículo, mas foi o que aconteceu… e todos nós começamos a olhar para esta escada e a zombar uns dos outros dizendo: ‘Deve ser a escada — tem a forma de uma pirâmide!’. É sério, não deixamos que eles tirassem aquela escada por dias!”

“Powerslave” dos trópicos à exaustão

Movidos por fortíssimos daiquiris de banana e lutando contra pequenos mosquitinhos que atacavam a torto e a direito, o Iron Maiden terminou os trabalhos nas Bahamas em junho. Levaram para os Electric Lady Studios, em Nova York, um total de onze faixas a serem mixadas — oito das quais comporiam a tracklist final do álbum.

O clima praiano de Nassau, no entanto, não se reflete no repertório, que inclui desde uma ode aos pilotos da RAF durante a Segunda Guerra Mundial (“Aces High”) até uma adaptação homônima de “Rime of the Ancient Mariner”, famoso poema de Samuel Taylor Coleridge que narra a história de um marinheiro amaldiçoado por ter matado um albatroz.

O gosto de Bruce pela esgrima permeia a dobradinha “Flash of the Blade” — cedida à trilha sonora do filme “Fenômeno” (1985), de Dario Argento — e “The Duellists”. Já “2 Minutes to Midnight” critica a corrida armamentista e reforça a necessidade de construir um futuro mais seguro para a humanidade.

“Uma alegoria parcial da vida de um faraó astro do rock” é como Bruce Dickinson define a faixa-título, que, segundo ele, “definiu toda a temática egípcia do álbum”. Assim escreve em sua autobiografia:

“O sentimento que me batia no coração era o de esplendor oco, e começava a se tornar aquilo que eu sentiria ao final da turnê: ‘a slave to the power of death’ [‘um escravo do poder da morte’].”

Com um cenário inspirado pela arte do álbum na qual Derek Riggs retrata o mascote Eddie como um imponente faraó egípcio, dominando a entrada de uma pirâmide, a chamada “World Slavery Tour” foi a turnê mais ambiciosa que a banda havia empreendido até então. Foram 13 meses consecutivos na estrada, passando por 28 países. Alguns dos quase 300 shows realizados merecem destaque:

  • Em 9 de agosto de 1984, o Maiden foi a primeira banda de metal a fazer um show completo além da Cortina de Ferro. A apresentação ocorreu em Varsóvia, na Polônia, um país que sofria terrivelmente com a fome e onde os jovens eram brutalmente maltratados. À Metal Attack Magazine, Dickinson comentou sobre o pioneirismo: “Nunca tínhamos nos apresentado lá, e nossos fãs precisam nos ver, pois se sentem frustrados, esquecidos pelo resto do mundo. Eles anseiam por heavy metal, nunca viram nenhuma banda de hard rock, então pensamos: ‘Por que não nós?’”. O giro pelo bloco socialista, que incluiu paradas na Checoslováquia e na Hungria, resultou no VHS “Behind the Iron Curtain”, lançado em outubro.
  • Em 11 de janeiro de 1985, foi a vez de o grupo tocar diante de 250 mil pessoas no primeiro Rock in Rio, no Brasil. A participação no festival foi um divisor de águas para a banda, abrindo as portas para o mercado latino-americano, uma região até então amplamente inexplorada por artistas de rock internacionais. Apesar dos desafios técnicos e de produção, o show foi um sucesso estrondoso, que forjou a conexão emocional entre o Iron Maiden e seus fãs brasileiros, uma relação que se mantém forte até hoje.
  • De 14 a 17 de março de 1985, o Maiden fez uma série de quatro shows na Long Beach Arena, nos Estados Unidos, durante a qual foi gravado o grosso do álbum ao vivo “Live After Death”, lançado em outubro. E é realmente ao vivo, como afirma Harris ao biógrafo Wall em “Run to the Hills” (Évora, 2014): “[O] material prensado no álbum, basicamente, é o do show de uma noite em particular. Nada de overdubs. Ainda estávamos em turnê quando Martin [Birch, produtor] mixou as gravações. Ele nos enviava umas duas faixas por vez e esperava nosso aval, de forma que não dava para adicionar coisa alguma, mesmo se quiséssemos. De qualquer modo, a gente era contra esse tipo de coisa. O disco tem de ser totalmente ao vivo, sabe?”
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Entretanto, o extenso roteiro e o cronograma apertado castigaram a todos, provocando enorme exaustão física e emocional ao final da turnê. McBrain revela ter ficado “realmente surpreso” que a banda tenha sobrevivido a essa turnê:

“Foi a turnê com a agenda mais pesada que já fiz até hoje. Era só vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai, pois a banda estava no auge do sucesso, especialmente nos Estados Unidos. Fazíamos quatro shows seguidos, com apenas um dia de folga; depois, mais quatro, e outro dia de folga… Às vezes, até fazíamos cinco shows consecutivos. Era insano! Lembro que, depois de rodar tanto, entramos no piloto automático, um tipo de terra de ninguém. No final, estávamos completamente exauridos. E Bruce, mais que todos, estava prestes a desistir de cantar e voltar para casa. Quando você chega nesse estágio, tudo perde a graça, tornando-se um enorme tédio, uma grave perturbação emocional. Quase destruiu a banda.”

Smith corrobora ao dizer que, na época, “pareceu algo sem fim”. Ele afirma:

“Seis meses? Beleza. Nove meses? Beleza… Mas aí a turnê foi se estendendo, e se estendendo, enquanto nos acabávamos. Hoje em dia, quando as bandas ficam 14 meses em turnês mundiais, elas inserem lacunas para recuperação, mas não houve nenhum break naquela excursão, nenhum intervalo de verdade, somente um dia de folga e pronto. Estávamos todos esgotados no final, para ser bem honesto. Um ano se arrastando, e toda sua vida transcorre por uma janela. Quanto a manter relacionamentos de longa duração — seja com amigos, amantes ou quem quer que fosse —, esqueça! Sei que isso faz parte do pacote, mas foi duro demais. No fim, não sabia mais como me comportar adequadamente nem o que fazer. Recordo-me de ter ido visitar meus pais, mas, quando cheguei à rua deles, bati na porta da casa errada. É verdade!”

Para Bruce, foi a melhor e a pior turnê da carreira do Maiden. O cantor diz:

“Quase nos sepultou. Saímos da turnê do ‘Powerslave’ e eu estava absolutamente destruído mentalmente. Eu queria dar uma grande pausa, e realmente ia dar uma pausa tão longa que não tinha certeza se voltaria para a música de novo. Porque estava me deixando maluco. E demos uma pausa, mas não por tempo suficiente — pelo menos para mim — e voltamos e começamos a escrever.”

Essencial para qualquer fã

Lançado em 3 de setembro de 1984, “Powerslave” tornou-se o segundo álbum do Maiden a vender mais de 1 milhão de cópias nos Estados Unidos, onde alcançou a 12ª posição nas paradas. No Reino Unido, foi impedido de chegar ao 1º lugar pelo volume 3 da coletânea “Now That’s What I Call Music!”, que incluía sucessos de artistas como Queen (“I Want to Break Free”), Tina Turner (“What’s Love Got to Do with It”) e Paul McCartney (“No More Lonely Nights”), entre outros habitués das paradas pop britânicas.

Hoje em dia, além de ostentar discos de ouro e platina, “Powerslave” acumula diversos méritos:

  • É considerado o melhor álbum do Maiden, segundo a Classic Rock — “É tanto o registro definitivo da primeira década da banda quanto o álbum com a melhor arte de capa de todos os tempos”, afirma a publicação;
  • Em 2017, foi listado na 38ª posição da lista dos “100 Maiores Álbuns de Metal de Todos os Tempos” da Rolling Stone;
  • Também aparece na 13ª posição na lista dos 500 mais de Martin Popoff — “A força bruta do talento e a energia contagiante da banda se unem, criando clássicos que emocionam e envolvem o ouvinte, deixando-o ávido por mais”, justifica o autor canadense.

Em depoimento a Wall, Harris reconhece a força de “Powerslave” no caráter duradouro de algumas de suas faixas:

“Há quatro que continuamos a tocar ao vivo: ‘Rime of the Ancient Mariner’, ‘2 Minutes to Midnight’, a própria ‘Powerslave’ e ‘Aces High’. Das outras faixas presentes no álbum… algumas são boas. Ainda gosto de ‘The Duellists’, que tem uma musicalidade interessante. Mas, se for comparar ‘The Duellists’ com ‘Rime of the Ancient Mariner’ e ‘2 Minutes to Midnight’… Bom, aí não tem como! (…) Para mim, essas quatro canções citadas são particularmente fortes.”

Para Smith, o grande atrativo de “Powerslave” está na sua qualidade sonora. O guitarrista reflete:

“Sempre achei o ‘Piece of Mind’ muito, muito seco. Há algumas músicas ótimas, mas é um pouco difícil de ouvir agora. ‘Powerslave’ é um pouco mais suave, eu acho. Era como uma prévia do som que exploraríamos mais a fundo em Somewhere in Time (1986).”

Embora “Piece of Mind” seja seu favorito, Dickinson afirma que “Powerslave” é um álbum essencial para qualquer fã do Iron Maiden. Nas suas palavras, é um disco que “todos precisavam ter, mesmo se nunca mais comprassem nenhum outro disco do grupo.”

É difícil não concordar.

Iron Maiden – “Powerslave”

  • Lançado em 3 de setembro de 1984 pela EMI Records
  • Produzido por Martin Birch

Faixas:

  1. Aces High
  2. 2 Minutes to Midnight
  3. Losfer Words (Big ‘Orra)
  4. Flash of the Blade
  5. The Duellists
  6. Back in the Village
  7. Powerslave
  8. Rime of the Ancient Mariner

Músicos:

  • Bruce Dickinson (vocais)
  • Dave Murray (guitarra)
  • Adrian Smith (guitarra)
  • Steve Harris (baixo)
  • Nicko McBrain (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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