Kiko Loureiro reforça talento e desfila bom repertório solo em show no Sesc Av. Paulista

Primeira das duas apresentações em espaço intimista mostrou predicados de obra fora de bandas e ofereceu holofotes a competentes músicos de apoio

Os fãs surpresos com o prolongamento do afastamento de Kiko Loureiro do Megadeth ficaram ainda mais embasbacados quando o guitarrista anunciou, quase que na sequência, dois shows solo no Brasil. Polêmica desnecessária, é claro: fora o fato de haver enorme diferença entre duas datas e uma turnê de sabe-se lá quantos meses, o músico já explicou em entrevista que as apresentações no Sesc Avenida Paulista, sexta-feira (8) e sábado (9), estavam agendadas há muito tempo — e faziam parte de um planejamento pessoal, de passar o fim do ano no Brasil, perto de familiares, já que reside na Finlândia.

Questões do tipo à parte, fato é que os ingressos para os dois compromissos do músico esgotaram em minutos, assim como a palestra (gratuita, mas com necessidade de reservar entrada) sobre gerenciamento de carreira musical realizada dias antes, no mesmo local. É inegável que Kiko, visto há tempos como um grande guitarrista, alçou-se em um patamar ainda mais alto por seu envolvimento com o Megadeth.

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Foto: Thammy Sartori @tsartoriphotos

Se a popularidade e o valor dado a seu trabalho cresceram, o talento com a guitarra em mãos segue o mesmo. Afiadíssimo, o guitarrista fez um show relativamente curto (aproximadamente 80 minutos), mas efetivo, diante de algumas centenas de fãs presentes no modesto Sesc Avenida Paulista nesta noite inaugural.

Para a ocasião, esteve acompanhado dos também virtuosos Luiz Rodrigues (guitarra), Junior Braguinha (baixo) e Luigi Paraventi (bateria). A decisão de se apresentar pela primeira vez no formato de quarteto, com segunda guitarra, se provou acertada. Luiz, que cita Kiko como sua maior influência no instrumento, preencheu o som de forma assertiva e teve até seus momentos diante dos holofotes — como em “Feijão de corda”, onde improvisou um solo que, a mando do patrão, foi estendido. Junior e Luigi não ficaram atrás: o baixista chegou a executar solos em mais de uma ocasião, sempre arrancando aplausos; o baterista, de apenas 18 anos e frequentemente apoiado pelos gritos de familiares ao fundo, reproduziu com maestria linhas originalmente gravadas por gente do peso de Mike Terrana, Virgil Donati e Chris Adler.

Foto: Thammy Sartori @tsartoriphotos

Tudo isso rolou com regência de Loureiro, notório por seu domínio técnico do instrumento e do palco, mas nem sempre lembrado por seu bom repertório solo. O guitarrista fez bem em priorizar músicas de seu trabalho mais recente, o ótimo “Open Source” (2020), e do primeiro, o inspirado “No Gravity” (2005) — gravado, conforme ele próprio relatou, durante uma pausa nas sessões de “Temple of Shadows” (2004), clássico disco do Angra.

Conforme o setlist se desenvolvia, o grande predicado das obras solo de Kiko Loureiro se confirmava: a prioridade à melodia. As demonstrações técnicas rolavam, mas nunca de forma gratuita, sem puro exibicionismo. Músicas como a prog intrincada de abertura “Overflow”, a grudenta e repleta de tappings “Reflective” (faixa mais ouvida dos álbuns apenas de Loureiro no Spotify) e até mesmo a pesada “Escaping”, que vai da grosseria do wah a uma parte clean pra lá de sofisticada, mostram que há sempre alguma melodia forte por trás. E é isso que mantém o interesse do público em uma apresentação totalmente instrumental. É legal ver os caras fritando? Sim, mas se fosse só isso, dificilmente seguraria a plateia da forma como ocorreu nos 80 minutos desta performance.

Quem queria melodia, teve de sobra logo após as três músicas de abertura citadas anteriormente. A dobradinha “Vital Signs” e “Dreamlike”, ambas oriundas de “Open Source”, capricham nesse departamento. No miolo, talvez um dos melhores momentos do set: “Pau de Arara”, onde o virtuosismo nas seis cordas se encontra com um trabalho rítmico que beira a perfeição.

Foto: Thammy Sartori @tsartoriphotos

Com um solo de violão ao início, “Conquer or Die!” atraiu muita atenção por ser uma música originalmente gravada pelo Megadeth. Todo mundo diz que a banda é de Dave Mustaine — e é mesmo —, mas nessa composição, virou o grupo de Kiko. A execução ao vivo só prova isso. A faixa-título do álbum “No Gravity”, dona de saborosa melodia e de inserção impecável de guitarra rítmica, foi sucedida pelo já mencionado relato a respeito das circunstâncias em que o disco foi gravado; agora, devidamente transcrito e adaptado:

“Na época de ‘No Gravity’, gravávamos o ‘Temple of Shadows’, estávamos escrevendo as músicas dele. Gosto muito de álbuns instrumental de guitarra, tive uma fase muito de ouvir só discos assim e sentia vontade de fazer um. E algumas músicas do ‘Temple of Shadows’ estavam ficando demais com cara de instrumental. Até tentava transformar para o Angra, mas a cara era essa. Quando vi, tinha cinco ou seis músicas. Demos uma pausa no ‘Temple of Shadows’, então falei para o produtor, Dennis Ward, que estava a fim de gravar. Só não sabia se alguém iria querer ouvir, já havia rolado a febre dos álbuns de guitarristas dos anos 1980, tinha ido para cima e para baixo. Era uma ideia esdrúxula, estranha, arriscada, mas eu queria e ele topou. Então, fui para a Alemanha e gravamos.”

Se pareceu estranho apostar em um álbum instrumental de guitarra em 2005, Loureiro observou que seu trabalho solo seguinte, “Universo Inverso” (2006), pareceu ainda mais arriscado: nele, a influência de música brasileira esteve ainda mais evidente. Felizmente, rendeu a expressiva “Feijão de Corda”, onde não apenas Luiz Rodrigues, mas toda a banda de apoio deu show: cada um teve seu momento de solar e não fez feio. Devidamente estendida, a faixa guardou até mesmo uma breve referência a “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga.

A dramática “Du Monde” foi apresentada como música final, mas não demorou até que Kiko e seu trio complementar retornassem para um bis. Durante o breve momento fora do palco, fãs pegaram todas as palhetas do guitarrista. O acessório foi reabastecido na volta, ainda que uma das peças tenha sido entregue a um carismático garotinho que gritou “Palheta! Palheta!” da plateia. Como dizer “não”?

Foto: Thammy Sartori @tsartoriphotos

O encerramento ficou a cargo de “Enfermo”, talvez a mais “fritada” do repertório, antecedida por um trecho de “Nothing to Say”, clássico do Angra. Houve quem gritasse para que Kiko Loureiro retornasse à banda que o consagrou, em um pedido que provavelmente não será atendido, ao menos pelos primeiros anos pós-Megadeth.

Pela decisão tomada e pelos relatos que o guitarrista compartilhou, diga-se, mal dá para imaginá-lo na estrada — o que deu sabor ainda mais especial para o show visto na sexta-feira (8). Ao deixar o Sesc Avenida Paulista, a sensação era de que, ali, havia ocorrido algo único. Se já é extremamente improvável um músico brasileiro conseguir vaga por tanto tempo em uma banda histórica e de renome mundial, quais as chances de vê-lo novamente num show tão intimista?

*Fotos de Thammy Sartori. Mais imagens ao fim da página.

Foto: Thammy Sartori @tsartoriphotos

Kiko Loureiro — ao vivo em São Paulo

  • Local: Sesc Avenida Paulista
  • Data: 8 de dezembro de 2023

Repertório:

  1. Overflow
  2. Reflective
  3. Escaping
  4. Vital Signs
  5. Dreamlike
  6. Pau-de-Arara
  7. Conquer or Die! (Megadeth)
  8. No Gravity
  9. Feijão de corda
  10. Du Monde

Bis:

  1. Nothing to Say (Angra) + Enfermo
Foto: Thammy Sartori @tsartoriphotos
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Veja também — entrevista de 2022 com Kiko Loureiro:

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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