Em maio de 1988, o cenário do hard rock dos Estados Unidos deveria ter sido sacudido pelo lançamento do segundo álbum do Vinnie Vincent Invasion.
Não foi.
Embora combine técnica excepcional, dinamismo e seja dotado de inegável apelo comercial, “All Systems Go” foi fruto de um período marcado por conflitos internos e sucumbiu a más decisões. Não à toa, o grupo se desfez logo após uma breve temporada de shows.
O pior entre os melhores e uma tentativa de golpe
Quando Vinnie Vincent foi chutado do Kiss ao término da turnê de “Lick It Up” em março de 1984, seu nome estava em alta. A Chrysalis Records rapidamente ofereceu a sua nova banda, Vinnie Vincent Invasion (VVI), um contrato de oito álbuns no valor de US$ 4 milhões. O guitarrista foi rápido em recrutar o baterista Bobby Rock, o baixista Dana Strum e o vocalista Robert Fleischman, ex-Journey, logo substituído pelo novato Mark Slaughter.
Apesar da loucura que foi a gravação — Vincent, em quatro ocasiões distintas, fez Rock regravar inteiramente suas partes —, o álbum de estreia homônimo, lançado em 1986, vendeu de forma satisfatória e ganhou lugar na lista de melhores do ano da revista Kerrang!. Nos anos que se seguiram, o disco cujo carro-chefe é a abertura “Boyz Are Gonna Rock” se tornou uma espécie de clássico cult do hair metal e a mesma Kerrang! tratou de incluí-lo em sua lista dos 100 melhores álbuns de heavy metal de todos os tempos — na centésima posição.
Depois de lançar o álbum, o VVI abriu shows de Alice Cooper e Iron Maiden, bem como embarcou em uma pequena turnê como headliner. Mas os conflitos logo viriam à tona. Os companheiros de banda de Vinnie sentiram que o exibicionismo do guitarrista em solos intermináveis prejudicava as apresentações. Eles sugeriram a contratação de um empresário ou de alguém que pudesse frear Vincent, que encarou isso como uma tentativa de golpe. A partir daí, as coisas nunca mais foram as mesmas no front.
Apesar dos relacionamentos terem se deteriorado, o Vinnie Vincent Invasion lançaria em 1988 seu segundo álbum, “All Systems Go”, e embarcaria em mais uma turnê — que seria a última.
“Terminamos nossa parte e demos o fora”
Ao retornar do giro de 78 datas do primeiro disco, Vinnie Vincent começou a demos de músicas para um novo álbum em casa, usando um gravador portátil de doze canais. Antes que a banda iniciasse a pré-produção em estúdio, ele pediu a Mark Slaughter que fosse até Northridge, onde morava, e pusesse vocais nessas demos.
Segundo Bobby Rock na autobiografia “The Boy is Gonna Rock” (Zen Man Publishing, 2018) — ainda a mais completa fonte de informações acerca da história do VVI —, as faixas que os dois gravaram “eram absolutamente monstruosas”:
“Nunca vou esquecer o Mark aparecendo com uma fita cassete contendo algumas dessas demos. Mais uma vez, Vinnie mostrou que era um compositor de primeira, apresentando um misto de canções radiofônicas com hinos de arena, e Mark cantou fenomenalmente nessas faixas.”
Passadas uma ou duas semanas, a banda voltaria para o Baby-O Studios na Sunset Strip, onde havia gravado seu disco de estreia. Temeroso por talvez ter de, por exigência de Vinnie, gravar um milhão de tomadas de bateria, Bobby sentiu-se “de volta à cena do crime”. Mas desta vez, algumas decisões logísticas fariam cair por terra a perspectiva de qualquer loucura recorrente de Vincent.
Em “All Systems Go”, o baixo e a bateria seriam gravados juntos, em uma tentativa de capturar a cozinha com uma pegada mais “ao vivo”. Isso deu um tom totalmente diferente para as sessões, como lembra Rock:
“A experiência de gravação não poderia ter sido mais diferente do que no nosso primeiro disco. Dana e eu tocávamos junto com as guias de guitarra e habilidosamente cravamos [as músicas] em duas ou três tomadas. Escolhíamos a melhor tomada baseados principalmente na vibe, e então faríamos qualquer conserto necessário e o engenheiro [de som] Mikey Davis cuidaria do resto. Pronto. Feito. Próxima música. Conforme planejado, terminamos nossa parte em três ou quatro dias, e então demos o fora.”
O elefante na sala
Com bateria e baixo gravados, o VVI migrou para o Cherokee Studios, que se tornaria sua base de operações pelos meses seguintes para as gravações dos vocais e das guitarras — ou, como escreve Bobby Rock, “o elefante na sala do qual ninguém estava falando abertamente sobre”.
“Todo mundo estava sofrendo por antecipação em relação aos solos de guitarra que o Vinnie logo estaria gravando. Seriam uma ‘fritação’ desenfreada, como muitos no primeiro disco?”
Uma tarde, Bobby, Dana Strum e Mark Slaughter estavam no lounge do Cherokee enquanto Vinnie Vincent terminava suas guitarras base quando começaram a falar sobre os solos. Rock de alguma forma se sentiu compelido a repassar a Vincent a sua opinião e a dos colegas em relação a isso. Infeliz na escolha das palavras, o baterista surpreendeu seu patrão e guitarrista com algo como “sua forma de tocar às vezes é cansativa”.
Vinnie, obviamente, ficou ofendido com o que acabara de ouvir. Bobby imediatamente sentiu que havia passado dos limites, mas não havia como voltar atrás. O clima entre os dois permaneceu pesado até o primeiro solo que Vincent gravou, para a música “Heavy Pettin’”, na semana seguinte. Rock pirou:
“Foi um solo épico. Eu estava deslumbrado. ‘Seu filho da mãe! Isso ficou muito f#da!’, eu disse. E então, com muita sinceridade, Vinnie respondeu algo como: ‘Legal. Pensei que você não gostava mais do meu jeito de tocar’, e me senti um tremendo pelo que havia dito na semana anterior. Tenho certeza de que nunca nos recuperamos totalmente do meu comentário impensado.”
Maldito seja, Kingdom Come
O repertório de “All Systems Go” apresentaria algumas das melhores performances individuais e coletivas do VVI, a começar por “Ashes to Ashes”, cujo riff principal era uma tentativa de emular o de “Immigrant Song” do Led Zeppelin da mesma forma que “No Substitute”, de “Vinnie Vincent Invasion”, clonara o refrão e o andamento de “Photograph”, hit do Def Leppard.
Antes de entrar no riff, porém, “Ashes to Ashes” pega emprestado um pedacinho do refrão da música “Memories of You”, do guitarrista japonês Kuni, tocado ao contrário. A música, apresentada no disco “Lookin’ for Action”, lançado em março de 1988, conta com backing vocals de Mark Slaughter.
Procurando capitalizar em cima da tendência de “ode ao Led Zeppelin”, “Ashes to Ashes” foi escolhida como primeiro single. Haveria um grande investimento em jabá para emplacá-la no rádio e um videoclipe seria filmado. Mas depois que o Kingdom Come — talvez a banda dos anos 1980 que mais imitasse o Zeppelin — explodiu com a música “Get It On”, toda a campanha de “All Systems Go” seria revista. Em vez de “Ashes to Ashes”, o primeiro single e videoclipe seria “That Time of Year”.
Por mais que fosse uma boa música, “That Time of Year”, uma semibalada AOR, não representou o álbum da maneira que “Ashes to Ashes” o faria. Seu clipe foi dirigido pela estrela em ascensão Nigel Dick, que havia dirigido “Welcome to the Jungle”, do Guns N’ Roses, e se tornaria o nome por trás de grandes vídeos de pop e rock nos anos seguintes, de “Baby One More Time”, da cantora Britney Spears a “Far Away”, do grupo Nickelback.
As diferentes versões de “Love Kills”
O segundo single e videoclipe de “All Systems Go” acabaria se tornando a faixa mais famosa do álbum. Originalmente inclusa na trilha sonora do filme “A Nightmare on Elm Street 4: The Dream Master” (no Brasil, “A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos”), “Love Kills” traz em seu clipe cenas do longa e Vinnie vestindo as roupas do personagem principal da franquia, Freddy Krueger.
Um detalhe interessante acerca da música é ela existir em várias versões:
- A versão original, presente no LP e nas prensagens em CD da Chrysalis, com 5:33 de duração;
- A versão do single, na qual o solo de guitarra, o segundo refrão e dois versos foram limados, com 3:41;
- A versão inclusa no CD remasterizado de 2003 pela Capitol Records — também a versão disponível nas plataformas de streaming —, com solo de guitarra encurtado e quatro versos suprimidos, com 4:36.
“O solo fez mais gente bocejar do que aplaudir”
“All Systems Go” foi lançado em 17 de maio de 1988 com uma festa em Los Angeles, que contou com a presença de fãs e colegas da banda. Uma quantidade obscena de cópias promocionais foi enviada para a mídia. Esperava-se que o álbum deslanchasse mais rápido do que o seu antecessor, mas o máximo que conseguiu foi chegar ao número 64 na Billboard 200.
A turnê teve início em 6 de julho, com uma apresentação no festival Summerfest, em Milwaukee. Seria o primeiro dos 33 shows do breve giro, restrito aos Estados Unidos e ao Canadá.
No dia 26 de agosto, o Los Angeles Times publicou uma resenha detonando o show realizado pelo VVI dois dias antes, no The Palace, com abertura das bandas Tuff e Brunette — esta trazendo o vocalista Johnny Gioeli (Hardline, Axel Rudi Pell) em começo de carreira.
Segundo a jornalista Janiss Garza — a saber, coautora da autobiografia de Lemmy, saudoso líder do Motörhead —, a casa com capacidade para 1,2 mil pessoas estava “dois terços lotada de fãs à espera de um pouco daquela velha chama do Kiss. Em vez disso, seu entusiasmo foi abafado por um show particularmente ruim”. Ela explica:
“Não houve uma música marcante no set de mais de 90 minutos do Vinnie Vincent Invasion. Frequentemente, uma banda sem melodias cativantes tenta compensar essa falha com uma apresentação visual de alto perfil. Não esses caras. A presença de palco medíocre do vocalista Mark Slaughter e seu estilo genérico de cantar não ajudaram (…) No meio do show, Vincent subiu ao palco para um solo interminavelmente longo que soou mais como exercícios de aquecimento do que uma demonstração impressionante de habilidade. Cha-to! O solo, como a maior parte do show, fez mais gente bocejar do que aplaudir.”
Curiosamente, no mesmo dia 26, o Vinnie Vincent Invasion subiria ao palco pela última vez, no Celebrity Theatre, em Anaheim, Califórnia.
O roubo de “Let Freedom Rock”
Durante uma entrevista com o Rock Pages da Grécia em julho de 2019, o baixista Rik Fox, que tocou com Steeler e W.A.S.P., acusou Dana Strum de roubar sua música “On the Run” que, com algumas pequenas mudanças, se tornou “Let Freedom Rock”, e foi lançada em “All Systems Go”. Fox disse que Strum estava produzindo a demo de sua então banda, SIN, quando ouviu “On the Run” pela primeira vez.
Não muito tempo depois, uma demo de “All Systems Go” contendo “Let Freedom Rock” foi entregue a Fox pela pessoa que estava fazendo assessoria de imprensa para ambas as bandas. O baixista conta que:
“Meu queixo caiu. Na maior quebra de confiança, nosso produtor, Dana Strum, literalmente entregou ‘On the Run’ para Vincent, e com algumas pequenas alterações aqui e ali, e mudanças na letra, copiou nota por nota a minha música.”
Fox confrontou Mark Slaughter e Bobby Rock pessoalmente num NAMM Show a fim de saber como e por que isso foi permitido.
“Eles basicamente me disseram que Dana os obrigou a fazer isso e que não tiveram como dizer ‘não’. Eu disse ao Mark: ‘Mas você sabia que era a minha música, você fez os backing vocals na demo do SIN!’”
Fox ameaçou processar Strum, Vincent e a Chrysalis Records. Ao menor sinal de pânico da gravadora, Strum rebateu com a promessa de “me arrancar até o último centavo para eu deixar de ser um idiota”. No fim das contas, segundo Fox, o carma falou mais alto.
“Aquele álbum do Vinnie Vincent foi um fiasco, a ponto de ele enlouquecer e ser expulso de sua própria banda. Esse foi o começo da espiral descendente que continua para ele [Vincent] até hoje.”
Expulso da própria banda? Acho que não
Os rumores de que Vinnie Vincent foi expulso de sua própria banda não têm absolutamente nenhuma base de fato. No final de 1988, o guitarrista se recusou a estender a opção contratual da Chrysalis para um terceiro disco do Invasion, quando a gravadora, acidentalmente, estourou o prazo de renovação do contrato assinado com Vincent. Era de setembro de 1989.
Como o contrato tinha uma cláusula de saída e opção sobre os funcionários assalariados que Vincent denominava “companheiros de banda”, tentando capitalizar em cima da fama obtida pelo VVI, a Chrysalis optou por manter contratados dois desses funcionários: Dana Strum e Mark Slaughter.
Foi questão de tempo até que a dupla, atuando como Slaughter, vendesse mais de dois milhões de cópias de seu álbum de estreia, “Stick It to Ya”, lançado em 23 de janeiro de 1990, no encalço dos bem-sucedidos singles “Up All Night” e “Fly to the Angels”.
Livre pra poder sorrir, Bobby Rock manteve-se ativo pulando de banda em outra, incluindo Nitro — do virtuoso guitarrista Michael Angelo Batio —, Nelson — cujo debut “After the Rain” (1990) vendeu números parecidos ao do Slaughter — e Skull, essa última com outro agregado da família Kiss, o guitarrista Bob Kulick.
“‘All Systems Go’? Nunca sequer ouvi”
Em meados dos anos 1990, na sequência de parcas aparições públicas, Vinnie Vincent tentou emplacar novas músicas. Por seu selo Metaluna Records, chegou a lançar o EP “Euphoria” (1996). Anunciado como um aperitivo para o que seria o álbum “Guitarmageddon”, que ficou só na promessa, ele trouxe de volta o vocalista Robert Fleischman.
Quando perguntado pelo podcaster Metal Mike em 2020 sobre o que achava de “All Systems Go”, Fleischman foi categórico:
“Nunca sequer ouvi.”
Vinnie Vincent Invasion — “All Systems Go”
- Lançado em 17 de maio de 1988 pela Capitol / Chrysalis
- Produzido por Vinnie Vincent e Dana Strum
Faixas:
- Ashes to Ashes
- Dirty Rhythm
- Love Kills
- Naughty Naughty
- Burn
- Let Freedom Rock
- That Time of Year
- Heavy Pettin
- Ecstasy
- Deeper and Deeper
- Breakout
Faixas bônus da edição em CD:
- The Meltdown (instrumental)
- ‘Ya Know’—(I’m Pretty Shot) (instrumental)
Músicos:
- Mark Slaughter (vocais)
- Vinnie Vincent (guitarra, violão)
- Dana Strum (baixo)
- Bobby Rock (bateria)
Músico adicional:
- Jeff Scott Soto (backing vocals)
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