Acertos e erros marcam volta do Rock in Rio com dia do metal; leia resenha

Edição 2022 do festival abre com atrações de peso e problemas no som; site cobrirá mais dois dias da próxima semana

E se a vida começasse agora e o mundo fosse nosso outra vez? A música-tema do Rock in Rio, original do Roupa Nova, pode soar um pouquinho brega em ocasiões variadas. Contudo, parecia encaixar-se perfeitamente no primeiro dia do festival em era pós-pandêmica – se é que dá para chamar de “pós” de verdade.

Desde o momento em que pisei na Cidade do Rock, tive a sensação de acompanhar um dia histórico para a trajetória de um evento que é conhecido por fazer história. Afinal de contas, em função da Covid-19, todos esperamos muito tempo para poder retornar àquele local com o mínimo de segurança.

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Entre tantos efeitos devastadores trazidos ao mundo, a pandemia simplesmente congelou toda a indústria do entretenimento. Isso, obviamente, incluiu a realização bienal do Rock in Rio, cuja edição de 2021 precisou ser postergada para 2022 – com uma ponta de incerteza, porque já que quando o adiamento foi anunciado, não sabíamos se o evento precisaria ser transferido de novo até que a situação fosse controlada.

Felizmente, estamos controlando a Covid. A vida começou agora, o mundo foi nosso outra vez. Para o bem e para o mal.

Perrengue para chegar

Para quem vai a um festival, seja como imprensa ou como fã, a história nunca começa na entrada. Você precisa chegar ao local de alguma forma. No caso do Rock in Rio – e do Rio de Janeiro em geral –, transporte nunca foi o forte, mas não esperava enfrentar tantas dificuldades mesmo na situação de imprensa.

Minha viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro não foi como jornalista, mas como um fã qualquer. Comprei uma passagem combo ida + volta da Busup, empresa que anunciou-se como transfer oficial do Rock in Rio. No atendimento via WhatsApp, a promessa era de que os fãs seriam deixados “dentro do evento, em uma entrada exclusiva”.

Não foi o que ocorreu. Além de atrasar alguns minutos para embarcar e levar cerca de uma hora após o combinado para chegar às proximidades do festival, o ônibus da empresa não foi autorizado a nos deixar “dentro do evento”, na tal “entrada exclusiva”. Outra hora de atraso foi somada em função do veículo ter ficado parado aguardando para ser credenciado – e acabou vetado, sob a justificativa de que “o dono do Rock in Rio não quis mais”. Tivemos que parar nas proximidades e nos virar para chegar aos portões desejados.

Um monitor que acompanhou a viagem pediu “mil desculpas”, mas os sucessivos atrasos e o claro problema de desorganização afetaram não só a mim, que desembarquei bem depois do início do credenciamento, como aos vários fãs que estavam no ônibus e queriam ter chegado cedo e de forma confortável.

Atualização: procurada ainda no dia 2, a assessoria de imprensa enviou a seguinte nota no dia 19:

“A BusUp viabilizou serviço de transfer para trajetos off Rio, partindo de algumas localidades do estado de São Paulo. A companhia tomou conhecimento da impossibilidade de entrada de um dos veículos por conta de um contratempo relacionado ao credenciamento do transfer, e devido a isso, para não prejudicar os passageiros, o desembarque foi feito em outro local, com segurança e agilidade. Quanto ao horário de chegada ao local, a empresa reforça que trata-se de uma estimativa, passível de mudanças por imprevistos que podem ocorrer no trajeto, como trânsito intenso. A BusUp está no mercado global de mobilidade há seis anos e já foi responsável pelo transporte de milhares de passageiros em diversos festivais, garantindo conforto, segurança e acesso à diversão, além de seu compromisso com a responsabilidade ambiental, otimizando rotas ao redor do mundo.”

Perrengue para credenciar

O credenciamento ocorreu no Shopping Metropolitano Barra, próximo à Cidade do Rock. Por lá, mais perrengue: a imprensa foi informada que a retirada da credencial ocorreria na entrada leste e a saída via transfer na oeste, na outra ponta do prédio. E mesmo indo aos locais corretos, não se encontrava ninguém – ou quando se encontrava, diziam que aquele não era o local.

Quando enfim encontramos o responsável pelas credenciais, percebemos que não havia sequer uma placa sinalizando que aquele era o lugar certo. Tudo foi feito de modo bastante informal, por apenas uma pessoa. Após recolher a credencial, me desloquei para a entrada oeste. Nada do transfer chegar. E nada de alguém nos informar onde estava o tal transfer, que levaria os jornalistas de 30 em 30 minutos à nossa entrada exclusiva na Cidade do Rock.

Todo esse processo me fez perder mais uma hora de evento. Quando o transfer enfim chegou, já por volta das 16h, ainda foi necessária mais uma hora até que ele cruzasse um caminho de poucos quilômetros em um congestionamento gigantesco. Minha chegada só se deu após às 17h, quando shows de Black Pantera + Devotos, Metal Allegiance, Sioux 66, Eminence, Crypta e Viper, entre outros, já haviam ocorrido.

Sepultura e Orquestra

Minha chegada ao gramado onde ocorrem os shows do Rock in Rio se deu exatamente nos primeiros segundos do show que abriu o Palco Mundo: Sepultura e Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). Apesar das críticas que a organização do festival recebe por sempre escalar a banda em seus line-ups (foi a 11ª apresentação dos caras no evento e a 9ª em edições brasileiras), é notório o esforço dos envolvidos em trazer uma performance diferente. Depois de tocarem com o Tambours du Bronx e Zé Ramalho, eles ainda tiraram da cartola uma interpretação junto a uma orquestra. Quem imaginaria?

E não foi apenas um show convencional ao lado de uma orquestra acompanhando os músicos. Derrick Green (voz), Andreas Kisser (guitarra), Paulo Xisto (baixo) e Eloy Casagrande (bateria) trouxeram a OSB para dentro e construíram um repertório diferente, que incluiu não apenas música erudita, como também baião e ritmos nativos. Escolheram o caminho menos cômodo e foram recompensados pelo esforço aplicado.

A abertura orquestral com “Riot at the Rite”, original de Igor Stravinsky, preparou o público para uma performance avassaladora de “Roots Bloody Roots”. Quem ainda estava no Palco Sunset voltou correndo para acompanhar aquele que seria um dos poucos momentos de maior energia da performance, que nos próximos números priorizou o primor técnico em virtude dos ritmos que tiram os fãs do chão.

Duas músicas de trabalhos mais recentes do Sepultura foram apresentadas na sequência: “Kairos” e “Machine Messiah”, faixas que dão título aos álbuns de 2011 e 2017. Ambas casaram-se perfeitamente com orquestra, já que são músicas ricas em melodia. A OSB, ainda que em volume baixo na comparação com os instrumentos típicos da banda, teve sucesso ao acrescentar uma boa dose de dramaticidade.

Logo depois, o público foi surpreendido por uma execução da 9ª Sinfonia de Beethoven com um bate-bola interessante entre banda e orquestra. Foi quando os músicos conquistaram os presentes de vez. A seguir, mais experimentos: os ritmos tribais de “Kaiowas”, faixa do álbum “Chaos A.D.” (1993), ganharam um contorno peculiar com acréscimos de temas vindos do baião nordestinos e muita, mas muita percussão. Ao fundo, o telão exibia um discurso de Davi Kopenawa Yanomani, xamã e líder político do povo Yanomami que atua em defesa da Amazônia. Naturalmente, coros contra o atual presidente Jair Bolsonaro, criticado pelo trabalho no campo do meio ambiente, foram entoados por parte dos presentes.

“Valtio”, instrumental presente no disco “Nation” (2001), foi interpretada somente pela orquestra. Novamente, deu para perceber o quanto os volumes dos instrumentos estavam baixos. Depois de um tempo sem assumir o microfone, Derrick Green enfim conversou com a plateia para anunciar “Agony of Defeat”, faixa do disco mais recente do grupo, “Quadra” (2020), que combinou muito bem com a OSB – talvez por ter elementos orquestrais já em sua gravação original.

Uma performance dramática da clássica “Refuse/Resist” voltou a fazer o público bater cabeça após um show tão centrado na técnica, mas precedeu um encerramento morno com o número orquestral “Largo (Winter)”, composição de Antonio Vivaldi, e “Guardians of Earth”, boa música de “Quadra” que ficou em posição desfavorável na ordem do setlist.

Ainda que tenha sido um show interessante, do tipo que você para o que está fazendo para prestar atenção em todos os detalhes possíveis, houve alguns pontos de atenção. Além do já mencionado som baixo da orquestra, especialmente dos instrumentos de corda, o grupo acabou por adaptar demais seu próprio repertório. Em um festival, tocar apenas dois de seus maiores clássicos pode ser um movimento arriscado. O acréscimo de três músicas cantadas dos álbuns recentes foi bem pensado, mas o excesso de peças instrumentais, por vezes, dispersou o público.

  1. Riot at the Rite (original de Igor Stravinsky)
  2. Roots Bloody Roots
  3. Kairos
  4. Machine Messiah
  5. Sinfonia nº 9 de Ludwing van Beethoven
  6. Kaiowas
  7. Valtio
  8. Agony of Defeat
  9. Refuse/Resist
  10. Largo (Winter) (original de Antonio Vivaldi)
  11. Guardians of Earth

Living Colour e Steve Vai

Outro encontro improvável, mas menos experimental, foi realizado no Palco Sunset: Living Colour e Steve Vai. O show começou, em suas sete primeiras músicas, apenas com a banda formada por Corey Glover (voz), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria). Simplesmente quatro dos músicos mais competentes e afiados da história do rock pesado, ainda que não sejam tão reconhecidos dessa forma.

Por uma infelicidade, boa parte do show foi atrapalhado por problemas de som, especialmente com o baixíssimo volume da guitarra de Reid. Era impossível ouvi-lo em “Middle Man”, “Desperate People” (faixa dedicada à memória da vereadora assassinada Marielle Franco) e “Ignorance is Bliss”, mas ainda era possível curtir o som de um grupo extremamente ensaiado e coeso. Quando dava para ouvir a voz de Glover, a reação era sempre “uau”. Em tempos onde tantos cantores mais velhos não entregam boas performances como antes, é gratificante poder ouvir um cara de 57 anos soando como se tivesse 27.

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Um curto riff de “Iron Man”, do Black Sabbath, no baixo do gigante Doug Wimbish – que àquela altura segurava as pontas diante de um inaudível Reid e do microfone oscilante de Glover – precedeu “Wall”, que foi quando os problemas de som começaram a ser solucionados. A excelente música, que aposta no peso sem perder o groove, foi encerrada com Corey segurando uma placa que dizia “vote” de um lado e “democracia” do outro enquanto cantava repetidamente “the wall between us all must fall” (“o muro entre todos nós deve cair”). Naturalmente, mais gritos contra o atual presidente foram entoados pelo público.

A hardcore “Little Pig”, recheada de energia, trouxe ao fim mais gritos de ordem em protesto ao governo Bolsonaro – aqui, incentivados por Glover. “Type” e “Time’s Up” encerraram o set regular do Living Colour sendo as duas melhores dos caras até então. Novamente, doses elevadas de groove ao hard rock do quarteto. Entre as duas faixas citadas, rolou ainda um solo de bateria e outros instrumentos de percussão do habilidoso Will Calhoun.

Com a entrada de Steve Vai, o público veio abaixo. E o guitarrista correspondeu com uma participação de destaque no cover “Rock and Roll”, clássico de Led Zeppelin. Ele, que junto de Corey roubou a cena durante esta versão, também deu sua cara própria em “This is the Life”, uma das faixas mais experimentais do repertório próprio do Living Colour a surgir no set.

Uma versão sensacional de “Crosstown Traffic”, com dobradinha de solos entre Vai e Vernon Reid, preparou o público para aquele que seria o encerramento: “Cult of Personality”, grande hit da carreira do quarteto e responsável por empolgar ainda mais a plateia – e o próprio Corey Glover, que cantou a maior parte da música confraternizando com a galera na grade. Uma pena que o número final, um cover de “Should I Stay or Should I Go” (The Clash), tenha sido cortado por conta do horário.

  1. Middle Man
  2. Desperate People
  3. Ignorance Is Bliss
  4. Wall (com trecho de “Iron Man”, original do Black Sabbath)
  5. This Little Pig
  6. Type
  7. Time’s Up
  8. Rock and Roll (original do Led Zeppelin, com Steve Vai)
  9. This is the Life (com Steve Vai)
  10. Crosstown Traffic (original de Jimi Hendrix Experience, com Steve Vai)
  11. Cult of Personality (com Steve Vai)

Gojira

Infelizmente, tive que acompanhar o show do Gojira das telas da sala de imprensa e do som que vazava do Palco Mundo. Deu para conferir, dali, um show correto em todos os sentidos, a começar pelo repertório muito focado em seus mais recentes (e melhores) álbuns, “Magma” (2016) e “Fortitude” (2021). Apenas três músicas vieram de outros discos: “Backbone” e “Flying Whales”, ambas de “From Mars to Sirius” (2005), e “L’Enfant Sauvage”, faixa-título do registro de 2012.

Contudo, nem a performance irretocável de Joe Duplantier (voz e guitarra), Mario Duplantier (bateria), Christian Andreu (guitarra) e Jean-Michel Labadie (baixo), nem a mensagem engajada em prol do meio ambiente foram capazes de empolgar os presentes. Ou os fãs economizavam energia para o Iron Maiden, ou faltou algum tipo de identificação com o grupo, que é um dos fenômenos do metal contemporâneo, mas tem relação esparsa com o Brasil: até hoje fizeram apenas quatro shows por aqui, dois deles em 2015 (um no próprio Rock in Rio e outro no Carioca Club em São Paulo) e outro em 2013 (em outro festival, Monsters of Rock).

Mesmo ao lançar “Fortitude”, álbum que traz uma música que lida diretamente sobre a preservação da floresta Amazônica (“Amazonia”) e que mobilizou uma arrecadação em prol da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), os músicos do Gojira não fizeram agenda de entrevistas ou divulgação envolvendo veículos do país. O resultado de tal distanciamento foi visto em seu show, com um público tão quieto que chegou a incomodar Joe, a ponto de dizer: “vocês estão muito tranquilos, mas estão no direito de estarem tranquilos”.

A música “Amazonia”, aliás, foi tocada ao fim e representou um dos pontos altos do show. Antes de performá-la, o vocalista e guitarrista, que estava com o rosto pintado tal qual um indígena, declarou:

“A próxima música é muito especial para nós. É uma música que, de certa forma, envolve vocês no Brasil e seu meio ambiente e sua bela terra. Essa música é sobre a destruição das florestas e seus habitantes. Os indígenas do Brasil e outros países na Amazônia.”

Novamente como esperado, gritos com críticas a Jair Bolsonaro foram entoados pelo público, tanto antes quanto após a performance da canção. Dois indígenas, inclusive, subiram ao palco junto do grupo.

https://twitter.com/multishow/status/1565845141419606018
  1. Born for One Thing
  2. Backbone
  3. Stranded
  4. Flying Whales
  5. The Cell
  6. Grind
  7. Silvera
  8. Another World
  9. L’enfant sauvage
  10. The Chant
  11. Amazonia

Bullet for My Valentine

Uma voz gravada de uma mulher dizendo ser “a Cidade do Rock” foi rodada nas PAs do Palco Mundo após o fim do show do Gojira. Dizia estar com saudades do público presente após mil dias de afastamento. Na sequência, fogos de artifício iluminaram o céu enquanto a já citada música-tema do Rock in Rio foi tocada.

Um lindo momento, que poderia ter sido ainda melhor se não tivesse cruzado o início do show do Bullet for My Valentine no Palco Sunset. A primeira música do set, “Your Betrayal”, disputou atenção com a robusta estrutura do Palco Mundo. Uma pena, mas logo os fãs se deslocaram para o local onde a música rolava ao vivo.

Quem se dispôs a acompanhar a performance de Matt Tuck (voz e guitarra), Jamie Mathias (baixo e voz), Michael “Padge” Paget (guitarra) e Jason Bowld (bateria) não se arrependeu. Afiadíssimo, o quarteto trouxe um dos melhores sons do evento. Soavam com perfeição tanto na performance quanto em regulagem de som e timbres.

Era o cenário perfeito para que destilassem suas músicas que vão do peso à melodia num piscar de olhos. A iluminação e o cenário de palco também eram mais elaborados que os das atrações anteriores. O show surpreendeu até mesmo pela quantidade de fãs presentes: admiradores estiveram em peso no Sunset.

Para a segunda música, “Waking the Demon”, labaredas saíram do chão enquanto Tuck e Mathias revezavam vocais. Ao fim, o frontman comenta que aquela é a primeira vez da banda no Rock in Rio. Foi um dos poucos diálogos, já que não havia tempo a perder: eles queriam tocar muitas músicas e o tempo mais apertado do palco alternativo não permitiria muita enrolação.

Fomos, então, de som: “Piece of Me”, que mescla corinhos com um groove diferenciado, e a pesada “Knives”, uma das duas faixas do álbum mais recente, homônimo, lançado em 2021. Gritos de “Bullet! Bullet!” fizeram com que Tuck agradecesse em português e prometesse um retorno ao metalcore de 2005 com “4 Words (To Choke Upon)”, do álbum “The Poison”. “The Last Fight” veio emendada com dose extra de melodia e preparou o cenário para a semibalada “All These Things I Hate (Revolve Around Me)”, que destacou dinâmica entre os dois vocais e as duas guitarras do grupo.

Infelizmente, muita gente deixou a pista do Sunset para se encaminhar ao Palco Mundo antes do que seria o bis, com a pesada e cadenciada “Shatter”, também do novo álbum, e duas das músicas mais famosas do grupo: “Tears Don’t Fall” e “Scream Aim Fire”. Um encerramento esvaziado para um bom show.

  1. Your Betrayal
  2. Waking the Demon
  3. Piece of Me
  4. Knives
  5. 4 Words (To Choke Upon)
  6. The Last Fight
  7. All These Things I Hate (Revolve Around Me)
  8. Shatter
  9. Tears Don’t Fall
  10. Scream Aim Fire

Senhoras e senhores, Iron Maiden

Pontualmente às 21h30, as caixas de som do Rock in Rio começaram a tocar “Doctor Doctor”, clássico do UFO que sempre abre os shows do Iron Maiden. Antes disso, os presentes já gritavam o tradicional “olê olê olê olê, Maiden, Maiden”. Não demorou até que Nicko McBrain subisse ao palco para dar as primeiras batidas que introduzem “Senjutsu”, faixa-título do novo álbum da banda. Apesar da empolgação dos músicos e da perfeição na performance, com direito a timbres clássicos de guitarra cada vez mais raros na atualidade, problemas no som fizeram com que muita gente não escutasse direito o que os ídolos tocavam.

Outro ponto de atenção esteve na escolha de tocar três músicas do novo álbum, em sequência, logo na abertura. A climática “Senjutsu”, que teve Eddie samurai no palco, foi sucedida pela heavy “Stratego”, mas nenhuma delas empolgou tanto o público. Foi apenas “The Writing on the Wall”, vinda do mesmo disco, que provocou reações mais emocionadas dos fãs. Além de ser uma ótima canção, o trabalho de divulgação com um videoclipe que hoje contabiliza quase 30 milhões de visualizações (e teve trechos exibidos no telão) certamente ajudou a popularizar a nova faixa.

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Apresentadas as três primeiras músicas, oriundas do álbum “Senjutsu” – e com decoração que remete à temática do trabalho –, era hora de dar início à parte maior do set, parte da turnê “Legacy of the Beast”. A decoração de palco muda para “Revelations”, música que se tornou clássica no Brasil por ter marcado a primeira passagem do Iron Maiden pelo país, justo no Rock in Rio, em 1985. Impressiona ouvir a banda, especialmente Bruce Dickinson, soando muito próxima do que soavam no auge. A voz de Bruce soa mais robusta e ligeiramente mais grave desde o câncer que enfrentou na última década, mas na maior parte do tempo ele consegue emular as performances de outros tempos.

Embora parte do público tenha cantado os refrãos, “Blood Brothers” me pareceu uma escolha deslocada para um início de show que já era morno antes de “Revelations”. Particularmente, me empolgou mais pelo discurso prévio de Dickinson, destacando que “irmãos de sangue” do Maiden de todo o planeta, não apenas do Brasil, estavam presentes naquela ocasião. A progressiva “Sign of the Cross”, em seguida, esfriou o público que ainda assim acompanhava com atenção todas as nuances da longa faixa. A partir daqui, a decoração de palco muda antes de praticamente todas as músicas, enquanto Bruce altera seu visual para combinar com o conceito por trás do game “Legacy of the Beast”.

Se houve momentos de altos e baixos em termos de empolgação até aqui, o problema foi resolvido de vez a partir de “Flight of Icarus”. Tocada em batida mais veloz, a clássica canção do álbum “Piece of Mind” (1983) trouxe um Bruce Dickinson ensandecido disparando seu lança-chamas por onde passava. Toda a banda soa excelente, mas há de se destacar o timbre de guitarra avassalador de Adrian Smith. Não basta tocar muito: tem que soar incrível também. Como ponto negativo, fez falta o uso do telão completo, vertical, obviamente em todo o show, mas especialmente nesta música. A versão horizontalizada ficou bem pequena e muita gente não conseguiu ver direito as labaredas ou mesmo outros detalhes da performance na sequência.

Um desfile de clássicos interpretados de forma cada vez mais teatral veio na sequência. “Fear of the Dark”, com nova troca de figurino por parte de Bruce, provavelmente foi aquela que mais arrancou coros da galera. Até licks de guitarra, como habitual, foram cantados. Rodas punk nas partes mais agitadas também foram vistas. “Hallowed Be Thy Name”, com Dickinson bancando o prisioneiro condenado, contou com a melhor performance musical da banda como um todo. Impressiona de verdade ver (ou melhor, ouvir) o som que esses caras tiram – e é quase automático pensar “até quando eles vão conseguir fazer isso?”

Com mais mudanças de figurino e de palco, outras duas favoritas dos fãs chegaram na sequência para encerrar o set pré-bis: “The Number of the Beast”, com um show de labaredas no palco e até em cima dele, e “Iron Maiden”, a canção que dá nome à banda, em versão menos acelerada e muita correria de Bruce no palco. A cabeça de Eddie numa adaptação “chifruda” se faz presente ao fundo desta última faixa.

Aos gritos de “olê Maiden” incentivados pelo frontman em meio a baquetas atiradas pelo preciso Nicko McBrain, o Iron Maiden se retira do palco brevemente antes de dar início a seu primeiro bis. “The Trooper” arranca mais gritos da plateia com sua cenografia específica remetendo ao Reino Unido, mas também serviu como oportunidade para Dickinson estender a bandeira do Brasil. A batalha de espadas entre o cantor e um altíssimo Eddie cativa pela tosquice – nem tudo em um show de heavy metal precisa ser sério.

Ainda que tenha sido gravada com Blaze Bayley no vocal, “The Clansman” foi totalmente apoderada pela formação atual. Digo isso não só por Bruce cantar essa música muito bem, como também pela presença de três guitarras ser determinante para criar as texturas necessárias. E ouvi-la hoje ao vivo é como ouvi-la na gravação do Rock in Rio de 2001. Impressiona, mais uma vez, a apuração técnica dos envolvidos. “Run to the Hills” encerra o primeiro bis – sim, há dois – com vocais no refrão que poderiam ser inteiramente assumidos pela plateia, tamanho o envolvimento. Nicko McBrain novamente atira baquetas e algum desavisado pode até achar que o show acabou ali.

Não acabou. E por mais que possa ser criticado pelo que vou dizer, talvez o segundo bis seja um pouco dispensável. “Aces High” é uma ótima música, mas é onde a voz de Bruce Dickinson começa a dar sinais de desgaste mais evidentes. Isso ocorria tanto na turnê anterior, quando era performada na abertura, quanto agora, no encerramento, com o cantor já cansado. Pode não ser pela falta de aquecimento ou cansaço, mas, sim, pelo vocalista ter, obviamente, sentido alguns efeitos da idade. Não parece, mas ele é humano. Felizmente, a banda compensa com boa performance e a cenografia de palco, com direito a um avião gigantesco transitando por ali, fazem compensar a presença da faixa no setlist.

Faz tempo que o Iron Maiden é criticado por algumas escolhas de setlist. A banda parece priorizar músicas que funcionem melhor como sexteto, o que dá mais espaço para algumas canções mais progressivas. Mas boa parte dos clássicos está ali. Os fãs que se entregam às primeiras músicas do set são recompensados pelos hits de outros tempos.

Musicalmente, a o grupo segue beirando a perfeição. O trio de guitarras é imbatível: até mesmo Janick Gers, por vezes criticado por suas “acrobacias” e solos improvisados, mandou muito. Nicko McBrain é uma força da natureza e o verdadeiro regente do grupo. O baixo de Steve Harris não apenas oferece sustentação, como também tem seus momentos de brilho. E Bruce Dickinson, o mais comentado ao longo deste texto, segue desafiando sua idade.

  1. Senjutsu
  2. Stratego
  3. The Writing on the Wall
  4. Revelations
  5. Blood Brothers
  6. Sign of the Cross
  7. Flight of Icarus
  8. Fear of the Dark
  9. Hallowed Be Thy Name
  10. The Number of the Beast
  11. Iron Maiden

Bis:

  1. The Trooper
  2. The Clansman
  3. Run to the Hills

Bis 2:

  1. Aces High

Atraso, debandada e Dream Theater

Já era esperado que parte do público deixasse a Cidade do Rock após o show do Iron Maiden. A banda optou por tocar mais cedo, o que deixou o Dream Theater com a ingrata tarefa de encerrar os trabalhos da noite no Palco Mundo.

Se a situação não era das mais fáceis, o grupo de metal progressivo também não se ajudou. James LaBrie (voz), John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo), Mike Mangini (bateria) e Jordan Rudess (teclados) trouxeram um setlist composto por lados B e faixas do novo álbum, “A View from the Top of the World” (2021). Para um festival, onde há fãs de outros grupos ali, não era lá muito convidativo.

Ficou ainda pior com o atraso de quase meia hora até que eles subissem ao palco. Os músicos, conhecidos pelo profissionalismo, não foram os culpados: houve um problema entre a desmontagem do palco do Iron Maiden e a montagem dos equipamentos do Dream Theater.

Fato é que tudo isso provocou uma debandada acima do esperado. Obviamente a Cidade do Rock não ficou vazia – estamos falando de um lugar que cabem 100 mil pessoas; se não é fácil enchê-lo, imagine esvaziá-lo? Porém, havia espaços sem aglomerações até próximo da grade. Cenário muito diferente do show do Maiden, onde era difícil até mexer os braços em espaços não tão próximos do palco.

Por volta de 0h30, foi tocada a vinheta que introduziu “The Alien”, música vencedora do Grammy de Melhor Performance de Metal em 2021. Boa canção, mas não seria lá muito fácil conquistar um público que se mostrou pouco receptivo a outras atrações que tocaram mais cedo. “6:00”, conhecida por estar no disco “Awake” (1994), gerou reações mais empolgadas. Percebe-se a abordagem diferente de James LaBrie ao cantar a faixa: um pouco mais fanho, ele deixou um pouco os drives originais de lado para apostar mais em sua extensão vocal.

O vocalista agradece rapidamente aos fãs presentes e introduz “Endless Sacrifice”, cortando “Awaken the Master”, que estava nos setlists regulares de outros shows da turnê atual (inclusive o de São Paulo, dois dias antes). A canção tocada vem de um dos álbuns mais pesados do grupo, “Train of Thought” (2003), mas sua abordagem é melódica até chegar nas passagens instrumentais – onde o destaque é Jordan Rudess, desfilando virtuosismo com seu keytar.

“Bridges in the Sky”, na sequência, faz-se valer da excelente regulagem de som para exibir timbragens pesadas, ainda que o refrão também seja bem harmonioso. “Invisible Monster”, retirada do disco mais recente, segue a mesma estrutura: peso nos versos, “grude” no refrão, talvez em dose até maior que antes.

Com trecho de “Rhapsody in Blue” (George Gershwin), “The Count of Tuscany” foi a que gerou mais reações do público até então. A faixa vem do pouco lembrado álbum “Black Clouds & Silver Linings” (2009), último com Mike Portnoy na bateria, mas é uma das favoritas dos fãs mais dedicados ao Dream Theater. Tem linda melodia e boa performance de todos os envolvidos, inclusive do nem sempre elogiado LaBrie.

A performance de “The Count of Tuscany” representou mais cortes no repertório: “The Ministry of Lost Souls” e “A View from the Top of the World” não foram tocadas conforme nos outros shows da turnê. Para o bis, veio “Pull Me Under”, maior hit do grupo que só havia aparecido em uma apresentação de toda a turnê. Aqui, o público deixou um pouco de prestar atenção na técnica apurada do grupo e se mobilizou mais a cantar junto e bater cabeça.

Não dá para dizer que o show do Dream Theater seja ruim. Seria até um desrespeito com músicos extremamente competentes e que cuidam de cada detalhe da performance – inclusive do visual, com belas artes no telão. Mas é um tipo de apresentação para nicho, o que nem sempre funciona bem em um palco principal de um festival que, por razões óbvias, não ousa tanto em seus headliners.

O próprio grupo tornou a tarefa um pouco mais difícil ao manter o mesmo setlist que já vinha sendo criticado por uma parcela dos fãs em função da falta de clássicos. Saiu ganhando quem já é fã da banda, mas os próprios músicos perderam uma boa oportunidade de construir novo público em sua primeira vez num evento deste porte no país.

  1. The Alien
  2. 6:00
  3. Endless Sacrifice
  4. Bridges in the Sky
  5. Invisible Monster
  6. The Count of Tuscany (com trecho de “Rhapsody in Blue”)

Bis:

  1. Pull Me Under

Rock in Rio no geral

Apesar dos problemas que me impediram de chegar mais cedo, tive, novamente, boa experiência no Rock in Rio. Fui a um dia em 2015 e já havia me impressionado com a estrutura do evento. Em 2022, muitos pontos melhoraram: banheiros, opções de alimentação e entretenimento além-música, presença de bebedouros com água potável espalhados pelo evento.

Como pontos a serem ajustados nos próximos dias ou edições, destacaria a presença de telões maiores (são bem pequenos no Palco Sunset e apenas verticais no Mundo) e uma regulagem mais uniforme de som, já que alguns artistas foram prejudicados por problemas nesse sentido. Ainda que afete uma parcela bem pequena do público, também merecem atenção os problemas para transferir a imprensa do ponto de encontro à entrada exclusiva, bem como outras falhas de comunicação.

Um detalhe que talvez nem possa ser ajustado, mas que gerou reclamações, é a presença da cabine para regulagem de som em ponto relativamente próximo ao Palco Mundo. Ainda que seja “vazada”, a área técnica estava mais perto que o habitual da grade, o que atrapalha a visão – e não há telões grandes o suficiente para compensar.

Fora isso, o Rock in Rio continua imbatível em muitos sentidos. Mesmo com alguns ajustes pendentes no que diz respeito a som, ainda é um dos poucos festivais onde você consegue ouvir as bandas com clareza, de qualquer ponto, devido aos diversos sistemas de PAs espalhados pela arena.

Para um evento deste tamanho, talvez seja o grande acerto. Afinal de contas, mesmo com tantos brinquedos e atrativos além-música, os shows seguem como os protagonistas.

O Rock in Rio segue acontecendo nos dias 3, 4, 8, 9, 10 e 11 de setembro, na Cidade do Rock, Rio de Janeiro. IgorMiranda.com.br acompanhará in loco outros dois dias, 8 e 9, que trazem respectivamente Guns N’ Roses e Green Day como headliners. O evento é transmitido ao vivo pelo Grupo Globo – clique aqui para saber mais.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito Bom!!!! Vi pela a tevevisão e internet, já que os caras(Multishow) que estudaram para apresentar o evento, fingiam estar gostando das maiorias das bandas ali apresentadas. A transmissão do Iron pela a tv foi um pouco ruin, ainda mais com o cara(apresentador G.Guedes) que justamente tinha metido o pau na banda Iron maiden no rock in rio passado, dizendo que os caras estavam ultrapassado em termos de palco estilo anos 80…e, estava ele ali elogiando a banda e toda a sua aprensentação!!!! Hipocresia a parte, vi apenas o show do Maiden e Dream Theater…Dream que na TV foi um pouco ruin de ser ver, já estava com sono e o som da guitarra de Petrucci estava um pouco baixa!!!! Agora o restante do evento é considerado Pop in rio ao pé da letra, valeu!!!!

  2. estava lá e concordo com praticamente tudo, e digo mais: pelo valor do ingresso, é inadmissível um som mediano e telões pequenos demais para a tamanho da arena.
    não parece razoável que seja por desconhecimento técnico, mas sim racionamento de custos mesmo, o que é lamentável.
    mas entendo que a carência por eventos desse tipo façam os ingressos esgotarem rápido, mas quem realmente gosta e entende um pouco do que está acontecendo nos palcos, vai repensar a presença na próxima edição.
    e o perrengue de chegar e sair, multiplique por 5 para o público geral, que não tem algumas “regalias” da imprensa.
    e fica a conclusão inevitável: se vc é fã de um artista e reside no RJ, e ele vai tocar em outra cidade com seu show completo, faça uma forcinha e vá até lá.

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