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Como o MTV Unplugged do Nirvana marcou o adeus de Kurt Cobain

Ninguém sabia àquela altura, mas o acústico funcionaria como uma despedida da banda - e até pareceu ter sido feito com essa intenção

Em 18 de novembro de 1993, o Nirvana gravava seu show da série MTV Unplugged, no Sony Music Studios de Nova York, em um clima fúnebre. Embora a decoração do palco sugerisse isso, a verdade é que, naquela altura, ninguém fazia ideia de que quando o show fosse lançado um ano depois, em 1º de novembro de 1994, todos estariam vendo o canto do cisne de Kurt Cobain.

Na mídia, o frontman do Nirvana já se tornava notícia por conta de seus demônios interiores, que se exteriorizavam com alguma frequência. No palco, porém, tudo parecia dentro dos conformes.

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O Nirvana havia acabado de lançar seu terceiro álbum, “In Utero”, que seria o último. O guitarrista Pat Smear acabava ter sido efetivado no grupo, o que transformou o trio em um quarteto – e deu mais consistência à sua sonoridade ao vivo.

Para o show no MTV Unplugged, a banda contou ainda com a violoncelista Lori Goldston, além das participações de Cris e Curt Kirkwood, do Meat Puppets, em 3 músicas da própria banda tocadas em sequência. São alguns dos detalhes que ajudaram a tornar aquela noite memorável – mas não foram os únicos motivos para isso.

Velas e lírios brancos

Todos os palcos do MTV Unplugged recebiam um tratamento especial de acordo com o artista que iria se apresentar. Com o Nirvana, claro, não foi diferente.

Tom McPhillips foi o encarregado do cenário e seu projeto foi apresentado aos membros da banda pelo produtor Alex Coletti, que contou ao The Ringer sobre os detalhes adicionados pelo próprio Kurt Cobain.

“Mostrei para Kurt e ele disse: ‘eu quero um monte de flores’. Disse ‘ok, ótimo’, e ele falou: ‘quero velas e lírios’. Perguntei: ‘como num funeral?’. E ele: ‘sim, exatamente’.”

Coletti garante que a conversa não conteve nenhuma conotação negativa, principalmente considerando que Cobain cometeria suicídio meses depois. McPhillips encomendou as flores e na dificuldade de encontrá-las em grandes quantidades, mandou fazer algumas com tecido, misturando com as flores naturais.

Estava montado, assim, o fúnebre palco do espetáculo.

Os ensaios para o MTV Unplugged

Uma semana antes da apresentação acústica, o Nirvana fez um show elétrico normal em Nova York, no antigo Coliseum.

Obviamente, os produtores do MTV Unplugged estavam presentes. Eles estavam preocupados se a banda conseguiria adaptar as músicas para o formato “desplugado” – especialmente Dave Grohl, baterista famoso por ter o que se chama de “mão pesada”.

De fato, a vida do Nirvana não foi fácil durante os ensaios. Ao todo, foram só dois dias, mas o período foi conturbado por algumas razões. Primeiro, pelos receios dos produtores com relação à adaptação ao formato terem se tornado parcialmente reais. Segundo, porque um Kurt Cobain em abstinência das drogas era uma figura difícil de se trabalhar junto – o vocalista quase não apareceu para ensaiar no segundo e último dia.

Feitos os ensaios, algumas pontas soltas ainda ficaram. Com medo da força de Grohl no formato acústico, que exige uma pegada mais leve do baterista, Alex Coletti o presenteou com baquetas acústicas, que geralmente suprimem o som da batida. O baterista não ficou tão empolgado com o presente, mas pareceu ter gostado no fim das contas.

Já Cobain teve dificuldades com o conceito de acústico – algo novo naquela época. O frontman fez questão de que o som de seu violão, já modificado para obter maior ganho na captação, saísse de um amplificador Fender que ele normalmente usava. A solução foi “disfarçar” o amplificador como monitor de retorno, para que ele pudesse ficar no palco sem estragar a experiência acústica da banda e do público.

O repertório do Nirvana

O setlist escolhido pelo Nirvana para o show também acabou causando choque, talvez mais do que o visual fúnebre do palco.

O MTV Unplugged era geralmente usado por artistas para promover seus álbuns mais recentes junto dos hits. Esperava-se que o set do Nirvana fosse baseado em “In Utero”, com os sucessos de “Nevermind”, mas não foi isso que aconteceu. Charles R. Cross, biógrafo de Kurt Cobain, fala sobre isso:

“Eles tocaram seis covers, quatro músicas de “Nevermind”, três de “In Utero” e uma de “Bleach”. Eu me arrisco a dizer que não existe um Unplugged feito por ninguém na história dessa série que foi tão focado em material do qual eles não poderiam necessariamente lucrar. Não foi feito para gerar um hit de rádio. Não foi feito para alavancar uma música.”

A única música de “Bleach”, disco de estreia da banda, foi justamente a primeira do set: “About a Girl”. Kurt Cobain a anunciou de forma bem humorada, dizendo que ela vinha de um álbum que provavelmente ninguém tinha.

As faixas oriundas de “Nevermind”, por sua vez, eram menos conhecidas. Apenas “Come As You Are” era um hit, enquanto “On a Plain”, “Polly” e “Something in the Way” só eram conhecidas pelos fãs que realmente pararam pra ouvir o disco na íntegra. Já de “In Utero”, nada de “Heart-Shaped Box”: rolaram “All Apologies”, “Dumb” e “Pennyroyal Tea”.

Covers lado B

Os covers também foram motivo de certa discórdia. Três deles não geraram problema: “Jesus Doesn’t Want Me for a Sunbeam”, do The Vaselines; “The Man Who Sold the World”, de David Bowie (em uma das melhores performances do show); e “Where Did You Sleep Last Night”, de Lead Belly (que encerrou o show).

No entanto, havia mais três, todos eles do Meat Puppets. Tocados em sequência, eles marcavam o momento da participação de Cris e Curt Kirkwood, dois dos heróis de Cobain. A MTV, porém, era contra.

Os executivos esperavam que o grupo convidasse nomes de peso da época, como o Pearl Jam, mas isso não ocorreu. Curt Kirkwood conta como surgiu o convite, ainda durante a turnê de “In Utero”.

“Eles nos pediram para sair em turnê com eles em 1993. Estávamos em turnê por alguns dias e começamos a conhecer os caras, começamos a conhecer Kurt e então uma noite ele disse que eles iam fazer a coisa do Unplugged. E perguntou se eu e meu irmão queríamos tocar, porque eles gostariam de tocar algumas das nossas músicas. Claro que eu disse: ‘sim, parece ótimo’. Foi assim que começou.”

Confira, a seguir, a lista completa de músicas que o Nirvana toca em seu show no MTV Unplugged.

  1. About a Girl
  2. Come as You Are
  3. Jesus Doesn’t Want Me for a Sunbeam (The Vaselines cover)
  4. The Man Who Sold the World (David Bowie cover)
  5. Pennyroyal Tea
  6. Dumb
  7. Polly
  8. On a Plain
  9. Something in the Way
  10. Plateau (Meat Puppets cover, com Meat Puppets)
  11. Oh, Me (Meat Puppets cover, com Meat Puppets)
  12. Lake of Fire (Meat Puppets cover, com Meat Puppets)
  13. All Apologies
  14. Where Did You Sleep Last Night? (Lead Belly cover)

O show e o que ele representa

A apresentação do Nirvana no Sony Music Studios, em Nova York, acabou entrando para a história pelos melhores e piores motivos.

Em uma noite inspirada, apesar de todo o nervosismo envolvido, o Nirvana entregou uma apresentação única. Por fugir do convencional, a banda conseguiu surpreender a todos. Todos os integrantes soavam bem e os detalhes técnicos operaram perfeitamente – tanto que sequer foi necessário repetir a performance de qualquer música, em um feito raro que só foi repetido por Crosby, Stills & Nash e Live.

O estigma negativo ficou por conta do fato de que 5 meses depois do show, no dia 5 de abril de 1994, Kurt Cobain cometeria suicídio, o que pôs fim à banda. O show foi lançado em CD e VHS com o título de “MTV Unplugged in New York” em 1º de novembro de 1994, um ano após as gravações e cerca de 7 meses após a morte do frontman.

Com isso, o clima fúnebre sugerido pelo próprio Kurt Cobain, o setlist escolhido de forma específica e até mesmo a forma como as músicas soavam em formato acústico acabaram ganhando um significado diferente. De repente, parecia que aquele era o funeral de Kurt Cobain, mas com a presença do próprio, ainda tão recente na mente de todos.

Embora não tenha sido o show final do Nirvana, a apresentação no MTV Unplugged acaba por representar a despedida do Nirvana, de certa forma, pois foi a ocasião final em que o grande público pôde ver Kurt.

Até mesmo pelas circunstâncias, mas não só por causa delas, a versão lançada em formatos físicos foi um enorme sucesso de vendas. Obteve primeiros lugares em vários países e recebeu certificação de disco óctuplo de platina nos Estados Unidos, devido às 8 milhões de cópias comercializadas. No Brasil, o número também foi expressivo: mais de 250 mil unidades.

Números à parte, o show feito pelo Nirvana no MTV Unplugged foi histórico.

* Texto por André Luiz Fernandes, com pauta e edição de Igor Miranda.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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