Como o Rainbow criou o histórico álbum ao vivo “On Stage”

Trabalho lançado em 1977 apresenta a banda capitaneada pelo guitarrista Ritchie Blackmore em seu auge

Com dois álbuns de estúdio bem-sucedidos na conta, o Rainbow decidiu que seu próximo lançamento daria um vislumbre de como eram seus shows. Frequentemente apontado como um dos maiores ao vivos da história do rock, “On Stage” traz em ação o melhor line-up que o grupo capitaneado pelo guitarrista Ritchie Blackmore já teve.

Além disso, trata-se do primeiro – e quiçá mais importante – ao vivo da carreira do vocalista Ronnie James Dio, que seguiria fazendo história posteriormente com o Black Sabbath e sua própria banda, Dio.

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Rainbow: um breve histórico (1975-1976)

Tendo deixado o Deep Purple na primavera de 1975, Ritchie Blackmore não perdeu tempo em montar uma nova banda. Na verdade, as sementes já haviam sido plantadas, pois o primeiro álbum do Rainbow havia sido gravado enquanto Ritchie ainda era membro do Purple.

Quando o Deep Purple se recusou a gravar “Black Sheep of the Family”, do Quatermass, Blackmore entrou em estúdio com membros da banda americana Elf — Ronnie James Dio (vocal), Mickey Lee Soule (teclados), Craig Gruber (baixo) e Gary Driscoll (bateria) — para registrá-la visando ao possível lançamento de um compacto. O guitarrista ficou tão feliz com o resultado que acabou passando dois meses compondo e gravando o que se tornaria o álbum de estreia do Rainbow, intitulado “Ritchie Blackmore’s Rainbow”.

Antes mesmo de o disco ser lançado em agosto de 1975, Ritchie decidiu mudar de banda. Com Dio enquanto único membro remanescente do Elf, Blackmore recrutou o ex-baterista do Jeff Beck Group, Cozy Powell, o baixista Jimmy Bain e o tecladista Tony Carey. Essa foi a formação responsável pelo muito mais pesado “Rising”, lançado em maio de 1976, e pela turnê mundial de 111 datas que se seguiu.

Um show de spoilers e repetecos

Muitos dos shows de 1976 foram gravados e no ano seguinte foi lançado o ao vivo “On Stage”. Documento em áudio fiel do Rainbow no auge, o LP duplo inclui não só versões anabolizadas de músicas dos dois primeiros álbuns, mas também acenos ao passado de Ritchie Blackmore e ao futuro do próprio grupo.

O primeiro desses acenos vem logo na faixa que abre o lado A do primeiro disco. Após a introdução, que inclui a célebre fala da personagem Dorothy para seu cãozinho Totó no filme “O Mágico de Oz” (1939) — “Toto, I have a feeling we’re not in Kansas anymore. We must be over the rainbow!” (“Totó, acho que não estamos mais no Kansas. Devemos estar além do arco-íris!”, em tradução livre) — seguida de uma versão instrumental da balada “Over the Rainbow”, do mesmo longa-metragem, a banda engrena “Kill the King”, cuja versão de estúdio seria um dos carros-chefes do vindouro “Long Live Rock ‘N’ Roll” (1978). Embora não conste em “On Stage”, a faixa-título deste também era tocada pelo grupo nos shows dessa turnê.

Mais adiante, é apresentada uma versão de “Mistreated”, do álbum “Burn” (1974) do Deep Purple, na qual uma série de liberdades criativas é tomada tanto por Blackmore — que aqui exibe um dos melhores solos que já fez — quanto por Ronnie James Dio, que sabe-se lá se por ter esquecido a letra, lança mão do improviso.

Outra graça que Ritchie fazia era tocar a complexa introdução de “Lazy”, célebre número do Purple lançado em “Machine Head” (1972), mais como demonstração de capacidade técnica do que para apelar junto aos saudosistas. Por fim, outra herança dos tempos de Purple é a tendência em converter músicas que originalmente não passam dos cinco minutos em jams instrumentais de quase vinte, como “Catch the Rainbow” e “Still I’m Sad”, a saber, um cover dos Yardbirds.

Um colosso em forma de palco

Embora não dê para sacar a não ser pelas fotos da capa e do encarte, a estrutura de palco do Rainbow na turnê de “Rising” impunha respeito. Não à toa, todos os apetrechos são listados em detalhes na ficha técnica do álbum.

Entre todos os componentes visuais, o que sem dúvida mais chama a atenção é o gigantesco arco-íris, que levou seis meses para ser tirado do papel de maneira viável. Projetada e construída pela novaiorquina See Factor, a estrutura de nove metros de altura por doze de largura abrigava três mil lâmpadas coloridas e era operada remotamente por um computador portátil.

Arco-íris em tons de cinza

Por mais histórica que tenha sido a turnê mundial do Rainbow realizada em 1976, de volta para casa, a formação responsável por “Rising” sofreu as primeiras baixas; ou, como Ritchie Blackmore costumava dizer, “foi atualizada”. Começou quando Blackmore e Tony Carey brigaram, então o guitarrista expulsou o tecladista.

Mais tarde, foi a vez de Jimmy Bain ser demitido. À imprensa, Blackmore reclamou sobre certos integrantes que “estavam usando algumas drogas e, consequentemente, caindo no sono enquanto tocavam porque tinham caído na balada a noite toda”.

Embora reconheça que Jimmy era das noitadas, na autobiografia “Rainbow in the Dark” (Estética Torta, 2021) Ronnie James Dio duvida que esse tenha sido o real motivo pelo qual Ritchie se livrou do baixista tão abruptamente:

“Achei que isso foi um golpe no Jimmy. Era inegável que ele gostava de festas, porém fazia valer cada centavo ganho no minuto em que subia ao palco (…) Fiquei triste ao ver Jimmy partir. Em última análise, porém, foi a decisão do Ritchie. O que realmente me deixou um gosto amargo na boca foi que a demissão ocorreu uma semana antes do Natal. Achei isso desnecessário, mesmo para alguém tão calculista como o Ritchie.”

Como resultado, os primeiros meses de 1977 foram gastos com testes de substitutos. Vários tecladistas de alto nível, incluindo Mark Stein (Vanilla Fudge), Matthew Fisher (Procol Harum) e Eddie Jobson (Roxy Music), se candidataram e chegaram a fazer o teste. Por fim, a vaga ficou com o canadense David Stone, do pouco conhecido Symphonic Slam. O baixo acabaria a cargo de Bob Daisley, depois que Blackmore decidiu que não gostava da maneira que Mark Clarke, recrutado junto ao Colosseum, tocava — com os dedos, em vez de com palheta.

Nenhum deles duraria muito, porém: como se sabe, a trajetória do Rainbow seria pontuada por incessantes mudanças na formação a depender tão unicamente do estado de espírito de seu dificílimo líder.

Alternativas para os mais aficionados

No dia 13 de novembro de 2012, a fim de celebrar seu 35º aniversário, “On Stage” foi relançado em CD em formato deluxe. A nova versão apresenta faixas do último show da turnê de “Rising”, realizado em 16 de dezembro de 1976, em Tóquio, no Japão.

Outro registro, só que ainda mais completo, da tour é o ao vivo “Live in Germany 1976” — “Live in Europe”, na versão dos Estados Unidos —, CD duplo lançado em 1990 que compila faixas gravadas em quatro datas da passagem do Rainbow pela Alemanha em setembro daquele ano.

Agora, para quem dispõe de tempo e verba, 2006 viu o lançamento do box sêxtuplo “Deutschland Tournee 1976” — que, aí sim, traz na íntegra os supracitados quatro shows do Rainbow em território alemão.

Rainbow — “On Stage”

  • Lançado em 7 de julho de 1977 pela Oyster / Polydor
  • Produzido por Martin Birch

Faixas:

  1. Kill the King
  2. Medley: Man on the Silver Mountain / Blues / Starstruck
  3. Catch the Rainbow
  4. Mistreated (cover do Deep Purple)
  5. Sixteenth Century Greensleeves
  6. Still I’m Sad (cover dos Yardbirds)

Músicos:

  • Ritchie Blackmore (guitarra)
  • Ronnie James Dio (vocal)
  • Tony Carey (teclados)
  • Jimmy Bain (baixo)
  • Cozy Powell (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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