Como “Americana” solidificou o Offspring como gigante mundial

Veteranos do pop punk escancararam a realidade distorcida dos Estados Unidos em um de seus álbuns mais vendidos

O sucesso do Nirvana abriu os olhos do grande público para a música que era feita além do mainstream. Os maiores vencedores disso foram as bandas de pop punk, com ganchos grudentos e guitarras barulhentas. As grandes gravadoras estavam atentas e capitalizaram. Uma história à parte em meio a tudo isso é a do Offspring.

Em 1994, a banda americana provou que não precisava de uma major ao vender 11 milhões de cópias do álbum “Smash”, o maior sucesso independente da história. Isso não os impediu de assinar com a Columbia logo em seguida, mas fica a questão: como superar um êxito tão grande?

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Compondo um dos maiores hits do final do século 20. Essa é a história de “Americana”.

O boom do skate

O Offspring já existia de uma forma ou de outra há quase dez anos quando “Smash”, terceiro disco da banda, foi lançado em 1994. Veteranos da cena pop punk do sul da Califórnia, eles sempre estiveram próximos da cultura skate local. A ascensão deles refletiu em parte o interesse renovado da juventude americana no esporte.

O ano seguinte a “Smash”, 1995, viu o surgimento dos X-Games. A primeira edição ocorreu nos EUA e a trilha sonora trazia, em grande parte, bandas como o próprio Offspring. Ainda assim, singles como “Come Out and Play” e “Self Esteem” se destacavam em meio a toda essa música por incorporar elementos bem característicos da cultura californiana, como humor e interjeições de amigos do grupo usando sotaques mexicanos.

Isso ajudou a impulsionar “Smash” para a 4ª posição na Billboard 200. Levando em conta que o disco saiu por uma gravadora independente – Epitaph Records –, isso foi um feito gigantesco.

Em entrevista de 1995 à Rolling Stone, Dexter Holland opinou sobre o sucesso do disco:

“Até certo ponto, temos sorte de ser a hora certa. Dez anos atrás, quando me liguei no punk, as coisas que as bandas falavam sobre – não pertencer à sociedade, reclamar do governo – eram coisas que apenas pequenos grupos de pessoas se importam. Mas essas coisas agora são vistas pela América mainstream.”

E esse sucesso todo acabou gerando problemas entre a banda e Brett Gurewitz, fundador da Epitaph e guitarrista do Bad Religion. Em entrevista de 2014 à Rolling Stone, o guitarrista Kevin “Noodles” Wasserman falou:

“No que ‘Smash’ começou a vender muito, a Epitaph não tinha todos os recursos que uma gravadora grande tem para distribuir um disco. Eles não tinham equipe de rádio, nem departamento de imprensa. Tem um monte dessas coisas adjacentes que rolam no lançamento de um disco. Então gastamos muito do nosso dinheiro nessas coisas, tentando promover o disco. E ao fazer isso, não estávamos apenas investindo em nós mesmos, mas também na Epitaph. Então, quando chegou a hora da gente renegociar nosso contrato, a gente achou que merecíamos mais do que Brett estava disposto a nos dar. Ele estava hesitando em nos fazer uma oferta acima do normal pra qualquer outra banda. A gente achava que tínhamos feito algo incrível e merecíamos algo maior que aquilo.”

Quando o Offspring eventualmente deixou a gravadora e assinou com a Columbia, o vocalista e guitarrista Dexter Holland escreveu uma carta aos fãs explicando as razões por trás da decisão. Ele disse que, apesar do desejo da banda de permanecer independente, as condições do contrato oferecido eram inaceitáveis.

Na conclusão do comunicado, Holland escreveu:

“Aceitamos menos dinheiro para assinar com a Columbia. Tivemos que assinar por mais discos para fechar com a Columbia. Nosso acordo com a Columbia não foi pra fazer mais dinheiro. Assinamos porque não trabalharemos para alguém que se acha com poder de nos forçar a fazê-lo. Não trabalharemos para um cara que é pior do que uma grande gravadora. Faremos o que nós bem entendermos.”

Offspring sob os holofotes

O primeiro lançamento do Offspring pela Columbia, “Ixnay on the Hombre” (1997), atingiu o top 10 da Billboard e recebeu disco de platina nos Estados Unidos. Entretanto, o álbum desagradou os fãs no sentido de puxar mais para o pós-grunge que era moda no mainstream da época. Não só isso, como também vendeu bem menos comparado a “Smash”.

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Mesmo assim, a banda não parecia preocupada. Suas turnês continuavam populares e os integrantes continuavam a compor. Na hora de fazer seu sucessor eles até mantiveram o produtor de “Ixnay”, Dave Jerden, famoso por gravar o Jane’s Addiction.

Em entrevista para a Rolling Stone, dessa vez em 1998, Holland deixou claro que o próximo trabalho da banda não seria outra mudança brusca de sonoridade:

“Eu queria compor um disco que não fosse muito distante do que fizemos antes. Acho que a gente conseguiu mudar coisas entre o ‘Ignition’, ‘Smash’ e ‘Ixnay’. Estamos num lugar agora no qual estabelecemos os limites do que podemos fazer sem precisarmos nos estender demais… e fazer uma canção de swing ou coisa assim.”

O que Holland estava pensando, contudo, era no seu país. A segunda metade dos anos 1990 viu a cultura americana em geral adquirir um caráter sensacionalista e bem consumista. Ele contou à Billboard (via Loudwire) sobre isso:

“Muitas das coisas que eu comecei a compor me fizeram perceber esse tema de cultura americana em 1998; é isso que ‘Americana’ é: cultura americana. Eu estava pensando em como a América atual é distorcida. Não é mais Norman Rockwell; é Jerry Springer. Não é morar numa fazenda; é ir ao Burger King. Então eu meio que elaborei em cima disso e fiz muitas das canções como se fossem vinhetas da minha versão do país em 1998.”

Ao San Francisco Chronicle, o vocalista falou mais sobre os temas abordados no disco:

“As músicas de ‘Americana’ não são condenações, são contos sobre o estado das coisas e o que vemos acontecer à nossa volta. Queremos expor o lado mais sombrio da nossa cultura. Pode parecer um episódio de ‘Happy Days’, mas a sensação tem mais a ver com ‘Twin Peaks’.”

Os singles de sucesso de “Americana”

O maior hit do que veio a ser “Americana” reflete um fenômeno que começou aos poucos nos anos 1980, mas chegou ao seu ápice até então no fim do século. Jovens brancos sempre tentaram copiar cultura negra em um esforço de parecerem maneiros, o que continuou até quando o rap se tornou um gênero musical bem-sucedido no mainstream.

“Pretty Fly (For a White Guy)” – topo das paradas em nove países – é uma crítica forte a adolescentes que copiam estilo, falas e maneirismos apenas pelo valor estético. Entretanto, o fato do alvo da letra falar como rappers fez algumas pessoas questionarem se a banda estava falando mal também do estilo. Não ajuda o fato de que musicalmente, a canção parece uma mistura doida de Beastie Boys e 2 Live Crew, filtrada pela veia punk do grupo.

Numa entrevista à Spin em 1999, Holland tentou explicar da melhor maneira que pôde:

“Eu não queria que [a música] fosse algo brancos/negros, porque a questão não era essa. Faz parte da discussão, mas era mais sobre posers de qualquer tipo.”

O clipe da música, um clássico da MTV na época, envelheceu mal. Tudo que a banda critica na letra parece ser celebrado em sua contraparte visual, com ênfase na apropriação cultural e objetificação de mulheres.

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O segundo single do disco, “Why Don’t You Get A Job?”, também foi extremamente bem-sucedido, porém controverso por outro motivo: a semelhança da melodia com “Ob-La-Di Ob-La-Da”, dos Beatles.

Felizmente, o terceiro compacto a ser lançado é um clássico pop punk sem ressalvas. Em “The Kids Aren’t Alright”, o Offspring pega o famoso título do The Who (“The Kids Are Alright”) e usa para pintar o retrato de uma geração que enfrenta além dos mesmos problemas das anteriores, uma nova leva. Holland falou ao Los Angeles Times:

“Havia essa ideia que pessoas pregavam para a geração anterior, que se você fizesse tudo que te falassem pra fazer, fosse para a escola e arrumasse um emprego numa companhia, havia esse processo a ser posto em prática. Você se casa, tem filhos e sobe a pirâmide corporativa, blá, blá, blá.”

“Americana” foi lançado dia 17 de novembro de 1998, atingindo a 2ª posição da Billboard 200 e vendendo ao todo mais de 10 milhões de cópias desde que saiu. Fez enorme sucesso até no Brasil, onde recebeu certificação de platina pelas 250 mil cópias comercializadas. Não superou “Smash” em números gerais por pouco, mas talvez seja o trabalho do Offspring com a maior pegada cultural.

A popularidade do grupo foi diminuindo aos poucos com o passar da década de 2000, mas à medida que o final do século 20 é analisado, a importância do Offspring aparece. 

O Offspring foi uma das poucas atrações do Woodstock 99 a denunciar do palco as agressões e estupros que aconteceram na área do festival. “The Kids Aren’t Alright” foi até escolhida como trilha dos créditos finais de “Woodstock 99: Peace, Love, and Rage”, documentário da HBO Max sobre o fiasco.

A razão é evidente: entre as bandas de nu metal pregando agressividade inconsequente e Kid Rock, eles apareciam como as vozes da sanidade em meio ao que parecia ser inferno na terra.

The Offspring — “Americana”

  • Lançado em 17 de novembro de 1998 pela Columbia
  • Produzido por Dave Jerden

Faixas:

  1. Welcome
  2. Have You Ever
  3. Staring at the Sun
  4. Pretty Fly (for a White Guy)
  5. The Kids Aren’t Alright
  6. Feelings (paródia/cover da música de Morris Albert)
  7. She’s Got Issues
  8. Walla Walla
  9. The End of the Line
  10. No Brakes
  11. Why Don’t You Get a Job?
  12. Americana
  13. Pay the Man
  • Faixa oculta: Pretty Fly (Reprise)

Músicos:

  • Dexter Holland (voz, guitarra base)
  • Noodles (guitarra solo, backing vocals)
  • Greg K. (baixo, backing vocals)
  • Ron Welty (bateria)

Músicos adicionais:

  • Chris “X-13” Higgins (backing vocals, vocais adicionais na faixa 4)
  • Heidi Villagran e Nika Frost (vocais adicionais na faixa 4)
  • Calvert DeForest (parte falada na faixa 11, vocais adicionais na faixa oculta)
  • John Mayer (parte falada na faixa 1, vocais adicionais na faixa oculta)
  • Davey Havok, Jack Grisham e Jim Lindberg (backing vocals)
  • Gabrial McNair (buzina na faixa 11 e faixa oculta)
  • Alvaro Macias (vihuela na faixa 11 e faixa escondida)
  • Phil Jordan (buzina na faixa 11 e faixa oculta)
  • Carlos Goméz (guitarra na faixa 11 e faixa oculta)
  • Derrick Davis (flauta na faixa 11 e faixa oculta)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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