Como o The Byrds inventou o country rock em “Sweetheart of the Rodeo”

História envolve herdeiro de fortuna de laranjas convencendo uma das maiores bandas do planeta a fazer música caipira

A música country sempre foi analisada à parte do resto na história da cultura pop. Durante muito tempo vista como um fenômeno regional – no caso, o sul dos Estados Unidos –, trazia estética espalhafatosa e sonoridade conservadora. Parecia ser apreciada apenas por aqueles que cresceram consumindo o gênero.

Pouco importava que as raízes country do rock and roll são profundas, com artistas como Elvis Presley, Carl Perkins, Everly Brothers e outros terem vindo dessa realidade sulista — e sendo capazes de combinar a sensibilidade desse gênero com R&B para atingir sucesso mainstream.

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Sem falar no fato de estrelas country como Johnny Cash, Waylon Jennings, Merle Haggard e George Jones serem tão selvagens quanto rockstars, tanto na vida real quatno nas canções. A música country sempre teve um olho voltado para os aspectos mais sombrios da condição humana, contando histórias de luta, crime e perdição.

Ainda assim, o country estava aos poucos sendo deixado para trás pelo folk nos olhos dos roqueiros. Bob Dylan introduziu uma nova maneira de apresentar música tradicional à juventude na metade dos anos 1960 e grupos como The Byrds capitalizaram em cima dessa oportunidade, sendo creditados como pioneiros do folk rock em 1965.

Três anos depois, em meio a inúmeras mudanças de pessoal e uma crise criativa ameaçando a própria existência da banda, os Byrds acabaram se tornando precursores no retorno do country como elemento fundamental do rock. Tudo graças à influência de um moleque riquinho obcecado em fazer com que esse estilo que ele amava se tornasse legal para a juventude.

Essa é a história de “Sweetheart of the Rodeo”.

Conflitos internos

O The Byrds estava passando por um período complicado. Em fevereiro de 1966, Gene Clark deixou a formação. Apesar de não tocar nenhum instrumento em shows, o músico era o principal compositor, sendo responsável pelos únicos hits originais deles.

No livro “The Byrds: Timeless Flight Revisited, the Sequel”, escrito por Jim Rogan, o baixista Chris Hillman descreveu a importância de Clark para o grupo:

“Por uma época, ele tinha o poder nos Byrds, não McGuinn, não Crosby – era Gene quem surgia pelas cortinas batendo no tamborim, que nem um Príncipe Encantado. Um herói, nosso salvador. Poucos na plateia conseguiam tirar os olhos dele e sua presença. Ele era o compositor. Ele tinha o ‘dom’ que nenhum de nós havia desenvolvido ainda… Que parte no fundo de sua alma conjurou canções como ‘Set You Free This Time,’ ‘I’ll Feel A Whole Lot Better,’ ‘I’m Feelin’ Higher,’ ‘Eight Miles High’? Tantas grandes canções! Nós aprendemos muito sobre composição com ele e no processo aprendemos um pouco sobre nós mesmos.”

A renda extra de royalties acabou lhe tornando o membro mais rico da banda, para a inveja de pessoas como Jim (futuramente Roger) McGuinn e David Crosby, as duas figuras mais famosas dos Byrds. Além disso, Clark tinha medo patológico de voar, o que fazia a experiência de turnês especialmente traumática para ele.

Com a saída de Clark, o The Byrds adquiriu uma sonoridade menos pop, porém ainda de qualidade. O problema agora era a briga de egos e ideologias entre McGuinn e Crosby. O primeiro era casado, conservador e praticante da religião indonésia Subud, mudando seu nome de batismo para Roger em 1967. O segundo era um solteirão convicto, o maior hedonista da cena de Los Angeles e um radical de esquerda adepto de teorias da conspiração.

Durante o set dos Byrds no Monterey Pop Festival, em junho de 1967, Crosby irritou seus companheiros de banda ao fazer longos discursos entre canções sobre o assassinato de John Kennedy e os benefícios de dar LSD para políticos. 

Nos bastidores, McGuinn e Hillman, que estava se revelando um compositor de qualidade, brigavam constantemente com Crosby por causa de tentativas do guitarrista de tomar o controle criativo da banda, quando eles julgavam suas canções como medíocres.

A tensão explodiu em outubro de 1967, durante as gravações do disco “The Notorious Byrd Brothers”. Dois meses após o baterista Michael Clarke deixar o grupo em meio a choques de personalidade e insatisfação sobre o material, McGuinn e Hillman demitiram Crosby. 

A razão pela demissão foi um incidente no qual o guitarrista se recusou a gravar uma versão de “Goin’ Back”, escrita por Gerry Goffin e Carole King. O músico julgava a canção inferior a uma composta por ele, “Triad”, que era sobre um ménage à trois.

“The Notorious Byrd Brothers” foi finalizado e saiu em janeiro de 1968. McGuinn e Hillman, os dois membros remanescentes do grupo, saíram em turnê para promovê-lo. Após datas como um trio acompanhados pelo baterista Kevin Kelley, eles perceberam que existia a necessidade de encorpar a formação.

Entra em cena Gram Parsons.

Sequestro criativo

Ingram Cecil Connor III nasceu numa família rica. Seu avô materno era dono de aproximadamente um terço dos pomares de frutas cítricas na Flórida. Entretanto, sua infância e adolescência foram marcadas por tragédias.

Primeiro, seu pai se suicidou a dois dias do Natal de 1958. Sua mãe eventualmente se casou de novo, com um homem chamado Robert Parsons, que adotou Gram e sua irmã mais jovem. Sete anos mais tarde, a mãe morreu de cirrose hepática causada por alcoolismo.

A vida escolar de Gram foi conturbada: ele repetiu de ano e precisou várias vezes mudar de escolas. Mesmo assim, uma redação de admissão de qualidade (e a fortuna de seu avô) foram suficientes para ele entrar na universidade de Harvard em 1966. Não durou muito tempo por lá, mas sua experiência com ensino superior o levou a conhecer música country.

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Apesar de ter crescido no sul dos EUA, Parsons virou fã de rock and roll, especialmente de Elvis Presley, desde cedo. Seus interesses mudaram para folk com o surgimento de Bob Dylan, e ele tentou sua sorte no grupo The Shilohs. Apesar de não conseguirem ter sucesso, foi suficiente para ele formar conexões nas cenas de NY e Boston, onde ele eventualmente montou seu projeto country, The International Submarine Band.

A International Submarine Band logo se mudou de mala e cuia para Los Angeles em 1967, onde assinaram com o selo de Lee Hazlewood, LHI, e gravaram seu disco de estreia, “Safe at Home”. Entretanto, quando o álbum finalmente saiu, em março de 1968, a banda já havia terminado e Parsons já tocava com os Byrds.

O convite para a entrada de Gram veio de Chris Hillman. À People, o baixista falou sobre o encontro dos dois em um banco que resultou na entrada dele para o The Byrds:

“Eu sabia quem ele era. Eu tinha ouvido falar dele, mas eu não havia escutado ele tocar nem nada. Mas eu convidei ele para um ensaio naquela noite só para ouvir ele tocar. Estávamos meio que reconstruindo a banda naquela época, botando tudo de volta no lugar. Gram chegou, era interessante e tinha algumas ótimas canções que tinha escrito, além de muita ambição e muita energia – bem o que a gente precisava.”

Roger McGuinn queria um tecladista capaz de tocar jazz para os Byrds, planejando que o próximo disco da banda fosse uma odisseia pela história da música popular dos Estados Unidos — desde as influências celtas no Appalachia aos dias então atuais. Gram Parsons conseguiu enganar com algumas frases de blues no piano e entrou para o grupo.

Não demorou para que Gram se tornasse um guitarrista ao invés de tecladista — e ele encontrou um aliado na sua proposta country em Chris Hillman. Apesar de nascido em Los Angeles e criado em San Diego, o baixista cresceu em uma cena completamente diferente do rock, mais focada em bluegrass. Por isso, as sensibilidades de Parsons ressoavam com ele.

Em um depoimento à People, Hillman falou:

“Eu sempre disse que não era forçado a gente fazer um disco country. A gente já vinha fazendo esse tipo de coisa. Até mesmo antes dos Byrds, nosso passado era em folk e country. Especialmente para mim, era bluegrass tradicional. Então eu conhecia a música e conhecia o gênero. A gente meio que estava indo por esse caminho, beliscando antes da ideia de ‘Sweetheart’.”

O conceito de “Sweetheart of the Rodeo” proposto por Gram Parsons, era bem simples: a banda gravaria um álbum combinando rock com country. Para capturar a essência do segundo gênero, precisariam fazer as sessões não em Los Angeles, mas na capital da indústria musical caipira, Nashville.

Unindo gerações e estilos

Uma das primeiras decisões tomadas pelo grupo quando chegaram em Nashville foi estratégica. Preocupados com a percepção dos músicos de estúdio e outras figuras na cidade de que seriam apenas roqueiros cabeludos maconheiros, interessados apenas em fazer uma aventurinha/um cosplay de caipira, McGuinn, Hillman, Parsons e Kelley foram no barbeiro.

Eles também recrutaram alguns medalhões da indústria local para encorpar os arranjos, como o músico de pedal steel Lloyd Green,o tocador de rabeca John Hartford e o baixista Roy Husky. O medo de haver conflito geracional se dissipou rápido, como McGuinn falou à People:

“Os caras no estúdio amaram. Eles não estavam acostumados a tal nível de liberdade. Eles estavam acostumados a ler partituras e precisavam tocar exatamente o que estava escrito. A gente disse: ‘toquem o que soa legal’. Eles amaram isso! Lloyd Green achou isso ótimo, ele nunca se divertiu tanto no estúdio.”

Numa entrevista para a Clash, Green deu seu lado da história:

“Bem, foi mais um dia de trabalho para os músicos [risos], mas foi um dia de trabalho diferente”.

O The Byrds gravou em Nashville entre 9 e 15 de março de 1968. As sessões renderam oito músicas. Entretanto, a passagem do grupo pela cidade não se deu sem incidente.

Ao final das gravações, a banda foi convidada a se apresentar no lendário Ryman Auditorium para o programa “Grand Ole Opry”, a mais tradicional instituição country dos EUA. Mesmo tendo cortado os cabelos, os Byrds ainda foram recebidos com vaias e insultos pela plateia. 

A gota d’água veio quando, ao invés de apresentarem uma canção anunciada, Gram Parsons tocou “Hickory Wind”, composta por ele e Bob Buchanan, dedicando o número para sua avó. Esse nível de falta de profissionalismo chocou os medalhões presentes e o grupo foi banido.

Os Byrds voltaram para Los Angeles, onde retomaram as sessões no começo de abril até o final de maio. Nessas sessões de volta à Califórnia, eles foram acompanhados pelo pianista Earl P. Ball, o músico de pedal steel JayDee Maness e o guitarrista Clarence White — que no futuro seria o substituto de Parsons no grupo, responsável por adicionar ainda mais à sonoridade country nessas sessões.

O repertório do que se tornou “Sweetheart of the Rodeo” foi organizado de maneira que houvesse uma ponte entre o legado dos Byrds e essa sonoridade country. Duas canções de Bob Dylan, “You Ain’t Goin’ Nowhere” e “Nothing Was Delivered”, compostas nas sessões do músico em Woodstock com The Band da qual as “Basement Tapes” saíram, foram selecionadas.

“You Ain’t Goin’ Nowhere”, o primeiro single do disco, anuncia desde cara a guinada country, com harmonias de quatro partes e um belíssimo solo de pedal steel, cortesia de Lloyd Green, que contou sobre a experiència de gravar a canção à Clash:

“Quando eles começaram a cantar, eu disse: ‘Pera, um minuto, onde vocês querem que eu toque?’. E quase em uníssono eles falaram: ‘Em tudo’. Eu disse, ‘Vocês são dos meus! Liga a máquina!’. Então, naquela música, você ouve pedal steel quase na música toda. Eu não estava acostumado com isso.”

Ironicamente, um erro da parte de McGuinn na hora de cantar a letra, invertendo o verso original “Pick up your money, pack up your tent” [“pegue seu dinheiro, embrulhe sua tenda”] para “Pack up your money, pick your tent” [“embrulhe seu dinheiro, pegue sua tenda”], rendeu um esporro da parte de Dylan, que na gravação presente no disco “The Basement Tapes” faz questão de apontar o erro se referindo ao Byrd por nome.

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O componente country clássico veio na forma de “I Am Your Pilgrim”, popularizada por Merle Travis nos anos 40; “Blue Canadian Rockies”, gravada por Gene Autry; e “The Christian Life”, dos Louvin Brothers — talvez a canção menos rock and roll que um grupo como os Byrds poderia gravar.

Sem querer parecer como se fossem saudosistas, eles ainda fizeram covers de artistas contemporâneos. O homem que converteu Gram Parsons anos antes a amante de country, Merle Haggard, teve sua “Life In Prison” regravada pela banda, assim como “You’re Still On My Mind”, de Luke McDaniel.

Os Byrds ainda deram uma roupagem country ao hit soul “You Don’t Miss Your Water”, lançado por William Bell. E Parsons acabou sendo o único integrante da banda com canções originais no disco finalizado, com “Hickory Wind” e “A Hundred Years From Now”.

Estrelismo

O protagonismo de Gram Parsons lhe subiu à cabeça. O músico começou a pressionar os outros integrantes a incluir pedal steel na formação ao vivo, primeiro exigindo a contratação de JayDee Maness e depois de Sneaky Pete Kleinow. Ele também começou a exigir um salário maior e até tentou fazer “Sweetheart of the Rodeo” ser creditado como Gram Parsons & The Byrds.

Problemas legais — na forma de Lee Hazlewood ameaçando embargar o lançamento do disco porque Parsons ainda estava sob contrato com sua gravadora — fizeram Roger McGuinn regravar grande parte dos vocais do músico. Isso gerou muita insatisfação.

Em entrevista para o livro “The Byrds: Timeless Flight Revisited”, escrito por Jim Rogan, McGuinn falou sobre a treta:

“Havia uma preocupação real que seríamos processados se mantivéssemos os vocais de Gram no disco. Então colocamos os meus no lugar e a disputa sumiu. Foi um mal-entendido, basicamente. Eu não teria envolvimento algum se coubesse ao Gram. Ele estava tomando o controle da banda, então a gente não podia deixar isso acontecer.”

Os problemas foram resolvidos a tempo da banda se apresentar no Royal Albert Hall em julho de 1968. Na ocasião Parsons conheceu uma pessoa que viria a ser um de seus melhores amigos: Keith Richards.

Os Byrds estavam marcados para fazer uma turnê pela África do Sul após a Inglaterra, mas Gram Parsons deixou o grupo, citando uma postura anti-apartheid que McGuinn e Hillman duvidaram. Para eles, Parsons queria ficar em Londres festejando com os Rolling Stones.

Em entrevista de 1970 à Melody Maker, Gram refletiu sobre seu tempo no The Byrds:

“Fazer parte dos Byrds me confundiu um pouco. Eu não tinha voz suficiente. Eu não era um dos Byrds, pra dizer a verdade. Eu fui contratado porque eles queriam um tecladista. Mas eu tinha experiência sendo frontman e isso surgiu imediatamente. E [Roger McGuinn] sendo um cara perceptivo, ele viu isso e como ajudaria a banda, e começou a me colocar na frente.”

“Sweetheart of the Rodeo” saiu dia 30 de agosto de 1968, com Gram Parsons já fora dos Byrds, planejando seu próximo projeto, The Flying Burrito Brothers. Enquanto isso, Hillman e McGuinn precisaram arcar com a reação ao disco sozinhos.

O disco chegou apenas à 77ª posição da Billboard, a pior marca da carreira da banda até então. A contracultura que havia apoiado os Byrds até então se sentiu traída com a aparente guinada conservadora. Enquanto isso, o público country não reconheceu a música como genuína. Falando à People, McGuinn descreveu a reação:

“Acho que foi um mal-entendido, com o público country achando que éramos invasores hippies, e o público rock achando que tínhamos virado a casaca. [Depois que saiu] eu fui numa estação de country em LA, e eles tinham um corredor longo com um quadro de avisos no final. O ‘Sweetheart’ estava preso no quadro. Eu pensei: ‘Legal, estão tocando’. No que cheguei mais perto, vi que estava escrito: ‘Não toque, isso não é country.’”

Apesar dessa reação do público, “Sweetheart of the Rodeo” hoje em dia é visto como um marco. Ajudou a popularizar o country no rock e vice-versa, especialmente prevendo o surgimento do movimento outlaw dos anos 1970.

Chris Hillman logo deixou os Byrds para se juntar a Gram Parsons no Flying Burrito Brothers, onde os dois continuaram a ser pioneiros nesse novo estilo. Gram deixou esse outro grupo em 1970, consumido por um estilo de vida hedonista ao lado de Keith Richards. Ele ainda lançou dois discos solo antes de morrer aos 26 anos, em 1973.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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