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O conceito por trás de “The Wall”, a complexa obra do Pink Floyd

História por trás do álbum é tão bem amarrada que inspirou lançamento de filme anos depois

O álbum duplo “The Wall” (1979) é uma das obras mais famosas do Pink Floyd, além de, certamente, ser seu trabalho mais complexo.

Lançado em 30 de novembro de 1979, o trabalho é uma ópera rock concebida pelo vocalista e baixista Roger Waters, influenciado por eventos de sua vida e na relação com os fãs e colegas de banda até aquele momento.

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Foi nesse período, inclusive, onde Waters se desentendeu com fãs em um show do grupo, chegando a cuspir em um deles. Nasceu, a partir desse episódio, o conceito de um “muro” (“wall”) que o separaria do resto do mundo.

Syd Barrett, ex-membro e fundador do Pink Floyd, também é uma fonte de inspiração para o trabalho, que foi concebido em um período onde brigas internas entre os integrantes – especialmente Waters e o vocalista/guitarrista David Gilmour – atingiram seu auge.

Em uma antiga entrevista à BBC, Roger explicou de onde surgiu a ideia para o trabalho, no fim das contas.

“Veio dos 10 anos de turnês, shows de rock, particularmente no período entre 1975 e 1977. Tocávamos para públicos muito grandes. Alguns eram nosso antigo público, mas a maioria deles só estava lá pela cerveja. Tornou-se uma experiência um tanto alienante. Notei que havia um muro entre nós e nosso público e então este álbum começou como uma expressão desses sentimentos.”

As sessões de gravação tiveram grande contribuição do produtor Bob Ezrin, ainda que Roger tenha adotado uma postura descrita como “ditatorial” ao longo do processo. Ironicamente, esse totalitarismo nas relações seria também explorado no álbum, que ganhou também um filme, também chamado “The Wall”, em 1982.

Entenda, a seguir, o conceito por trás do histórico álbum.

A queda de Pink

A trama de “The Wall” gira em torno de um personagem chamado Pink, um rockstar frustrado com suas experiências de vida – claramente inspirado pelo próprio Roger Waters. Ele relembra seus traumas com a morte do pai na Segunda Guerra Mundial na abertura “In the Flesh?”, um paralelo direto com a vida do músico real, já que seu pai morreu em um ataque à cidade italiana de Anzio, lutando ao lado dos Aliados em 1944.

Pink é criado apenas pela mãe, que age de forma bem superprotetora, como é indicado nas músicas “The Thin Ice” e “Mother”. Já em “Another Brick in the Wall Pt. 1”, posicionada entre as outras duas faixas mencionadas, o protagonista começa então a construir o muro que o separa do resto do mundo, em uma espécie de ato de autopiedade.

Sobre a relação com a mãe, Waters declara:

“Minha mãe era superprotetora, como a maioria das mães. Se você pode acusar as mães de álgo, é que elas tendem a proteger demais os filhos. Demais e por muito tempo. Isso é tudo. Mas ‘Mother’ não é um retrato da minha mãe, embora algumas das coisas ali se apliquem a ela.”

Os abusos cometidos por professores durante a infância de Pink são descritos em “The Happiest Days of Our Lives” e “Another Brick in the Wall Pt. 2”. São como novos “tijolos no muro”.

À BBC, ele explica:

“Minha vida escolar foi terrível. Era uma escola secundária de garotos. Alguns dos homens que eram professores lá eram muito legais. Não é uma generalização. Mas os caras maus podem realmente prejudicar as pessoas – e havia alguns na minha escola que eram incrivelmente maus e tratavam muito mal as crianças. Colocavam crianças para baixo o tempo todo, nunca encorajava a fazer as coisas, não ajudavam a criar interesse em nada. Era apenas sobre manter todo mundo quieto para ir à universidade e ‘se dar bem’.”

Mesmo adulto e casado, Pink tem problemas em seu relacionamento e continua a acumular “tijolos” em seu muro metafórico. Ao mesmo tempo, afunda-se nos vícios ligados à sua vida de rockstar e é traído pela esposa, como descrito em “Young Lust”.

O músico destaca:

“Aconteceu comigo, isso era típico de mim, mas eu nunca teria dito ou feito algo assim, pois estava com medo. ‘Young Lust’ era sobre deixar a escola e vagar pela cidade, indo a cinemas pornô, livrarias underground, estar muito interessado em sexo, mas nunca fui capaz de me envolver com isso por estar com muito medo. […] Adoro a forma como David Gilmour canta em ‘Young Lust’, mas é para ser um pastiche de qualquer banda jovem de rock and roll na estrada.”

Quando chegamos em “Goodbye Cruel World”, faixa que encerra o primeiro LP, o astro se isola em seu quarto de hotel e coloca o último tijolo no muro, agora completo.

Clímax, solução e ciclo

“Hey You” é a música que abre a segunda parte de “The Wall”. É quando Pink questiona sua própria decisão de construir o muro.

Ainda em depressão, o protagonista começa a se voltar para dentro de si. A partir daí, ele passa a ter devaneios sobre os tempos da Segunda Guerra Mundial e a morte de seu pai.

A “paz” do protagonista é interrompida quando seu empresário entra no quarto acompanhado de médicos, que lhe injetam uma droga para que consiga fazer o próximo show agendado. É sobre isso que trata “Confortably Numb”, baseada também em uma experiência de Roger Waters com sedativos e na experiência com os distúrbios psiquiátricos de Syd Barrett.

Em entrevista à BBC, Roger comenta:

“Depois de ‘Bring the Boys Back Home’, há um pequeno trecho com loop de fita. A voz do professor é ouvida novamente e você pode sentir a groupie dizendo: ‘você está se sentindo bem?’. Há a operadora de telefone dizendo: ‘há um homem respondendo’. Uma nova voz é introduzida. Alguém bate na porta e diz: ‘vamos, é hora de ir’. A ideia é que estão vindo para levá-lo ao show. Entram no quarto e veem algo errado, trazendo o médico. ‘Comfortably Numb’ é sobre o confronto com o médico. […] Já fiz shows onde estava bem deprimido, mas também fiz shows onde estava muito doente, de uma forma onde você não faria qualquer outro trabalho. Se você cancela em cima da hora, tem um grande prejuízo.”

Sob efeito de seus próprios pensamentos e das drogas, Pink faz o show em meio a alucinações de que seria um ditador fascista, que julga seu próprio público. O comportamento continua em “Run Like Hell” e “Waiting for the Worms”, que mostram o personagem se transformando no que matou seu pai no passado. Ele, então, pede para que tudo pare em “Stop”.

“The Trial” marca então o momento em que Pink se submete a julgamento por si próprio. Determina-se, então, que o “muro” seja derrubado. Somente em “Outside the Wall”, última faixa do álbum, ele se reintegra à sociedade e percebe que o isolamento não é a solução.

Ironicamente, as palavras finais da última música (“isn’t this where…” | “não foi daqui…”) fazem sentido quando unidas às expressões iniciais da primeira faixa (“…we came in?” | “que viemos?”). Elas formam a frase “isn’t this where we came in?” (“não foi daqui que viemos?”), dando a entender que toda a saga de Pink é um ciclo que se repete sem parar.

A respeito do final da obra, Waters diz:

“As drogas passam e em ‘Waiting for the Worms’ ele vai e volta de sua personalidade original, que é uma pessoa razoavelmente humana que está esperando os ‘vermes’ chegarem, está pronto para maltratar a todos – o que é uma resposta por ter sido maltratado e se sentir muito isolado. Mas no final de ‘Waiting for the Worms’, tudo é demais, então ele diz ‘pare’ – só não dá para ouvir.

[…] Mas ele diz: ‘estou esperando nesta cela de prisão porque tenho que saber, eu fui culpado todo esse tempo’. O juiz é uma parte dele, tanto quanto todos os outros personagens. Tudo o que ele se lembra são lembranças, memórias. No fim de tudo, quando seu julgamento é deixar de se isolar, é algo bom. E é uma ideia em ciclos.”

Pink Floyd e The Wall

Muitos têm “The Wall” como um trabalho solo de Roger Waters. Até certo ponto, é possível dizer isso.

A vida do baixista é tema central do conceito, incluindo seus principais traumas e desilusões. Não à toa, hoje em carreira solo, o músico executa de tempos em tempos o mesmo show que o Pink Floyd apresentou durante a divulgação do álbum, que também reconta a história.

Por outro lado, ainda que tenham sido limitadas pelo próprio Waters, as contribuições dos outros músicos são grandiosas. Não só David Gilmour, que brilha em faixas como “Comfortably Numb” e “Young Lust”, como também o baterista Nick Mason e o tecladista Richard Wright, com seus momentos de destaque. Até mesmo Bob Ezrin, que conduziu o processo e também ajudou nas composições e nos arranjos de orquestra, deve ser citado – quase como um quinto integrante.

“The Wall”, que fez enorme sucesso e vendeu mais de 18 milhões de cópias no mundo todo, marca a última vez em que a formação clássica do Pink Floyd trabalhou em estúdio. No álbum seguinte, “The Final Cut” (1983), o tecladista Richard Wright não participa. O próprio Waters sairia da banda em 1985 e nunca mais voltou. O quarteto se apresentou junto pela última vez em 2005, antes de Wright falecer, em 2008.

Fato é que Roger, David, Nick e Richard deixaram obras incríveis. “The Wall”, que parece retratar toda a vida de Waters, é uma delas. Não à toa, em entrevista à Folha de S. Paulo, ele declarou:

“‘The Wall’ não é algo construído, inventado. É a minha vida. Sou eu escrevendo sobre meus sentimentos e pensamentos.”

Pink Floyd – “The Wall”

Lado 1

  1. In the Flesh?
  2. The Thin Ice
  3. Another Brick in the Wall, Part 1
  4. The Happiest Days of Our Lives
  5. Another Brick in the Wall, Part 2
  6. Mother

Lado 2

  1. Goodbye Blue Sky
  2. Empty Spaces
  3. Young Lust
  4. One of My Turns
  5. Don’t Leave Me Now
  6. Another Brick in the Wall, Part 3
  7. Goodbye Cruel World

Lado 3

  1. Hey You
  2. Is There Anybody Out There?
  3. Nobody Home
  4. Vera
  5. Bring the Boys Back Home
  6. Comfortably Numb

Lado 4

  1. The Show Must Go On
  2. In the Flesh
  3. Run Like Hell
  4. Waiting for the Worms
  5. Stop
  6. The Trial
  7. Outside the Wall

Pink Floyd é:

  • Roger Waters – vocal, baixo, sintetizador, violão em “Mother” e “Vera”, guitarra em “Another Brick in the Wall, Part 3”, co-produção
  • David Gilmour – vocal, guitarra, violão, baixo, sintetizador, clavinete, percussão, co-produção
  • Nick Mason – bateria, percussão
  • Richard Wright – piano acústico e elétrico, órgão Hammond, sintetizador, clavinete

Músicos adicionais:

  • Bob Ezrin – produção, piano, órgão Hammond, sintetizador, arranjo orquestral, backing vocals
  • Michael Kamen – arranjo orquestral
  • James Guthrie – percussão, sintetizador, efeitos sonoros, co-produtor, engenheiro de som
  • Bruce Johnston – backing vocals
  • Toni Tennille – backing vocals em “In the Flesh?”, “The Show Must Go On”, “In the Flesh” e “Waiting for the Worms”
  • Joe Chemay – backing vocals
  • Jon Joyce – backing vocals
  • Stan Farber – backing vocals
  • Jim Haas – backing vocals
  • Jeff Porcaro – bateria em “Mother”
  • Children of Islington Green School – vocais de coral em “Another Brick in the Wall Part II”
  • Joe Porcaro – caixa de bateria em “Bring the Boys Back Home”
  • Lee Ritenour – guitarra base em “One of My Turns”, violão adicional em “Comfortably Numb”
  • Joe (Ron) di Blasi – violão erudito em “Is There Anybody Out There?”
  • Fred Mandel – órgão Hammond em “In The Flesh?” e “In the Flesh”
  • Bobbye Hall – congas e bongôs em “Run Like Hell”
  • Frank Marocco – concertina em “Outside the Wall”
  • Larry Williams – clarinete em “Outside the Wall”
  • Trevor Veitch – bandolim em “Outside the Wall”
  • Orquestra de Nova York – orquestra
  • Ópera de Nova York – vocais corais
  • Vicki Brown e Clare Torry (creditada simplesmente como “Vicki & Clare”) – backing vocals em “The Trial”
  • Harry Waters – voz de criança em “Goodbye Blue Sky”
  • Chris Fitzmorris – voz masculina ao telefone
  • Trudy Young – voz da groupie
  • Phil Taylor – efeitos sonoros

* Texto por André Luiz Fernandes e Igor Miranda, com pauta e edição por Igor Miranda.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

7 COMENTÁRIOS

  1. Li algumas matérias que Richard Wright foi afastado da criação e concepção do The Wall que culminou com sua expulsão da banda durante as gravações de The Wall. Mas depois retornou ao shows. Anos depois em entrevista David Gilmour declarou que ele teve que tocar muitos dos teclados do álbum devido a falta de comprometimento do Wright.

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