Estupro de homens, necrofilia, BDSM. Tudo que poderia, e certamente nos anos 1970 deveria, ser rejeitado compõe a receita vitoriosa de “Billion Dollar Babies”, sexto álbum de estúdio do Alice Cooper — à época, um grupo homônimo a seu vocalista —, lançado em 8 de fevereiro de 1973.
Produzido por Bob Ezrin, o trabalho veio no encalço do campeão de vendas “School’s Out” (1972), acabou liderando as paradas em ambos os lados do Atlântico e impulsionou o nome para além da esfera jovem transviada na qual era objeto de culto.
Novidades no front
Cooper e sua banda — os guitarristas Glen Buxton e Michael Bruce, o baixista Dennis Dunaway e o baterista Neal Smith — alugaram uma mansão em Greenwich, Connecticut, para gravar o grosso do álbum, mas uma pancreatite causada por consumo abusivo de álcool tiraria Buxton de cena logo no comecinho das sessões.
Sem tempo a perder e considerando toda a expectativa criada ao redor do disco, Ezrin deu alguns telefonemas e encontrou na figura de alguns célebres músicos de estúdio a solução para seus problemas. A Dave Thompson, autor da biografia “Bem-vindo ao meu pesadelo” (Madras, 2013), ele revela:
“Steve Hunter tocou bastante em ‘Billion Dollar Babies’. Ele é meu guitarrista preferido e, se você o ouvisse, não havia mais ninguém que pudesse tocar ‘Generation Landslide’ tão bem ou aquele solo em ‘Sick Things’ além de Hunter.”
Hunter não foi o único guitarrista incluído na formação. Ezrin trouxe também Dick Wagner, outrora líder das bandas Frost e Ursa Major e que havia tocado em “My Stars”, de “School’s Out”. Segundo o produtor, ele e Wagner foram os responsáveis pela que seria a música mais dramática de “Billion Dollar Babies”, “I Love the Dead”.
Abaixo a caretice da América
Atribuiu-se a “I Love the Dead” a alcunha de “dramática”, mas, a bem da verdade, dramaticidade é apenas um dos aspectos que agrupam todas as dez faixas do disco sob um mesmo teto.
Se em “School’s Out” a ideia era fazer um “Amor, Sublime Amor” às avessas, “Billion Dollar Babies” tem por missão estarrecer, chocar e dar aos jovens estadunidenses — sobretudo aqueles que, como Cooper, vêm de famílias cristãs e conservadoras — munição para disparar contra a caretice de seus pais.
O fio condutor da escrita, que se desenrola a partir da faixa-título, são as perversões a que os seres humanos se doam e se sujeitam quando em posição de privilégio; econômico acima de tudo. Com as posses vêm os interesses escusos em práticas nada ortodoxas que resultam em situações ditadas por um absurdo que chega a ser cômico de tão caricato.
Em entrevista ao site da Gibson, Cooper conta que ser capaz de misturar comicidade e drama sempre foi seu foco:
“Desde o começo eu quis escrever histórias de três minutos que fossem engraçadas, ou talvez não apenas engraçadas, mas também dramáticas. A ideia era compactar tudo em três minutos, o que é bem difícil de fazer.”
Apesar de a carta de assuntos de “Billion Dollar Babies” conter desde estupro de homens na, por incrível que pareça, divertida “Raped and Freezin’” até a necrofilia da supracitada e derradeira “I Love the Dead”, Cooper, no mesmo bate-papo, surpreende ao revelar sua maior fonte de inspiração enquanto autor:
“Chuck Berry era o meu letrista favorito. Quando ouvi ‘Nadine’ ou ‘Maybelline’ pela primeira vez, entendi que essas canções contavam uma história. À medida que as letras avançavam, você realmente tinha uma ideia do que estava acontecendo. Ele pegou a garota; ele não conseguia tirar o cinto de segurança — coisas assim.”
Você votaria em Alice Cooper?
Alguns meses antes da eleição presidencial dos Estados Unidos de 1972, o Alice Cooper lançou a primeira prévia do então vindouro “Billion Dollar Babies”. “Elected” nada mais era do que “Reflected”, do álbum “Pretties for You” (1969), refeita com nova letra.
Juntamente com o lançamento do single, Cooper anunciou sua candidatura à presidência. Embora tenha recebido alguns votos, o vencedor do pleito foi Richard Nixon. Mas ele não se daria por vencido: a cada ano eleitoral, ressuscitaria “Elected” e se lançaria como candidato.
Em 2016, a brincadeira foi um pouco além e incluiu o slogan de campanha “A troubled man for troubled times” (“Um homem problemático para tempos problemáticos”) e o site votealicecooper.com (atualmente fora do ar). Entre as promessas de Cooper estavam incluir o rosto de Lemmy Kilmister no Monte Rushmore e proibir tirar selfies, exceto no que seria o Dia Nacional das Selfies.
Quando perguntado por Ian Fortnam se gostaria de fato de ser eleito, Cooper, que abomina política, foi categórico:
“[Ser eleito] seria um pesadelo. Odeio política, mas há algo sobre ficção social e fato social que acho fascinante. Não me importo com impostos ou toda essa porcaria, o que me preocupa, e que também preocupa o personagem Alice, são os extremismos e a violência nesta sociedade. Alice tem seus limites; sua violência é muito coreografada e sempre quem se dá mal é ele. Ele sempre recebe seu castigo, tem sua cabeça cortada e paga por seus pecados, mas depois volta com uma cartola branca e fraque e convidando para a festa.”
Enfim, o respeito
Quase que num piscar de olhos, “Billion Dollar Babies” tornou-se o disco de maior sucesso do Alice Cooper, vendendo mais de um milhão de cópias e liderando as paradas de álbuns nos Estados Unidos e no Reino Unido. Também entrou no top five na Austrália (#4), no Canadá (#2) e na Áustria (#4).
Embora Alice tenha bebido muito da grana que recebeu, foi sagaz o bastante para comprar uma casa em Los Angeles e investir nos apetrechos de palco pelos quais ficaria conhecido e muitos dos quais faz uso até hoje. Foi durante essa turnê, por exemplo, que a guilhotina fez sua estreia.
Afora todas as benesses resultantes de se ter um disco altamente rentável, para Alice, o maior mérito de “Billion Dollar Babies” é uma conquista imaterial, conforme relata ao autor Martin Popoff:
“De repente, o nome Alice Cooper passou a ser respeitado. Quando lançamos ‘Billion Dollar Babies’ na sequência de ‘School’s Out’, todos os outrora críticos se renderam: ‘Sabe de uma coisa? Este é o melhor álbum do ano.’ Até mesmo os músicos, que sempre diziam ‘Que mané Alice Cooper?!’ agora reconheciam: “Ei, esses caras são bons”. Isso para mim foi muito importante. Porque eu sabia que o show iria ofuscar a música. E quando as pessoas começaram a realmente gostar da música, foi o pulo do gato. E quando caras como John Lennon dizem que ‘Elected’ era sua música favorita, isso é ótimo. Esse é o tipo de reconhecimento que você sempre quis.”
Alice Cooper – “Billion Dollar Babies”
- Hello Hooray
- Raped and Freezin’
- Elected
- Billion Dollar Babies
- Unfinished Sweet
- No More Mr. Nice Guy
- Generation Landslide
- Sick Things
- Mary Ann
- I Love the Dead
Músicos:
- Alice Cooper (vocal, gaita)
- Glen Buxton (guitarra)
- Michael Bruce (guitarra, teclados, backing vocals)
- Dennis Dunaway (baixo, backing vocals)
- Neal Smith (bateria, backing vocals)
Músicos adicionais:
- Donovan (vocal na faixa 4)
- Steve “The Deacon” Hunter (solos de guitarra nas faixas 2, 4, 7 e 8; pedal steel na faixa 1)
- Mick Mashbir (guitarra)
- Dick Wagner (guitarra)
- Bob Dolin (teclados)
- Bob Ezrin (teclados)
- Allan Macmillan (piano na faixa 9)
- David Libert (backing vocals)
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