O Barão Vermelho sempre foi uma banda de rock. Não se nega isto. Entretanto, a fase mais rock n’ roll, ou, talvez, mais visceral da banda está representada em dois discos lançados no início da década de 1990: “Supermercados da vida” (1992) e “Carne crua” (1994).
Com a saída de Cazuza, o Barão Vermelho perdeu público. Roberto Frejat assumiu os vocais e cumpriu bem a função, só que os primeiros discos lançados com Frejat como frontman não venderam bem: “Declare Guerra” (1986), “Rock’n Geral” (1987) e “Carnaval” (1988). Faltaram, também, bons repertórios nesses álbuns.
“Na Calada da Noite” (1990) fez o Barão Vermelho voltar aos holofotes, graças aos sucessos “Tão Longe de Tudo” e “O Poeta Está Vivo” e, queira ou não, a morte de Cazuza, no mesmo ano de lançamento do disco. A pegada do grupo também mudou um pouco por aqui, deixando de lado a produção chamativa típica dos anos 80 e apostando em algo mais clean. Há, ainda, uma orientação mais pop rock, com violões dividindo espaço com guitarras por aqui.
A formação do Barão Vermelho no início da década de 1990 já não era a mesma de anos anteriores. Fernando Magalhães foi oficializado como guitarrista, em 1989, após ter gravado “Carnaval” como convidado. No mesmo ano, o percussionista Peninha entrou para a banda e o baixista Dé Palmeira saiu, dando lugar a Dadi Carvalho (ex-Novos Baianos). Dadi gravou “Na Calada da Noite”, mas não durou para a fase mais roqueira do Barão, representada nos dois discos seguintes.
Já com Rodrigo Santos (ex-Leo Jaime e Lobão) no baixo e Maurício Barros de volta aos teclados (ele havia saído em 1987), “Supermercados da vida” chegou às lojas em 1992. A proposta é, ao mesmo tempo, mais roqueira e, ao mesmo tempo, experimental.
Em boa parte das faixas, nota-se a pegada classic rock, no melhor estilo Rolling Stones, e bluesy, com as guitarras na linha de frente. Por outro lado, faixas como a quase jazz “Comendo Vidro”, a quase valsa “Sombras no escuro”, a funky “Fios elétricos” (com Clemente, do Inocentes, na guitarra) e a intensa “Fogo de palha” evidenciam um Barão diferente. Até a balada “Flores do mal” traz algo diferente: a sanfona do lendário Sivuca, falecido em 2006.
Outros dois destaques de “Supermercados da vida” estão nas composições e na produção. As ótimas letras foram feitas não só por Roberto Frejat, mas também por Guto Goffi – naquela época, o baterista estava cada vez mais presente na lista de créditos autorais. A produção, por sua vez, foi assinada por George Marino, que já trabalhou com Queen, Aerosmith, AC/DC, Led Zeppelin e outros. Não à toa, os timbres soam tão bem definidos.
Após turnê de divulgação, o Barão Vermelho voltou ao estúdio para gravar “Carne crua”. O disco, lançado em 1994, mantém a mesma ideia do anterior: pegada roqueira com momentos de experimento.
Músicas como a faixa título, “Rock do vapor” e “Vida frágil” caminham pelos lados do classic rock, com as guitarras na cara. Já momentos como a suingada “Sem dó”, com seu curioso final dissonante, a funky “Pergunte ao Tio José”, composta por Frejat e Raul Seixas), a tradicional “Daqui por diante”, com direito a sopros e teclados em evidência, dão um tom diferenciado ao disco.
Infelizmente, esse período não representou tanto êxito comercial para o Barão Vermelho. As críticas foram ótimas, mas a recepção foi apenas mediana. Quando entrevistei Frejat para o Correio de Uberlândia, em 2014, ele falou sobre o período em que “Supermercados da vida” e “Carne crua” foram lançados.
“Eu acho que esses discos saíram num momento em que o rock saiu da frente da mídia, pois entraram em cena o sertanejo, o axé, e o pagode como uma afirmação de ritmos populares que queriam se ver nas telas das TVs. O pop rock dos anos 80 foi claramente construído por uma classe média urbana que começou a perder espaço na cara do país dali em diante. Apesar disso, a turnê do ‘Carne crua’ foi uma das maiores que fizemos, pois durou dois anos”, disse.
A banda só voltou mesmo a ter um hit no disco seguinte, “Álbum” (1996), composto apenas por covers. A versão diferenciada para “Vem quente que eu estou fervendo” bombou e abriu alas para que o grupo experimentasse ainda mais em “Puro êxtase” (1998), que flerta com o soul e até o eletrônico.
O Barão Vermelho encerrou suas atividades pela primeira vez em 2001. A volta às origens roqueiras só ocorreu depois que a banda retomou sua carreira, em 2004, com o disco autointitulado.
“Carne crua” e, em especial, “Supermercados da vida”, permanecem intocáveis na discografia do Barão Vermelho, em minha opinião. Merecem ser ouvidos com atenção.
“Supermercados da vida” (1992)
Faixas:
1. Fúria e folia (Frejat, Jorge Salomão)
2. Odeio-te, meu amor (Guto Goffi, Ezequiel Neves)
3. Pedra, flor e espinho (Fernando Magalhães, Frejat, Dulce Quental)
4. Flores do mal (Guto Goffi, Ezequiel Neves)
5. Azul, azulão (Frejat, Guto Goffi, Jorge Salomão)
6. Fogo de palha (Frejat, Dulce Quental)
7. Fios elétricos (Frejat, Clemente)
8. Supermercados da vida (Frejat, Jorge Salomão)
9. Sombras no escuro (Frejat, Guto Goffi)
10. Cidade fria (Fernando Magalhães, Guto Goffi)
11. A noite não acabou (Peninha)
12. Comendo vidro (Guto Goffi, Jorge Salomão)
13. Portos livres (Frejat, Dulce Quental)
14. Marcas no pescoço (Mimi Lessa, Chacal)
Músicos:
Roberto Frejat (vocal, guitarra, violão)
Fernando Magalhães (guitarra, violão)
Rodrigo Santos (baixo, coro em 4)
Guto Goffi (bateria)
Peninha (percussão)
Maurício Barros (teclados)
Músicos adicionais:
Guilherme Arantes (piano em 2)
Sivuca (acordeão em 4)
Paulinho Moska (coro em 4)
Marcelinho da Costa (coro em 4)
Clemente (guitarra em 7)
Zeca Assunção (baixo acústico em 12)
Jorjão Barreto (piano em 12)
Mimi Lessa (guitarra em 14)
“Carne crua” (1994)
Faixas:
1. Carne crua (Guto Goffi, Fernando Magalhães, Peninha)
2. Meus bons amigos (Guto Goffi, Mauricio Barros, Fernando Magalhães)
3. Daqui por diante (Frejat, Guto Goffi)
4. Sem dó (Frejat, Dulce Quental)
5. Pergunte ao Tio José (Frejat, Raul Seixas)
6. Guarda essa canção (Frejat, Dulce Quental)
7. Seremos macacos outra vez (Guto Goffi, Frejat)
8. Não me fuja pelas mãos (Frejat, Luiz Melodia)
9. Vida frágil (Rodrigo Santos, Frejat, Dulce Quental)
10. Rock do vapor (Peninha, Fernado Magalhães, Mauricio Barros)
11. O inferno é áqui (Guto Goffi, Mauricio Barros)
Músicos:
Roberto Frejat (vocal, guitarra, slide guitar, cowbell em 5)
Fernando Magalhães (guitarra)
Rodrigo Santos (baixo)
Guto Goffi (bateria)
Peninha (percussão)
Maurício Barros (teclados)
Músicos adicionais:
Zeca Jagger (voz adicional)
Chacal (tabla em 2, caixa e agogô em 4)
Serginho Trombone (trombone em 3 e 9)
Bidinho (trompete em 3 e 9)
Márcio Montarroyos (trompete em 3 e 9)
Zé Carlos (sax tenor em 3 e 9)
Léo Gandelman (sax barítono em 3 e 9)
Cazinha (repinique em 4)
Zizinho (pandero em 4)
Frank (cowbell em 5)
Guilherme (cowbell em 5)
Paulo Junqueiro (cowbell em 5)
Marcelo Lobato (samplers em 7)
Beto Saroldi (sax tenor em 7)
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O nome do músico saxofonista em “Seremos Macacos Outra Vez”, do disco ‘Carne Crua’ é “Beto Saroldi” e não “Beto Seroldi” como está escrito neste artigo.