O Pink Floyd é uma banda de muitos sucessos, mas seu álbum mais vendido e popular é “The Dark Side of the Moon”. Oitavo trabalho de estúdio da banda, o disco é uma jornada filosófica a respeito da vida, da morte e tudo o que existe entre as duas coisas, tendo o pragmático e melancólico baixista e vocalista Roger Waters guiando os colegas David Gilmour (guitarra, voz), Nick Mason (bateria) e Richard Wright (teclados).
Até 1973, ano em que “The Dark Side of the Moon” foi lançado, o Pink Floyd não havia feito nada efetivamente conceitual, embora já tivesse flertado com a ideia. O trabalho nasceu já com esse propósito e ainda trouxe uma novidade: Waters foi o responsável por todo o conteúdo lírico do disco, dando início a uma era repleta de êxitos e também brigas para o grupo, como David Gilmour contou à Rolling Stone em 2011.
“Eu nunca me considerei muito bom no departamento de letras e Roger queria fazer aquilo. Acho que foi uma sensação de alívio por ele estar disposto a fazer. Ao mesmo tempo, ele ser o letrista e a força motriz nunca significou que ele teria que estar no controle total da direção no lado musical das coisas. Então sempre tivemos um pouco de tensão nessas áreas.”
Com Roger no comando dos versos, o Pink Floyd entregou um trabalho bastante filosófico e político, centrado no conceito de loucura durante a vida. É inegável que a condição de Syd Barrett, fundador da banda diagnosticado com esquizofrenia, tenha sido parte da inspiração, mas “The Dark Side of the Moon” é muito mais do que uma reflexão psicológica – é uma visão sobre a nossa jornada neste mundo.
As escolhas de uma vida
O conceito do álbum não é exatamente linear, mas é fácil achar um fio condutor ao longo das 10 músicas, com uma clara divisão entre a quinta e a sexta – fim do lado A e início do B no vinil. Vários sons foram usados como ganchos e ajudam a contar essa história, que, apesar de tudo, é bastante simples e direta, além de ser facilmente associável para a vida da maioria das pessoas.
“The Dark Side of the Moon” abre com a introdução “Speak to Me”, que começa com batidas de um coração que caem em uma cacofonia de elementos que vão retornar depois. Uma voz fala sobre loucura e como “todos nós” estamos insanos, em um tema que também é recorrente ao longo do trabalho.
A primeira música, de fato, é “Breathe (In the Air)”, inciada com reflexões sobre a vida de modo generalista, em um contexto de rotina, usando um coelho que abre buracos como metáfora.
“Corra, coelho, corra
Cave aquele buraco, esqueça o Sol
E quando, finalmente, o trabalho estiver feito
Não se sente, é hora de cavar outroPor muito tempo você viverá e alto voará
Pink Floyd – “Breathe (In the Air)”
Mas só se você surfar na maré
E equilibrado na maior onda
Você corre em direção a um túmulo prematuro”
A ideia de rotina, de se deixar levar pela vida, ganha mais intensidade em “On the Run”, que embora praticamente não tenha letra, aborda viagens e a vida frenética de quem está na estrada – ou no ar, voando em aviões, um dos grandes medos de Roger Waters.
“Time”, talvez a primeira “música completa” do álbum, dá sequência com a primeira grande reflexão. Após se deixar levar pela vida e cair em uma rotina acelerada de deslocamento, o personagem da história percebe que o tempo passou e ele não percebeu.
“E então, um dia você descobre
Que dez anos ficaram para trás
Ninguém lhe disse quando correr
Você perdeu o tiro de largadaE você corre e corre para alcançar o Sol
Pink Floyd – “Time”
Mas ele está se pondo
Dando a volta até surgir atrás de você novamente
O Sol é o mesmo, de certa forma
Mas você está mais velho
Com menos fôlego
E um dia mais próximo da morte”
Surge, daí, uma frustração a respeito de anos perdidos na vida. O reconforto vem com “Breathe (Reprise)”, que mostra que viver o momento é mais importante do que deixar a vida – e o tempo – passar diante de seus olhos.
Essa vida chega ao fim junto com o lado A do álbum em “The Great Gig in the Sky”, o “grande show no céu”, uma óbvia metáfora para a morte. As vozes fazem um contraponto entre duas formas de encarar o inevitável falecimento: como algo terrível e sofrido ou como o fim de um ciclo, o encerramento de uma jornada.
As razões para a vida no automático
A segunda parte do álbum começa a apresentar o que leva as pessoas a viverem essa vida “no automático” que foi resumida na primeira metade do disco. Dessa forma, não haveria como abrir o lado B com outra faixa que não fosse a clássica “Money” e sua óbvia temática: o dinheiro, a ganância e como nos relacionamos com essa área de nossas vidas.
“Dinheiro, fuja
Arrume um bom emprego com um salário melhor e você ficará bem
Dinheiro, é incrível
Agarre essa grana com as duas mãos e faça um esconderijoCarro novo, caviar, sonhar acordado com coisas caras
Acho que comprarei um time de futebol para mimDinheiro, pegue de volta
Estou bem, cara
Tire as suas mãos da minha pilha de dinheiro
Dinheiro, é um golpe
Ah, não me venha com essa bobagem de dizer que dinheiro não compra felicidadeEstou no grupo da primeira classe e alta fidelidade
Pink Floyd – “Money”
E acho que eu preciso de um jatinho”
“Us and Them” segue a trilha da ganância até o conflito, a dicotomia e o mundo em preto e branco – sem tons de cinza – que dialoga muito com o que vivemos hoje. Aqui, Waters tenta nos lembrar que há muitas nuances na natureza humana, e que ninguém é essencialmente bom ou mau.
“Nós e eles
E, afinal de contas, somos apenas homens comuns
Eu e você
Só Deus sabe que não é o que queríamos fazerAvançar! Ele gritou da retaguarda
Pink Floyd – “Us and Them”
E a linha de frente foi dizimada
E o general sentou, e as linhas do mapa
Moveram-se de um lado para o outro”
Por sua vez, a instrumental “Any Colour You Like” é quase uma resposta cínica a esse conceito.
Na reta final, temos a conclusão da jornada, primeiro com a loucura em si, abordada em “Brain Damage”. Nesta faixa, entendemos que tudo o que vimos até agora, independente das escolhas feitas, são coisas que nos fazem perder nossa sanidade, apesar de tentarmos mantê-la – ou ao menos preservar a aparência dela – a qualquer custo.
“O lunático está em minha cabeça
Você ergue a lâmina, você faz a mudança
Você me rearranja até eu ficar são
Você tranca a porta e joga a chave fora
Há alguém em minha cabeça, mas não sou euE se a nuvem explodir, trovejar em seu ouvido
Pink Floyd – “Brain Damage”
Você grita e ninguém parece ouvir
E se a banda em que você está começar a tocar melodias diferentes
Te vejo no lado escuro da Lua”
A conclusão com “Eclipse”, mais uma vez, engloba todos os temas abordados até aqui. A música explica o título de “The Dark Side of the Moon”. Tudo o que vivemos, escolhemos ou fazemos, e costumamos dividir como uma vida “normal” ou “loucura”, na verdade é tudo uma grande loucura.
“Tudo o que você toca e tudo o que você vê
Tudo o que você prova, tudo o que você senteE tudo o que você ama, e tudo o que você odeia
Tudo o que você desconfia, tudo o que você salvaE tudo o que você dá, e tudo o que você negocia
E tudo o que você compra, implora, pega emprestado ou roubaE tudo o que você cria, e tudo o que você destrói
E tudo o que você faz, e tudo o que você dizE tudo o que você come, e todos que você conhece
E tudo o que você desconsidera, e todos com quem você brigaE tudo o que é agora, e tudo o que já passou, e tudo que virá
E tudo sob o Sol, está em perfeita sintonia
Pink Floyd – “Eclipse”
Mas o Sol esta coberto pela Lua”
Como finaliza a letra, não há lado escuro da lua porque, na verdade, ela é toda escura.
Pink Floyd – “The Dark Side of the Moon”
Lançado em 1º de março de 1973 pela Harvest Records / EMI.
- Speak to Me
- Breathe (In the Air)
- On the Run
- Time
- The Great Gig in the Sky
- Money
- Us and Them
- Any Colour You Like
- Brain Damage
- Eclipse
Músicos:
- David Gilmour (vocal, guitarra, sintetizadores)
- Nick Mason (bateria, percussão, efeitos de fita)
- Richard Wright (órgão Hammond e Farfisa, piano, piano elétrico (Wurlitzer, Rhodes), EMS VCS 3, sintetizadores, vocal)
- Roger Waters (baixo, vocal, VCS 3, efeitos de fita)
Músicos adicionais:
- Dick Parry (saxofone nas faixas 6 e 7)
- Clare Torry (vocal na faixa 5)
- Doris Troy (backing vocals)
- Lesley Duncan (backing vocals)
- Liza Strike (backing vocals)
- Barry St. John (backing vocals)
* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição por Igor Miranda.
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Muito legal mesmo. Confesso que nunca fui a fundo no som do Pink Floyd. Agora vou ouvir esse álbum acompanhando as reflexões aqui do site. Um abraço.
Escuto Pink Floyd desde os meus 15 anos . Estou com 43 anos !!! Lembro a primeira música ; Time . Depois disso fui a fundo para explorar a Banda . Anos 90 , não tinha internet , era Fita e Disco de Vinil mesmo …. Falar o quê dessa Banda .? Mesmo com Saída de Roger Waters , Ainda teve Grandes Trabalhos como ; The Division Bell , A Momentary Lapse of Reason , Etc …. Clássicos Imortais desse Dinossauro que foi o Pink Floyd !!!
Gostaria de mencionar que este álbum foi inovador também por ter sido gravado quadrifonico e aqui a época com os aparelhos stereo não era possível perceber os efeitos sonoros deste tipo de gravação que ocorre em algumas faixas.
Parabéns pela matéria.
Vendo todo o contexto da música Money, e lembrar do preço de um ingresso do show do Pink Floyd… Mostra a faceta de alguém que não vive aquilo que professa.
Que texto legal! Muito boa a narrativa e muito bem explicado. Na real que da pra ficar horas falando sobre esse disco, questões técnicas e questões filosóficas. Parabéns!!
Muito legal! Gostei muito! Parabéns!!
Análise perfeita do álbum mais perfeito de todos os tempos. Parabéns pelo texto.
Show, legal saber da relação das músicas e o sentido que elas trazem
André,
Parabéns pelo trabalho! Este disco é sensacional! E também é muito bom ler boas reflexões a respeito dele!
Em acréscimo, vai uma viagem minha: imagino que Any Colour You Like tenha a ver com escolhas e opiniões. Li que esta música – que ficou sem letras – foi composta – ou inicialmente composta – na ausência de Waters.
Abraço!