Primavera na Cidade oferece “esquenta lado B” recheado de hardcore e metal

Molho Negro, Black Pantera, Crypta, Ratos de Porão e Dead Fish agitaram evento complementar ao Primavera Sound na Audio, em São Paulo

A Audio, em São Paulo, sediou na última quinta-feira (3) a edição roqueira do Primavera na Cidade. Trata-se de uma série de shows especiais com proposta de aquecer o público para o evento principal, Primavera Sound São Paulo, marcado para este fim de semana no Distrito Anhembi.

O evento contou com as participações de Dead Fish e Ratos de Porão, dois dos principais nomes do hardcore nacional; além da Crypta, nova banda de death metal formada por duas ex-integrantes da Nervosa; Black Pantera, trio mineiro que tem conquistado destaque nos últimos anos; e o grupo paraense Molho Negro.

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Conhecida em sua versão original como Primavera en la Ciudad, a sessão de shows de aquecimento é uma marca registrada do Primavera Sound. Geralmente, os espetáculos acontecem em diferentes casas noturnas de Barcelona e reúnem grupos e artistas de variados segmentos musicais. A edição paulistana aconteceu entre 31 de outubro a 4 de novembro, nas casas Cine Joia, Audio e Palácio das Convenções do Anhembi, e contou com apresentações de mais de 30 nomes relevantes do cenário musical independente brasileiro, como Sidoka, BRVNKS, Valentine Luz, Jup do Bairro e Céu, entre outros.

Em seu dia reservado ao rock, não perdeu o caráter inclusivo ao trazer bandas formadas por mulheres, negros e fora do eixo Sul-Sudeste. A escolha por um espaço seguro para a realização também foi um acervo, já que todos puderam circular sem receio de repressões ou julgamentos. Que seja o primeiro de muitos.

*Fotos gentilmente cedidas por Fernando Yokota / Scream & Yell

Frio e Molho Negro

Nesta semana, uma frente fria incomum para um mês de novembro “atormentou” São Paulo. O clima desagradável certamente afastou os fãs, já que apenas profissionais de veículos de comunicação e uma parcela reduzida do público que sequer chegava a 20 pessoas entrou na casa noturna no horário de abertura oficial, às 20h.

A decoração escura da Audio foi alterada para oferecer aos visitantes uma experiência “full living” em relação ao Primavera Sound. As TVs de LED que comumente anunciam os preços de bebidas e snacks destacavam um wallpaper do festival, além de um drink com gin inédito da patrocinadora Beefeater, que foi elaborado exclusivamente para a festividade.

Nos bares, copos de plástico com a arte utilizada nas campanhas publicitárias do Primavera Sound foram distribuídos junto às cervejas. Já a área para fumantes foi decorada com um enorme logotipo da cerveja Beck’s, principal patrocinadora do evento. Além disso, representantes da marca de guloseimas Ice Breakers distribuíram caixinhas com balas de menta no corredor próximo à bilheteria da casa de espetáculos.

Pontualmente às 20h30, o Molho Negro subiu ao palco. Apesar da ainda pequena quantidade de pessoas na pista, o vocalista e guitarrista João Lemos pediu que os presentes se aproximassem da grade de proteção para aumentar a interação “artista x público”.

No último mês de setembro, o grupo lançou “Estranho”, seu quinto álbum de estúdio. Como esperado, as faixas do trabalho receberam maior destaque, inclusive na abertura com a dobradinha “Silêncio” e “Berrini”. Porém, para quebrar o gelo, veio “Souza Cruz” e os fãs cantaram a plenos pulmões o humorado e conhecido refrão: “E meu melhor amigo encontrou Jesus/Enquanto eu sigo dando lucro pra Souza Cruz”.

“Campo em Branco” voltou a representar o novo álbum, mas logo foram revisitadas antigas músicas marcadas por composições irônicas, niilistas e repletas de sarcasmo, a exemplo de “Contracheque”, “Contra” e “O Jeito de Errar”. O baixista Raony Pinheiro tentou animar o público se aproximando da beira do palco em diversos momentos, mas João Lemos, foi, indiscutivelmente, o grande protagonista da apresentação. Mesmo sem grandes diálogos, ele interagiu ao dançar, pular pelo palco e sair rodopiando com sua guitarra pelo cenário incontáveis vezes. Vê-lo ao vivo é uma experiência ímpar.

Quem nunca imaginou tocar junto com uma de suas bandas favoritas? No bloco final, enquanto executava “Rui Barbosa”, João surpreendeu novamente ao jogar sua guitarra para um fã que estava no meio do moshpit e o rapaz teve a chance de participar do grupo, mesmo que por um breve instante. Para finalizar os 45 minutos de caos generalizado, a escolhida foi “23”. Ao fim, João “engoliu” o microfone e fez urros surreais enquanto Raony “brincava” com seus pedais, apertando todos os botões possíveis de uma única vez. Como resultado, um som ensurdecedor.

Molho Negro é um dos nomes mais incríveis do cenário underground nacional. Seja se apresentando em um dos maiores clubes da cidade ou em uma casa improvisada para 30 pessoas, o trio sempre entrega shows raivosos, violentos e, ainda assim, divertidos. Uma daquelas bandas que todos deveriam assistir pelo menos uma vez na vida.

Repertório – Molho Negro

  1. Silêncio
  2. Berrini
  3. Souza Cruz
  4. Campo Em Branco
  5. Contracheque
  6. Contra
  7. O Jeito De Errar
  8. Não Nasceu Para Brilhar
  9. Não Me Faça Duvidar
  10. Rui Barbosa
  11. 23
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Black Pantera e a mensagem

Já com maior público dentro da casa, por volta das 21h45, foi a vez do Black Pantera subir ao palco. De cara, foi possível perceber a mensagem principal da banda: a conscientização e luta contra o racismo e a valorização da cultura negra. Os rapazes subiram ao palco sob o som de um cântico de uma religião de matriz africana, cumprimentaram o público e iniciaram o set com “Padrão é o car#lho”.

Com o público já ensandecido no moshpit, veio “Mosha” e “Godzilla”, que resultaram em algumas das maiores rodas punks de todo o evento. Na sequência, rolou uma homenagem à eterna Elza Soares com um cover pesado de “A Carne”. Outra surpresa foi a participação de Rodrigo Lima, cantor do Dead Fish, em “Dia do fogo”. Por sua vez, “Tacar o f#da-se” foi introduzida da seguinte forma pelo vocalista e guitarrista Charles Gama: “que se f#dam esses filhos da p#ta que estão fechando as estradas”.

Como no set do Molho Negro, o cenário não teve bandeiras ou exibições temáticas em telões de LED, contando apenas com a iluminação da casa. Porém, nenhuma parafernália foi necessária, já que a performance crua de Charles Gama, Chaene da Gama (baixo) e Rodrigo “Pancho” (bateria) foi mais do que suficiente para encher os olhos. O vocalista não parou em nenhum momento de balançar a cabeça freneticamente, e até chegou a descer ao público com sua guitarra. Pancho, mesmo atrás da bateria, tentou ganhar a atenção ao levantar de seu instrumento e exibir o máximo de força possível em blast beats e breakdowns.

No bloco final, o público teve a chance de se digladiar mais uma vez na porradaria com uma seleção de faixas que ajudaram o Black Pantera a se destacar no rock nacional: “Abre a roda e Senta o pé”, “Fogo nos racistas” e “Boto pra f#der”. Black Pantera merece o hype que anda recebendo: é uma banda extremamente profissional, capaz de realizar uma apresentação violenta e cheia de energia, porém, rica em conscientização cultural e racial. Um grupo extremamente necessário em tempos tenebrosos na qual vivemos, onde discursos racistas cada vez mais ganham força.

https://www.instagram.com/p/CkhTiQxI8kM/

Repertório parcial – Black Pantera

  1. Padrão é o Car#lho
  2. Mosha
  3. Godzila
  4. A Carne (cover de Elza Soares)
  5. Dia do fogo (participação de Rodrigo Lima)
  6. Taca o f#da-se
  7. Abre a Roda e Senta o Pé
  8. Fogo nos Racistas
  9. Boto pra f#der

Crypta e capricho na produção

Pela primeira vez, o cenário foi alterado na noite – agora, para o show da Crypta, para o qual foram usados velas, correntes e um pano de fundo. Após um breve intervalo para a conclusão do trabalho, Fernanda Lira (voz e baixo), Luana Dametto (bateria), Tainá Bergamaschi (guitarra) e Jéssica Di Falchi (guitarra) surgiram para apresentar as músicas de seu primeiro álbum de estúdio, “Echoes of the Soul”.

“Death Arcana” e “Possessed” deram o pontapé inicial da primeira e única apresentação death metal da noite. Em seguida, veio “Kali”, com a seguinte introdução por parte de Fernanda: “Essa vai para as mulheres, pois todas carregamos um pouco dela dentro de nós”.

Aqui, diferentemente do que se viu no show do Black Pantera, o público não se massacrou violentamente na roda. Apesar de um pequeno “empurra-empurra” no mosh, boa parte dos presentes preferiu acompanhar a execução de forma atenciosa, apenas entoando coros quando uma das integrantes se aproximava da beira do palco ou bangueando ao curtir os riffs microafinados.

O set da Crypta contou com a melhor produção da noite. Ao longo das músicas, a logo da banda mudou de cor diversas vezes. A decoração com velas e correntes deixaram o palco com um aspecto adequadamente tenebroso e as luzes causaram um espécie de efeito slow-motion enquanto as integrantes batiam cabeça.

Antes de iniciar “Starvation”, Fernanda comentou sobre a letra, que aborda as dificuldades que vivenciou durante a pandemia e o momento que o país passou sob a má gestão do governo de Jair Bolsonaro neste período. Ao anunciar a última música, “From the Ashes”, a plateia entoou coros em apoio ao presidente eleito, o que provocou a seguinte reação da frontwoman: “agora este é o momento para a gente reconstruir tudo das cinzas”.

A Crypta assumiu – e cumpriu de forma devida – a responsabilidade de representar o metal extremo no Primavera na Cidade. Além da produção impecável, a apresentação se destacou pela técnica e conexão com o público.

https://www.instagram.com/p/CkhbwcgN1vv/

Repertório – Crypta

  1. Death Arcana
  2. Possessed
  3. Kali
  4. Under The Black Wings
  5. Starvation
  6. Shadow Within
  7. Blood Stained Heritage
  8. Dark Night Of The Soul
  9. From The Ashes

Ratos de Porão, como sempre, feroz

Já havia passado da meia-noite quando Ratos de Porão subiu ao palco para iniciar a reta final de apresentações do “dia rock” do Primavera na Cidade. Com “Necropolítica” lançado recentemente, João Gordo (voz), Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria) apresentaram um set repleto de novidades, destacando as composições do disco que narram com precisão a vida em um Brasil devastado pela pandemia e por um governo ineficaz em sua gestão.

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A apresentação começou com as impactantes “Alerta Antifascista” e “Farsa Nacionalista”. Gordo comentou: “bolsonarismo é uma seita e essa gente burra sofreu lavagem cerebral e não é capaz de acordar nem com a verdade esfregada na cara”. Em seguida, veio “Amazônia Nunca Mais”, faixa lançada em 1989 no álbum “Brasil”, mas ainda atual dado o descaso com um dos maiores patrimônios naturais do planeta.

Com João gritando como um “bicho feroz” e seus companheiros tocando na velocidade da luz, o grupo punk que tem mais de 41 anos de carreira passou por toda sua discografia. Foi desde músicas clássicas de “Crucificados pelo Sistema”, primeiro álbum hardcore lançado na América do Sul, como “Caos”; passando por b-sides de discos menos populares como “Descanse em Paz” e “V.C.D.M.S.A”; até materiais de trabalhos mais recentes, a exemplo de “Conflito violento”, oriunda de “Século Sinistro” (2014) e “Aglomeração”, do último registro oficial.

Entre os intervalos, Gordo teceu comentários raivosos em relação aos eleitores de Bolsonaro. Jão se mostrou mais quieto e concentrado em seu instrumento, assim como Juninho, mas o baixista vestiu uma camiseta do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) que deixou claro seu posicionamento.

No último bloco, foi apresentada uma sessão com “Suposicollor”, “Aids, Pop, Repressão”, “Paranoia Nuclear” e “Crise Geral”. No entanto, antes de terminar a última música, Gordo saiu do palco mancando e apertando suas costas. Normalmente, o quarteto encerra seus shows com “Igreja Universal”, mas o aparente incômodo do vocalista impediu a conclusão do repertório originalmente programado.

Repertório – Ratos de Porão

  1. Alerta Antifascista
  2. Farsa Nacionalista
  3. Amazônia Nunca Mais
  4. Aglomeração
  5. Crocodila
  6. Beber Até Morrer
  7. Necropolítica
  8. Crucificados Pelo Sistema
  9. Descanse Em Paz
  10. V.C.D.M.S.A.
  11. Anarkophobia
  12. Guerrear / Políticos Em Nome Do Povo / Caos / Realidades da Guerra
  13. Conflito Violento
  14. Suposicollor
  15. Aids, Pop, Repressão
  16. Paranoia Nuclear
  17. Crise Geral

Dead Fish com o ótimo “mesmo de sempre”

O seguinte alerta de efeito do vocalista Rodrigo Lima deu início ao show final da noite, do Dead Fish, à 1h30 da madrugada: “Lembrando que todo rico é ladrão, a polícia deve acabar e que o Bozo vai pra cadeia”. Veio, então, a sempre presente fusão das faixas “A urgência” e “Tão Iguais”, do álbum “Zero e Um” (2004). Ainda seguindo com material do disco, “Queda Livre” completou o bloco com músicas do trabalho de maior sucesso do grupo.

A partir daí, o grupo variou seu repertório com músicas de lançamentos distintos, como “Asfalto”, do álbum “Contra Todos” (2009) e “Molotov”, oriunda de “Sonho Médio” (1998). O problema é que uma parcela significativa do público começou a deixar a casa. Antes de um terço do set, quase metade da pista já estava vazia, muito provavelmente devido ao horário em meio a um dia de semana – muitos dependem do sistema público de transporte.

Mesmo assim, os fãs “diehards” se divertiram bastante com circle pits e crowdsurfings. Um garoto mais animado até conseguiu até “furar” o bloqueio da grade de proteção, subiu no palco e se jogou na plateia, deixando sua carteira para trás. Ao notar o item perdido, Rodrigo brincou: “Se tu vier aqui mais uma vez, não vou devolver sua carteira e vou ficar com seu dinheiro”.

Para “fugir” um pouco dos clássicos, um quadro especial foi destinado a “Ponto Cego”, disco lançado em 2019 e primeiro com o baixista Igor Tsurumaki. As músicas “Sangue nas mãos”, “Não termina assim” e “Sombras da caverna” surgiram como as escolhidas. Em “Venceremos”, Rodrigo pediu um “circle pit anti-horário” e, em referência à vitória de Lula durante as últimas eleições presidenciais, afirmou: “Essa música é nossa trilha sonora, pois nós finalmente ganhamos”. Favoritas dos fãs como “Perfect Party” e “Proprietários do terceiro mundo” antecederam o bloco final, já por volta das 2h30, com as principais canções do grupo: “Afasia”, “Sonho Médio” e “Bem-vindo ao Clube”.

O show do Dead Fish oferece o mesmo de sempre em vários sentidos: repertório, interação e até frases de efeito. Ainda assim, vale a pena assistir. Os fãs sabem disso. No último dia 23 de outubro, a banda fez um show gratuito no Tendal da Lapa com mais de 600 presentes. Muitos retornaram à apresentação no Primavera na Cidade, mesmo com um ingresso que custava quase um quarto de salário mínimo. Sinal de devoção.

https://www.instagram.com/p/Ckiz6GkIKLg/

Repertório – Dead Fish

  1. A urgência
  2. Tão iguais
  3. Queda livre
  4. Asfalto
  5. Não
  6. Molotov
  7. Zero e um
  8. Sangue nas mãos
  9. Não termina assim
  10. Sombras da caverna
  11. Mulheres negras
  12. Selfegofactóide
  13. MST
  14. Cara Violência
  15. Perfect Party
  16. Autonomia
  17. Você
  18. Venceremos
  19. Proprietários do terceiro mundo
  20. Afasia
  21. Sonho Médio
  22. Bem-vindo ao clube

*Fotos gentilmente cedidas por Fernando Yokota / Scream & Yell

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Guilherme Góes
Guilherme Góeshttp://www.igormiranda.com.br
Guilherme Góes, 27 anos, estudou jornalismo na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Apaixonado por música desde criança, participa do cenário musical independente paulistano desde 2009. Já passou pelos veículos Besouros.net e Hedflow.

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