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Crítica: Ainda que com bom gosto, remake de “Boa Noite, Mamãe!” pisa na arte

Amazon Prime Vídeo traz boa adaptação de “clássico” austríaco, mas para além do filme, é necessário debater o poder de Hollywood sobre a produção cultural como um todo

Esqueça as facadas de “Pânico” e “Halloween”. Corte de sua lista a carnificina de “Sexta-Feira 13” e “O Massacre da Serra Elétrica”. E, definitivamente, esqueça as lâminas mortais de Freddy Krueger. Ou os espíritos refletidos no espelho após a higiene bucal. Agora, o terror e o medo vem de um lugar muito específico da nossa vida, o psicológico — e isso é incrível.

Já está disponível na Amazon Prime Vídeo o remake de “Boa Noite, Mamãe!” O terror psicológico austríaco original de 2014, escolhido por seu país para representa-lo no Oscar daquele ano, ganhou uma versão americana. Tornou-se um belo filme de suspense psicológico, mas sem o mesmo impacto e qualidade do original, o que cria uma triste brecha na arte: quando o mediano prevalece sob o bom.

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Ela não é a mamãe!

Todo ambientado apenas em uma bela mansão, “Boa Noite, Mamãe!” conta a história dos irmãos gêmeos, Elias (interpretado por Cameron Crovetti no remake) e Lukas (Nicholas Crovetti). Ambos passaram alguns dias com o pai (Peter Hermann), até que chegou o momento de voltarem para os braços de sua amorosa mãe (Naomi Watts).

Porém, ao chegarem em casa, eles se surpreendem com o rosto da querida genitora coberto de ataduras após um procedimento estético. Além do curativo na face, as diferentes atitudes da mãe passam a despertar estranheza nos irmãos, que se questionam: “será que é realmente nossa mãe?”

Em sua versão original, que traz Susanne Wuest como a mãe e Elias e Lukas Schwarz como os irmãos (observe que os primeiros nomes deles foram mantidos para os personagens dos longas austríaco e americano), o terror está no minimalismo. No silêncio, nas tomadas muito bem feitas e na paciência em construir o sentimento de questionamento nas crianças, por exemplo.

Ao mesmo tempo, acompanhamos a fragilidade da mente perturbada (com motivos) de uma mãe. O resultado é torturante e angustiante sem abrir mão da calma e da inteligência. Segue pelo caminho onde quer seguir, para que, em seu final, desague em um mar de surpresas.

Na versão de 2014, a direção e roteiro de Veronika Franz e Severin Fiala fazem até mesmo o trailer ser assustador. Assistir ao “Boa Noite, Mamãe!” original é ter uma experiência aterrorizante sobre traumas e mentes machucadas. Torna-se uma aula de cinema ao contar uma história perturbadora com recursos simples, sem ser muito gráfico e, sim, apelando sem medo para a construção de um silêncio psicológico minimalista que nos leva a perder o sono.

Já o atual remake feito pela Amazon Prime Video e com direção do promissor Matt Sobel (“Leve-me ao rio”) troca os tempos silenciosos e a construção calma e perturbadora por um terror psicológico mais gráfico, rápido e dinâmico. A sensação que temos é a de ir em um restaurante 5 estrelas, pedir o melhor prato da casa e devorar em apenas 5 minutos. Ou seja: uma excelente comida com degustação rasa.

A obra em sua adaptação americana é boa. Entretém, assusta, perturba, choca e tem uma extraordinária protagonista que eleva tudo a uma potência absurda. Contudo, ao escolher o ritmo mercadológico e Hollywoodiano, Matt Sobel abre mão do difícil em prol do fácil. Simplifica o original. Quase como um grito dizendo que o austríaco não é para o consumo de todos, enquanto este, americano, pode ser tranquilamente degustado por um público geral.

E isso é ruim em muitos sentidos.

Remake desnecessário?

Antes restrito aos Estados Unidos e a alguns polos específicos, o cinema nunca foi tão amplo como agora. É um campo aberto a novas experiências e novas artes. Ao mesmo tempo, possibilidades se travam pelo mercado americano, o principal do planeta, simplesmente odiar legendas – o que nos leva a remakes e adaptações.

Isso está mudando, de modo que obras vindas de mil cantos do planeta estão até sendo reconhecidas por premiações como o Oscar. Ainda assim, há uma onda de remakes encomendados se aproximando. Já foi anunciado, por exemplo, que o histórico sul-coreano “Parasita” ganhará uma versão americana. Será o mesmo destino do extraordinário longa dinamarquês “Druk – Mais Uma Rodada”, inclusive com Leonardo DiCaprio no papel que outrora foi do genial Mads Mikkelsen.

Em uma entrevista recente, Naomi Watts confessou que questionou a necessidade de um remake de “Boa Noite, Mamãe!” Embora tenha gostado do roteiro, a atriz debateu o assunto com o diretor. Ainda bem que tudo foi muito bem refeito. Não supera o original, mas não se complica.

Mesmo assim, é válida a discussão do poder de Hollywood. A gigantesca máquina segue se apropriando de excelentes filmes estrangeiros para então poder dar a sua cara a eles.

E isso pode, sim, ser uma forma de ofensa à arte de outras regiões do planeta. Mescla-se a indústria de Hollywood, atores consagrados, a língua mais falada no mundo e tudo isso dentro do império americano de Jeff Bezos. Bem-recebido ou não, o remake é o que entrará no imaginário popular. Poucos irão atrás do original.

A máquina Hollywoodiana está tão carente de ideias novas e revolucionárias que usa seu trator para que, de alguma forma, possa tomar para si a grandeza das obras de fora em vez de encontrar um meio de incentivar o consumo do original – que é bom e não precisava ser refeito em tão pouco tempo.

Como já dito, o remake de “Boa Noite, Mamãe!” já está disponível na Amazon Prime Vídeo. Também é bom. Um trabalho honesto. Mas caso esteja interessado em algo maior do que apenas mais um filme de terror e suspense – como uma experiência assustadora de cinema –, recomendo o original de 2014, que é um filmaço.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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