A caótica história do filme live-action de “Street Fighter”

Do vício de Jean-Claude Van Damme em cocaína ao câncer de Raul Julia, obra baseada na franquia de games teve uma produção complicada

“Street Fighter” está entre os jogos de luta mais populares entre os gamers de plantão. Tanto que em 1994, também ganhou sua versão em filme live-action, impulsionada pelo sucesso do clássico “Street Fighter II” – mas que, assim como outras adaptações cinematográficas de jogos, foi avaliada como ruim.

Com Jean-Claude Van Damme no papel do herói Guile e Raul Julia como o vilão Bison, o longa seguiu uma famosa receita para qualquer filme não dar certo: teve uma produção cheia de contratempos dos mais diversos tipos.

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A seguir, vamos te contar a história do filme live-action de “Street Fighter” e todos esses problemas que afetaram sua produção.

Capcom bancou “Street Fighter” nos cinemas

Em 1993, a Capcom, criadora e desenvolvedora de “Street Fighter”, decidiu que queria levar sua popular franquia para os cinemas. Em uma decisão pouco comum para filmes baseados em videogames, a própria empresa japonesa decidiu custear a obra sem a ajuda de algum estúdio ou produtora de renome.

Assim, executivos foram enviados para Hollywood com o intuito de fazer a ideia ganhar vida. O produtor Ed Pressman descobriu o projeto e por ver bastante potencial nele, topou ajudar. Como observado pela Variety, ele logo procurou Steven de Souza, que foi roteirista de “Duro de Matar”, e o convidou para participar.

Em entrevista ao The Guardian, de Souza lembrou de como tudo aconteceu muito rápido.

“Ed e outro produtor me procuraram e disseram: ‘a Capcom está bancando, você consegue vir com algo pronto para o filme? Eles chegarão aqui depois de amanhã’. Eu disse: ‘sim, estou bem familiarizado (com Street Fighter) – meu filho perdeu o primeiro ano da faculdade naquela máquina (em menção ao arcade da franquia)’. Disse que conseguiria fazer algo, mas que queria ser o diretor.”

Desta forma, de Souza teve de virar a noite trabalhando para conseguir apresentar um roteiro do filme já pronto para os executivos da Capcom. Ele preferiu deixar de lado a temática de um torneio (comum nos jogos da franquia) e optou por uma aproximação no estilo “James Bond” – que, para sua surpresa, era justamente o que a Capcom queria. A ideia era explorar uma história mais rica, se passando em um país considerado exótico.

Com o roteiro devidamente aprovado e as distribuidoras do filme escolhidas pela Capcom (Universal para o mercado americano e a Columbia para o resto do mundo), chegou a hora de tirar o live-action de “Street Fighter” do papel. No entanto, foi a partir daí que muitos contratempos surgiram.

Orçamento enxuto e agenda apertada

O primeiro problema de produção enfrentado por “Street Fighter” foi culpa da própria Capcom: a desenvolvedora liberou “apenas” US$ 35 milhões de orçamento para o filme. De Souza ainda decidiu gastar parte do dinheiro para que o elenco pudesse treinar artes marciais com o coreógrafo Benny Urquidez por algumas semanas.

Além disso, a Capcom queria Jean-Claude Van Damme para protagonizar o filme e o astro aceitou o convite. Contudo, nem seria preciso lembrar que o ator era muito requisitado na época. Assim, ele recebeu US$ 8 milhões de salário (em torno de 23% de todo o orçamento).

Para piorar, a produção procurou outro ator de renome para viver o vilão Bison: Raul Julia, que aceitou o convite rapidamente pelo simples fato de seus filhos serem fãs de “Street Fighter”. E assim como Jean-Claude Van Damme, seu salário consumiu outra parte do orçamento. 

De Souza explicou que por conta disso, a produção não teve outra escolha a não ser escalar atores novatos e/ou desconhecidos para os demais papéis do live-action. É por isso que quase ninguém conhecia os demais nomes do filme na época.

Jean-Claude Van Damme como Guile (foto: Allstar / MCA / Universal)

Outro problema teve relação com a apertada agenda de gravações: a Capcom solicitou que ele fosse filmado em apenas 10 semanas – e os trabalhos aconteceram em dois países distintos, Austrália e Tailândia. O motivo é que a desenvolvedora queria ver o filme nos cinemas até dezembro de 1994 e pediu para acelerar o processo.

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Elenco de “Street Fighter” também não ajudou

A produção também teve de lidar com alguns pequenos problemas com seu elenco. De início, o sindicato de atores da Austrália só deixou “Street Fighter” ser gravado por lá se um ator ou atriz nativo do país fosse escalado para o longa.

Na época do pedido, o único papel que ainda estava em aberto era o da personagem Cammy. De Souza, então, escolheu a cantora Kylie Minogue – que, caso você não saiba, é australiana – para interpretá-la após ver a foto da artista em uma lista das pessoas mais bonitas do mundo feita por uma revista.

Kylie Minogue como Cammy (foto: reprodução / Twitter)

Outro contratempo envolveu Ryu, talvez o personagem mais querido da franquia. De Souza escolheu o ator Byron Mann, de descendência chinesa, para o papel. Porém, a Capcom queria o japonês Kenya Sawada, com quem tinha contrato, para viver o herói – o que gerou um pequeno atrito entre as partes.

Sawada mal falava inglês, o que fez a escolha do diretor prevalecer. No fim das contas, o ator japonês foi escalado para viver o Capitão Sawada, personagem criado apenas para o filme.

O próprio Jean-Claude Van Damme, que talvez vivia o ponto mais alto de sua carreira, também causou dor de cabeça. De Souza revelou que o intérprete de Guile muitas vezes aparecia para gravar sob efeito de cocaína – ou sequer dava as caras para filmar por conta disso.

O assistente de produção Keith Heygate também confirmou que foi difícil lidar com o ator. Roshan Seth, intérprete de Dhalsim, relembrou em entrevista ao The Guardian de um episódio para ilustrar o problema:

“Ele (Van Damme) ficou em uma suíte presidencial no hotel, que tinha uma academia. Às vezes, ele não aparecia no set; nos dizia ‘eu preciso malhar meus músculos!’ e ficava por isso.”

Jean-Claude Van Damme como Guile (foto: reprodução / Twitter)

Câncer de Raul Julia e problemas na Tailândia

Já deu pra ver que a produção de “Street Fighter” não foi nada tranquila. E não parou por aí.

Na época, Raul Julia não estava nada bem de saúde. A produção não sabia que o ator estava lutando contra um câncer no estômago – que o ator escondeu por anos e tirou sua vida dois meses antes da estreia do filme. Tanto que sua aparência, ao chegar para iniciar as filmagens, assustou a todos.

Raul Julia como M. Bison (foto: reprodução / YouTube)

De Souza afirmou ao The Guardian que foi preciso mudar vários planos por conta da saúde de Julia.

“Recebi uma ligação de nossa figurinista. Ela havia se encontrado um dia antes com o Raul e disse: ‘temos um problema. Ele está pálido, parecendo um esqueleto’. Já pensamos: ‘Meu deus, o que vamos fazer? Não podemos fazê-lo gravar assim’. Tivemos de jogar todas as cenas do Raul para o final do filme pra ele ganhar peso e passamos outras coisas na frente. Tivemos de colocar pessoas em frente à câmera que, virtualmente, não haviam praticado suas cenas de luta.”

As gravações na Tailândia também foram um verdadeiro desafio. Byron Mann lembrou ao mesmo veículo que o clima do país asiático não ajudou em nada.

“Fazia um calor extremo e umidade extrema. Nós deveríamos estar parecendo fortes, mas só perdíamos peso. Se você ver o filme de novo, perceberá que estávamos maiores nas cenas gravadas na Austrália. Por lá, o clima estava ok e a comida era boa.”

Também ao The Guardian, Keith Heygate ainda contou que a situação política do país também complicou as coisas para a produção.

“Havia conversas de um possível golpe de estado, então o exército fechou muitas estradas. Tivemos de levar o elenco, a equipe e os equipamentos para vários lugares, então viajamos em barcos por canais durante a madrugada. Foi assim por uns 10 dias e esses barcos espirravam muita água. Então, quando chegamos aos locais de gravação, estávamos todos encharcados. O Van Damme odiou aquilo.”

Até mesmo as gravações feitas em alguns locais fechados foram complicadas por um simples motivo – era época de chuvas no país. Segundo de Souza, o barulho causado por elas era “impressionante”.

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Esses contratempos na Tailândia atrasaram a programação. Após ser cobrado pelo atraso, de Souza não pensou duas vezes e simplesmente rasgou uma das páginas do roteiro para ganhar tempo. Só que isso complicou as coisas para o elenco, que muitas vezes, não tinham noção do que estavam gravando. Foi o que relatou Roshan Seth.

“Eu não conhecia o personagem (Dhalsim), eu não conhecia o game e eu não sabia o que diabos eu estava fazendo.”

Ao centro: Roshan Seth como Dhalsim (foto: reprodução / IMDb)

Inúmeros cortes na pós-produção

“Street Fighter”, apesar dos pesares, conseguiu concluir suas gravações a tempo. Mas como se não bastassem todos os contratempos citados acima, mais alguns surgiram durante a pós-produção.

Primeiro, Steven de Souza não gostou de algumas das cenas de luta por considerá-las chatas e sem graça. Assim, convocou o elenco novamente para regravações no Canadá, o que levou alguns dias.

Além disso, de Souza, que concebeu o filme para poder ser liberado a adolescentes (e tinha certeza de que havia conseguido fazer isso), descobriu que “Street Fighter” havia recebido o selo apenas para adultos. 

Ming-Na Wen e Kylie Minogue como Chun-Li e Cammy, respectivamente (foto: reprodução / Facebook)

Assim, o diretor não teve outra escolha a não ser remover inúmeras cenas – até chegar ao ponto em que o oposto aconteceu. 

“Nós tiramos várias cenas em que tinha sangue, enviamos novamente para avaliação e ainda continuou para adultos. Então, começamos a remover cenas em que tinham impacto. Fui cortando, cortando, cortando e cortando até que deram o selo para todas as idades. Isso seria um beijo da morte – nenhum adolescente queria ver um filme de luta para todas as idades! Foi aí que procurei o Jean-Claude em um dia de regravações e incluí para ele a fala: ‘quatro anos treinando no exército para esta m*rda’. Isso fez a classificação subir para adolescentes, deixando de estar livre para todas as idades.”

Fracasso de crítica que fez sucesso

“Street Fighter” fez sua estreia nos cinemas em 23 de dezembro de 1994. Tantos problemas de produção só podiam resultar em uma coisa: o filme não foi bem recebido pela crítica e o público. Sua aprovação no Rotten Tomatoes é de apenas 11%. 

Apesar disso, o longa não passou vergonha em bilheteria: arrecadou US$ 99,4 milhões, o que pode parecer pouco, mas cobriu tranquilamente seus custos, mantidos nos já citados US$ 35 milhões, e ainda gerou um bom lucro. E, convenhamos, podemos dizer que o filme ficou “bom” se comparado com “Street Fighter: A Lenda de Chun-Li”, lançado em 2009 e considerado ainda pior que seu antecessor.

Mesmo assim, Steven de Souza não parece se importar muito com o resultado final do filme. Pelo contrário: aparenta ter orgulho dele.

“Jean-Claude fez dois filmes que arrecadaram na faixa dos US$ 100 milhões: ‘Timecop’ e esse. Foi extremamente lucrativo para o estúdio, então foi bom para todo mundo. As pessoas dizem que é tão estúpido que é divertido, mas já sabíamos que era divertido. Como você pode ir ver um filme e achar que ele é divertido por acidente?”

Não deve demorar muito para vermos “Street Fighter” novamente nos cinemas: recentemente, foi anunciado que a produtora Legendary comprou os direitos da franquia para os cinemas e deve desenvolver um novo filme com auxílio da Capcom. A possibilidade de uma série de TV sair do papel também existe.

Os fãs, agora, torcem apenas para que a nova adaptação não passe pelos mesmos problemas e ganhe um tratamento mais adequado.

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Augusto Ikeda
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Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atua no mercado desde 2013 e já realizou trabalhos como assessor de imprensa, redator, repórter web e analista de marketing. É fã de esportes, tecnologia, música e cultura pop, mas sempre aberto a adquirir qualquer tipo de conhecimento.

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