Como foi criado “Band on the Run”, o álbum definitivo dos Wings

Terceiro álbum da banda de Paul McCartney teve de ser gravado como um trio, em meio a problemas internos, roubos de fitas demo, golpe militar na Nigéria e mais

Os Beatles se separaram em 1970 e Paul McCartney ficou como o vilão da história para boa parte dos fãs e ex-colegas. Depois de dois álbuns solo e dois discos de sua nova banda, os Wings, o músico decidiu que tinha muito a provar com o próximo trabalho, o que o fez apostar alto em “Band on the Run” (1973).

Àquela altura, estava claro que Macca, mesmo acompanhado dos Wings – que incluía sua esposa, Linda McCartney –, ainda não tinha encontrado seu caminho na música pós-separação dos Beatles. Os ex-colegas e o antigo empresário, Allen Klein, ainda se digladiavam nos tribunais e a situação não era das mais amistosas.

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Mas um álbum relevante poderia mudar essa situação. Começa, assim, a nascer “Band on the Run”.

Novos ares para os Wings

Foi procurando esse diferencial que Paul McCartney decidiu que o próximo disco dos Wings, que viria a ser “Band on the Run”, seria gravado em Lagos, na Nigéria. A ideia era respirar novos ares, aproveitando as praias e o clima quente da região – apesar do país africano naquela época não estar em uma boa situação.

Antes de partirem, os Wings ainda tiveram duas baixas importantes. Literalmente dias antes, o guitarrista Henry McCullough e o baterista Denny Seiwell deixaram a banda. Com isso, apenas Paul, Linda e o guitarrista Denny Laine se aventuraram em Lagos, além de suas respectivas famílias e alguns roadies, todos em casas alugadas.

Em entrevista à revista Clash, em 2010, o ex-Beatle comentou sobre as saídas:

“Isso foi como uma bomba. Você pode me imaginar recebendo aquele telefonema: foi como, ‘ok, tente manter a calma… o que fazer… dane-se, nós vamos mesmo assim’. Foi um momento bem tipo: vou te mostrar, vou fazer o melhor álbum que já fiz agora. Vou me esforçar muito porque quero provar que não precisamos de vocês.”

Problemas na Nigéria

No início dos anos 70, a Nigéria não era um dos melhores destinos do mundo para se passear e fazer música. O país vivia tensões políticas e sofria a repressão de uma ditadura militar, com pobreza, doenças e muita violência. Mesmo assim, aquele foi o destino dos Wings, com uma agenda “invertida”: trabalho à noite, descanso de dia.

Como era de se esperar, o estúdio também não era grande coisa, o que dificultou o processo. Mas a situação realmente se complicou quando Paul e Linda foram assaltados na saída do local e perderam bolsas contendo cadernos, fitas e tudo relacionado às demos de “Band on the Run”, ainda em desenvolvimento. Em entrevista à NME, Macca relembrou:

“Deviam ser quatro ou cinco assaltantes e havia um pequeno com uma faca. Falamos: ‘oh, vocês não estão nos oferecendo uma carona, vocês estão nos roubando!’. Eu estava com todas as fitas da minha demo do álbum e eles levaram tudo. Tive que lembrar das músicas. Por sorte, consegui, pois não fazia muito tempo que eu as tinha composto.”

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Esse era apenas o primeiro problema. Outro dia, durante as gravações, Paul começou a passar mal com falta de ar, ficando pálido e com dificuldade para falar. Levado para fora do estúdio, no sol escaldante de Lagos, ele piorou e chegou a desmaiar. Linda tinha certeza de que o marido estava sofrendo um infarto. Levado ao hospital, o artista foi diagnosticado com espasmos nos brônquios, sintoma de excesso de cigarro.

Confroto com Fela Kuti e paz

Não bastassem todos os perrengues, os Wings ainda seriam confrontados por Fela Kuti. O músico e ativista, considerado o pai do Afrobeat, acusou publicamente McCartney e a banda de terem ido até a Nigéria para se apropriar da música africana. Em 1974, à Rolling Stone, o britânico relembrou:

“Tudo aconteceu porque estávamos gravando em Lagos. Depois fomos a dois lugares diferentes para gravar, apenas por diversão. Estivemos em Lagos e em Paris e nos dois lugares eles diziam: ‘Por que você veio aqui? Você tem estúdios muito melhores na Inglaterra ou nos EUA, você deve ser tapado!’. Respondíamos que era pela diversão, apenas para ir a um lugar diferente, para ter uma atmosfera diferente, só isso. Eles nunca parecem entender.

Acho que o velho Fela, quando nos encontrou em Lagos, também pensou isso. E a única coisa que ele conseguia pensar era que estávamos roubando a música negra africana, o som de Lagos. Falei: ‘por favor… estamos bem dessa forma, não estamos roubando sua música.’”

As diferenças foram resolvidas com uma visita de Fela Kuti a uma sessão dos Wings, onde foi mostrado a ele que não havia nada de música africana no novo disco. O artista havia tocado com o Ginger Baker’s Air Force, banda do ex-baterista do Cream e grande conhecedor da sonoridade africana.

Na época, Baker tinha um estúdio em Lagos – e as coisas só se acalmaram quando Paul e seus parceiros foram para lá. O próprio Ginger participou da música “Picasso’s Last Words”, tocando percussão em uma lata. Outras participações incluem o também percussionista Remi Kabaka, em “Bluebird” e o saxofonista Howie Casey.

Band on the Run: em fuga!

O Wings após “Band on the Run”. Da esquerda para a direita: Paul McCartney, Linda McCartney, Jimmy McCulloch, Denny Laine e Geoff Britton (foto: Michael Putland)

Sem Henry McCullough e Denny Seiwell, os Wings operou basicamente como um trio nas gravações de “Band on the Run”. Ao mesmo tempo em que tentava fazer o álbum de sua vida, Paul McCartney também se viu em uma encruzilhada com essa formação, precisando adequar algumas ideias que já tinha pré-concebido. À revista Clash, ele contou:

“Tivemos que pensar. Particularmente o método de gravação teria que ser diferente. Linda, Denny e eu só íamos para fazer uma faixa e pegar a base da música. Eu voltava depois e adicionava as partes que faltavam. Tinha que repensar o que fazia. As músicas em si eram as mesmas, foi a instrumentação e os arranjos que mudaram. Mas achei isso bom. Simplificar as coisas nunca é má ideia.”

Apesar do processo tumultuado, o Wings produziu aquele que é tido como um dos principais álbuns de qualquer um dos ex-Beatles. Além da faixa-título, foram lançadas como singles as clássicas “Helen Wheels” e “Jet” – nomeada por conta de um dos cães labradores que Paul e Linda tinham na época. Há ainda destaques como “Let Me Roll It” e “Bluebird”, mas dá para dizer que todo o disco é ótimo.

Capa do álbum “Band on the Run”, dos Wings

“Band on the Run” foi indicado a duas categorias do Grammy em 1975. Embora tenha perdido como Álbum do Ano, o disco venceu como Melhor Produção de Álbum Não-Clássico – função assinada pelo próprio Paul McCartney, tendo a colaboração do engenheiro de som Geoff Emerick, que trabalhou também com os Beatles.

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Ao todo, foram vendidas 3 milhões de cópias nos Estados Unidos e 300 mil no Reino Unido, com disco de platina nos dois países. O trabalho também alcançou boas posições em países da Europa, além da Austrália e do Japão. Em 2013, foi incluído no hall da fama do Grammy.

As vagas deixadas por Henry McCullough e Denny Seiwell foram ocupadas, respectivamente, por Jimmy McCulloch (guitarra) e Geoff Britton (bateria). O segundo não ficou por tanto tempo, sendo substituído por Joe English. De fato, a rotatividade de músicos nos Wings era alta – o cerne do projeto sempre foi Paul, Linda e Denny Laine.

O sucesso, claro, foi apenas consequência de um processo onde os Wings se reencontraram. À Clash, Paul McCartney refletiu de forma precisa:

“Acho que apenas nos tornamos uma banda melhor. Eu achei o som dos Wings, algo que estava tentando encontrar. Os álbuns que vieram depois disso ainda eram diferentes, mas como ficamos mais populares, descobrimos o que nossos fãs gostavam. Então esse é o seu estilo. É o que acontece com todas as bandas, inclusive os Beatles. Você começa imitando, testando.

[…] Lembro-me de Richard e Karen Carpenter me ligando para falar sobre ‘Jet’. Eram as últimas pessoa sna Terra que pensei que gostariam dessa música. Aquilo estava ressonando com as pessoas. Dave Grohl diz que esse álbum é um de seus favoritos. Enfim, o que fizemos foi encontrar nosso estilo.”

* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição por Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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