Como o Winger tomou forma e estourou com seu disco de estreia

Apesar do calibre inquestionável de todos os músicos envolvidos, banda deve seu sucesso à obstinação de seu produtor

Num corriqueiro caso de implicância gratuita, a revista Kerrang! rotulou o Winger como “a banda mais franguinha dos anos 1980” e lembrou as pessoas de que “o único sujeito que usava uma camiseta do grupo era o Stuart, do ‘Beavis and Butt-head’”. Embora para muitos o som fosse lá sem muita valentia mesmo — sem contar o fato de as letras terem envelhecido mal —, o calibre de todos os músicos envolvidos era inquestionável.

Ao contrário do que se esperava da criação de uma banda de rock na época como sendo resultado direto de amizades escolares, o Winger tomou forma a partir de músicos esbarrando uns nos outros pelo circuito. Ou, em termos mais holísticos, graças a algum alinhamento específico dos planetas.

- Advertisement -

“Conheço um garoto que toca baixo e é bem bonitão”

Quando tinha 16 anos e tocava com os irmãos Paul e Nate numa banda chamada The Wingers, Kip Winger conheceu o produtor musical Beau Hill e os dois se tornaram bons amigos. Dessa amizade pintaram os primeiros frilas como músico de estúdio para Kip.

Uma vez encarregado de produzir o álbum que traria Alice Cooper de volta depois de o cantor ter passado alguns anos na pior, Hill não pensou duas vezes. Em entrevista aos autores Tom Beaujour e Richard Bienstock publicada em “Nöthin’ But a Good Time: A História Completa e Sem Censura do Hard Rock Anos 80” (Estética Torta, 2022), Cooper relata o seguinte:

“Um dos meus produtores me falou sobre o Kip Winger. Ele disse: ‘Conheço um garoto que toca baixo e é bem bonitão’. Nós o trouxemos para o estúdio e dissemos: ‘Ei, por que você não vem e toca baixo com a gente?’ Nunca percebi o quão criativo era o Kip. Ele era faixa preta em caratê. Ele poderia atuar num filme. Ele poderia reger uma sinfonia. Ele fez balé.”

Kip acabou tocando em quatro das dez músicas do álbum “Constrictor” (1986) e sendo convocado para a subsequente turnê apropriadamente denominada The Nightmare Returns. No mesmo livro, o guitarrista Kane Roberts justifica a convocação:

“Assim que eu o ouvi tocar, disse ao Alice: ‘Você precisa trazer esse cara pra turnê, porque, em primeiro lugar, ele é um poço de talento. E ele é um cara muito bonito, entende? Isso vai ajudar, afinal, todo mundo na banda é meio feioso’.”

Além de Winger e Roberts, a banda de Cooper contava com o tecladista Paul Taylor e o baterista Ken Mary.

“Talvez pudéssemos formar uma banda”

Após o fim da turnê com Alice Cooper, Beau Hill escalou Kip Winger para trabalhar num disco da cantora Fiona. Durante as gravações do que se tornaria o álbum “Beyond the Pale” (1986), Hill apresentou Winger ao guitarrista Reb Beach dizendo: “Vocês poderiam ser o núcleo de uma baita banda”.

Embora com o passar do tempo todas as peças tenham se encaixado, o primeiro encontro de Winger com Beach não foi dos mais auspiciosos, como o guitarrista recorda em “Nöthin’ But a Good Time”:

“Eu estava na sala verde do Studio A, na Atlantic Records, me aquecendo. Kip entrou, e nós nos odiamos. Começamos com o pé esquerdo. Não entendi direito o jeito sereno e a voz tranquila dele. Ele parecia estar se achando pra caramba.”

Na ocasião, Reb tocou em algumas demos de Kip. Então, quando o baixista voltou para a banda de Alice Cooper — para gravar “Raise Your Fist and Yell” (1987) —, contou para o colega Paul Taylor que havia conhecido um grande guitarrista e suscitou: “talvez nós pudéssemos formar uma banda”.

“Meu Deus, conheci um gênio!”

Trabalhar no disco de Fiona rendeu a Reb Beach não apenas um cachê de 500 dólares — a maior quantia em dinheiro vivo que já tinha pegado nas mãos — como o elevou ao status de queridinho dos Atlantic Studios. O “garoto legal que cobrava barato” acabou participando de álbuns de nomes como Bee Gees, Howard Jones e Chaka Khan, além de ter gravado “Love is for Suckers” (1987), do Twisted Sister, com produção de Hill.

Paralelo a isso, em meio a turnê de “Raise Your Fist and Yell”, Kip Winger foi até Alice Cooper e disse que seria sua última; ele estava decidido a conseguir um contrato de gravação para sua banda. Com a bênção de Alice e levando Paul Taylor a tiracolo, Kip se mudou com Reb para o condomínio onde Beau Hill morava, em Nova Jersey, para trabalhar em músicas próprias.

No primeiro dia de trabalho, foram compostas as músicas “Seventeen” e “Time to Surrender”. Beach até hoje se lembra da sensação:

“Lembro de sair pulando de alegria e dizendo: ‘Meu Deus, conheci um gênio!’ Porque eu tinha riffs, mas não sabia que eram músicas. Mas o Kip é um compositor. Ele tinha estudado composição. Então, tudo tomou forma muito rápido. Fizemos demos — demos de boa qualidade — rapidamente.”

“Você acabou de contratar o Kip Winger!”

Mas nem todas as credenciais que Kip Winger e Reb Beach possuíam encurtaram o caminho do Winger — que antes de adotar o nome definitivo atendeu por Sahara e Call Your Doctor, entre outros — rumo ao sonhado contrato de gravação. O motivo? Doug Morris, executivo da Atlantic Records, achou a banda “uma m#rda”.

Firme no propósito de ajudar o amigo e movido pelo interesse de produzir a banda que julgava detentora de talento ímpar, Beau Hill não se deu por vencido. Em “Nöthin’ But a Good Time” o produtor explica a estratégia adotada:

“Levei algumas músicas para o Doug, as toquei e disse: ‘Gostaria muito de trazer essa banda para a Atlantic’. Ele ouviu as demos e disse: ‘Negativo. Isso é uma m#rda”. Então, voltei para o Kip e disse: ‘O Doug não gostou disso. Faça mais um pouco’. Eles escreviam mais algumas coisas e gravariam, e então eu voltaria para o Doug e mudaria o nome da banda. Só para que ele não pensasse que eu ainda estava apresentando o mesmo cara indefinidamente (…) Repetimos o processo à exaustão. Provavelmente foram quatro ou cinco tentativas ao longo de, sei lá, um ano.”

Doug recusou o Winger um zilhão de vezes. Uma após a outra as canções foram todas rejeitadas por Morris, que chegou a dizer: “Não me venha com outra demo do Kip Winger!”. Até que Beau mostrou “State of Emergency”, que Kip e Paul Taylor haviam composto apenas por diversão durante a primeira turnê com Alice Cooper. Hill conta:

“Mostrei ‘State of Emergency’ para o Doug, dizendo: ‘isso é realmente incrível. Você tem que dar uma conferida.’ Ele ouviu e disse: ‘uau, isso é realmente incrível’ Perguntei: ‘você gostou?’ Ele respondeu: ‘gostei’. ‘Você vai contratá-los?’ ‘Vou’. Dei a volta na mesa dele, estendi a mão e disse: ‘então, temos um acordo, certo?’ Ele disse: ‘temos’. Eu disse: ‘obrigado’. E, quando estava saindo do escritório, o Doug me parou: ‘espere um segundo — quem eu acabei de contratar?’ Eu disse: ‘você acabou de contratar o Kip Winger!’ Ele disse: ‘seu filho da p#ta’. E me expulsou do escritório.”

Não obstante o orçamento embaraçosamente pequeno disponibilizado pela Atlantic Records, o Winger ainda assim foi capaz de trazer a bordo o baterista Rod Morgenstein, que na época estava no Dixie Dregs. Cria do jazz, Morgenstein recebeu carta branca de todos para fazer o que quiser, e sua bateria repleta de assinatura e quebras inesperadas acabou adicionando um elemento progressivo à coisa.

Estava completa a formação clássica do grupo, e seu disco de estreia pôde, finalmente, ser tirado do papel.

“Nunca tínhamos tocado juntos”

O álbum “Winger” chegou às lojas em 10 de agosto de 1988 e no primeiro mês vendeu 16 mil cópias; um número particularmente incrível para a banda, mas nada impressionante para a gravadora, que chegou a considerar se a mantinha ou não em seu elenco.

Na tentativa de alavancar as vendas, a Atlantic Records mexeu os pauzinhos e escalou o Winger como banda de abertura do veterano Scorpions, que promovia o recém-lançado “Savage Amusement” nos Estados Unidos. Mas havia um problema, o qual Beach explica:

“Nunca tínhamos tocado na frente de um público como uma banda. O Rod tinha tocado com o Dregs, eu tinha tocado numa banda e o Kip e o Paul tinham tocado com o Alice Cooper. Mas nunca tínhamos tocado juntos como Winger.”

Depois de uma primeira noite desastrosa, sob ameaça de ser chutado da turnê pela banda principal, Kip Winger passou a observar como Klaus Meine, vocalista do Scorpions, fazia e a imitá-lo. A imitação foi tão boa que o Scorpions acabou levando o Winger para a Europa três meses depois, o que resultou numa boa exposição no velho continente.

“O baterista do Dixie Dregs agora tocava no Winger”

A repercussão do lado de lá do Atlântico não se traduziu em vendas do lado de cá. Somente quando Rick Krim, da MTV, entrou na jogada, que o Winger estourou nos Estados Unidos. E o motivo de tê-lo feito não poderia ser mais curioso, conforme ele mesmo confessa:

“Quando eu estava na faculdade, a minha banda favorita era o Dixie Dregs. E o baterista do Dixie Dregs agora tocava no Winger.”

Krim conseguiu que o primeiro videoclipe do Winger, “Madalaine”, passasse às 2h55 da manhã de um sábado. Foi o suficiente para a música começar a bombar nas rádios.

Depois que o videoclipe seguinte, “Seventeen”, entrou na programação do canal em horários mais ortodoxos, o álbum voou alto nas paradas, chegando à 21ª posição da Billboard e conquistando disco de platina em 1989.

O sucesso rendeu bons frutos: além de fazer a Atlantic abrir a carteira para mais dois videoclipes — “Headed for a Heartbreak” e “Hungry” —, mexeu mais pauzinhos para colocar o Winger na estrada de novo.

Passado um ano de turnê no qual dividiram o palco com Bad Company, Bon Jovi, Cinderella, Poison, Skid Row e Tesla, Kip e os outros voltaram a estúdio com a missão de mostrar que o melhor ainda estava por vir.

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidadesComo o Winger tomou forma e estourou com seu disco de estreia
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades