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“End of the Century”, o álbum da caótica parceria entre Ramones e Phil Spector

Acostumada a um ritmo de produção mais rápido, a banda não conseguia acompanhar a meticulosidade do produtor, que pode até ter apontado uma arma para os músicos

Uma parceria entre os Ramones e Phil Spector soaria improvável, mas chegou a acontecer em 1980. A banda optou por trabalhar com o famoso produtor em “End of the Century”, seu quinto álbum de estúdio, em busca de uma sonoridade mais acessível, até mesmo radiofônica. O objetivo foi alcançado, mas não sem muitos problemas.

Tendo em seu currículo trabalhos com artistas como Beatles, John Lennon, Ike & Tina Turner e The Ronettes, Spector também tinha interesse em gravar os Ramones. Em 1977, ele foi a um show da banda e se ofereceu para produzir o que viria a ser “Rocket to Russia”, o terceiro álbum dos caras.

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Na época, os músicos preferiram não mexer no time que estava ganhando: mantiveram a produção assinada por Tony Bongiovi e pelo ex-baterista Tommy Ramone. Mas três anos depois, o criador do método de produção “Wall of Sound” parecia ser a peça que faltava para que a banda ultrapassasse as fronteiras do punk rock em direção a uma sonoridade mais palatável.

A meticulosidade de Phil Spector em End of the Century

Quando as sessões de “End of the Century” começaram, os Ramones começaram a se dar conta do quão meticuloso e excêntrico Phil Spector poderia ser. Acostumados a fazer seus álbuns em poucos dias, os integrantes da banda se impressionaram no quanto o produtor demorava a analisar takes, ouvindo trechos de músicas por horas a fio.

Em entrevista para a Classic Rock, o baterista Marky Ramone relembrou o início dos problemas, surgidos na introdução de “Rock ‘n’ Roll High School” – música que os Ramones já haviam gravado para o filme de mesmo nome. Spector fez o guitarrista Johnny Ramone repetir o mesmo acorde por horas e horas, em um volume exageradamente alto.

“Eu entendia a atitude dele. Ele era do Bronx, eu era do Brooklyn. Nos dávamos muito bem e tínhamos uma boa relação. Mas ele tinha seu jeito de trabalhar, que era muito lento, e os Ramones tinham seu jeito de trabalhar, que era muito rápido. Então isso às vezes incomodava a todos e levou  a uma animosidade com Johnny e Dee Dee.”

O sequestro dos Ramones

É justamente do baixista Dee Dee Ramone, mais precisamente de sua autobiografia, que vem um dos relatos mais bizarros das sessões de “End of the Century”. Segundo ele, Phil manteve a banda como refém em sua casa por algumas horas, chegando a ameaçá-los com uma pistola. Outros integrantes têm versões diferentes da história, mas todos concordam que o produtor estava sempre armado.

“Ele colocou sua arma em meu coração e fez sinal para mim e os outros voltarmos para a sala do piano. Ele só guardou sua pistola quando sentiu que seus seguranças poderiam dar conta. Então sentou-se em seu piano preto e nos fez ouvi-lo cantar e tocar ‘Baby, I Love You’ até bem depois das 4h30 da manhã.”

Outras versões do caso dão conta de que o vocalista Joey Ramone teria sido mantido separado da banda, em outra sala, durante todo esse tempo. De fato, o cantor era o único músico dos Ramones que se dava bem com o produtor, por ser fã dos álbuns produzidos por ele nos anos 1960. Marky Ramone, por sua vez, alega que ninguém foi ameaçado, mas que Spector sempre portava uma arma.

Fim do século para Johnny?

Johnny Ramone foi quem mais teve problemas de relacionamento com o produtor durante as sessões. Spector parecia incomodado com o som da guitarra e as repetições de um único acorde.

A situação chegou a fazer com que Johnny abandonasse o estúdio em Los Angeles e voltasse para Nova York, decidido a sair da banda.

Foi necessária a intervenção de Ed Stasium, engenheiro de som que os Ramones fizeram questão de manter, e de Seymour Stein, então presidente da gravadora Sire Records. Em entrevista para a revista Uncut, Stasium relembrou o processo de reconciliação, explicando que isso marcou uma espécie de trégua entre músicos e produtor.

“Nos encontramos no quarto de Joey no Tropicana. Phil levou seu segurança para o caso de Johnny partir para cima dele. Eu disse a Phil que Johnny não poderia trabalhar daquela forma e Phil cedeu. Depois disso, as coisas foram bem mais rápidas.”

Joey Ramone e mais três?

Aos trancos e barrancos, “End of the Century” foi concluído. E mesmo assim há uma espécie de lenda cercando o disco, dizendo que o vocalista Joey Ramone é o único integrante da banda que tocou no álbum.

A base deste rumor é uma declaração de Dee Dee em sua autobiografia, onde ele deixa claro que Johnny não foi o único a abandonar as gravações.

“Estivemos trabalhando por pelo menos 14 ou 15 horas por dia, por 13 dias direto, e ainda não havíamos gravado uma nota de música… até hoje, eu ainda não tenho ideia de como eles fizeram o álbum ‘End of the Century’, ou quem de fato tocou baixo nele.”

A única certeza é que Joey está sozinho na faixa “Baby, I Love You”, cover dos Ronettes. De qualquer forma, mesmo com as gravações tumultuadas e saídas do estúdio em meio ao trabalho, o disco entregou o som mais pop que a banda procurava.

Phil Spector nunca mais

Em diversas oportunidades, os músicos dos Ramones (com exceção de Joey Ramone) deixaram claro que não gostaram do resultado final de “End of the Century”. Muito disso certamente é fruto do “trauma” da companhia de Phil Spector, mas as autocríticas também envolvem o repertório, composto pela própria banda.

Em entrevista de 1982, Johnny Ramone buscou resumir o que não deu certo na parceria com o lendário produtor. Ele deixou de fora todo o problema de relacionamento e citou apenas um perfeccionismo de Spector, que simplesmente não batia com a forma de trabalhar adotada pelo grupo.

“Trabalhar com Phil foi muito difícil porque eu acho que ele é um perfeccionista, então ele gosta de passar muito tempo refazendo coisas e reouvindo, e isso leva muito tempo. É muito difícil para nós. O rock and roll tem que ser muito espontâneo e um pouco mais rápido.”

Na mesma ocasião, Dee Dee Ramone foi mais direto ao explicar seu ponto de vista sobre o processo. Para ele, simplesmente não valeu a pena, especialmente quando se fala nos US$ 200 mil pagos a Spector pelo trabalho – o maior valor já gasto pelos Ramones em um álbum.

“Eu gosto que a beleza seja instantânea. Não trabalhada, não gosto que a música seja forçada. Eu acho que podemos apenas entrar em um estúdio, fazer isso e não ficarmos frustrados. Phil parecia estar frustrado conosco… ele não era o cara mais amigável. Ele tentou ser amigável, mas então ele tinha suas armas e não me deixou sair de sua casa por algum tempo.”

A repercussão de “End of the Century”

Os números realmente comprovam a posição do baixista. “End of the Century” até conseguiu o lugar mais alto nas paradas americanas para um disco dos Ramones, mas foi apenas uma discreta 44ª posição. No Reino Unido, a recepção foi melhor: uma boa 14ª colocação.

O problema maior estava nos singles. O cover “Baby, I Love You” e a própria “Do You Remember Rock ‘n’ Roll Radio?” foram divulgadas no formato, mas não emplacaram. A primeira faixa até entrou no top 10 dos charts britânicos, mas não repetiu a boa performance em outros países, enquanto a segunda obteve um baixo desempenho.

Na mesma época, curiosamente, a música “I Wanna Be Sedated”, lançada no disco anterior “Road to Ruin” (1978), foi reeditada para a trilha sonora do filme “Times Square”. Tornou-se o único single de platina da carreira do grupo nos Estados Unidos (e em qualquer outro país do mundo). Mas nem isso foi capaz de atrair atenção para “End of the Century” e alavancar suas vendas.

Embora seja o disco dos Ramones que conquistou as melhores posições nas paradas, “End of the Century” não reflete exatamente a essência da banda e também não conseguiu trazer as almejadas vendas para a banda. Uma pena.

Ramones – “End of the Century”

  1. Do You Remember Rock ‘n’ Roll Radio?
  2. I’m Affected
  3. Danny Says
  4. Chinese Rock
  5. The Return of Jackie and Judy
  6. Let’s Go
  7. Baby, I Love You (The Ronettes cover)
  8. I Can’t Make It on Time
  9. This Ain’t Havana
  10. Rock ‘n’ Roll High School
  11. All the Way
  12. High Risk Insurance

* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição por Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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