Suicidal Tendencies encerra com união total o Esquenta Rockfun Fest em SP

Inocentes e Korzus se destacam em festival que acerta na escolha das bandas, apesar de problemas técnicos em demasia

No Dia “Mundial” do Rock, a capital do estilo no hemisfério sul — tanto pelas bandas que viu nascer quanto pelos eventos que em São Paulo ocorrem — ganhou um festival gratuito para a celebração. O RockFun Fest teve como atração principal os americanos do Suicidal Tendencies. A lista de artistas que os antecederam faz com que se aplique aqui a observação feita por Diego Garcia em relação à estreia da turnê “Nós Somos Família” no Rio de Janeiro na sexta-feira (12): a ótima curadoria, lá feita pelas produtoras Estelita, Demétrio e Rider2, aqui pela Funlive.

A resolução de mistérios burocráticos relacionados à confirmação e à localização do acesso por parte da imprensa — o e-mail efetivando o credenciamento chegou quando o evento já havia até começado — fez com que não fosse possível conferir os shows das bandas Rockfun Legends e Corja!. Apesar disso, tudo foi resolvido.

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Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

O público, que não teve problema algum de acesso, já havia chegado e enchia as áreas próximas ao palco quando chegou a hora do show do Inocentes.

Inocentes

“Direto da Sala dos Professores, uma das maiores bandas de punk rock do universo” foi como Chuva, carismático mestre de cerimônias e apresentador do evento, anunciou o Inocentes. O quarteto paulista está em atividades há mais de 40 anos sem interrupção – recentemente lançaram um EP acústico “Não Acordem a Cidade”.

A apresentação, contudo, foi elétrica e descontraída. Problemas de som logo na primeira música, “Nada Pode Nos Deter”, ter de recomeçar “Expresso Oriente” porque o vocalista e guitarrista Clemente Nascimento esqueceu a letra… tudo foi motivo para risadas e piadas. O povo também não se abalou e agitou o tempo todo, fosse durante a música nova, “Eu Vou Ouvir Ramones”, cantada pelo guitarrista Ronaldo Passos, ou durante a saraivada de clássicos. Desses últimos, o Inocentes tem dos dois tipos, os próprios por autoria (como “Cala a Boca”, “A Cidade Não Para” ou por versões consagradas.

“São Paulo” é uma delas: original da banda 365, mas com gravação produzida pelo próprio Clemente, então está tudo em casa. “Restos de Nada” vem da banda homônima, primeiro grupo punk do Brasil, cujo vocalista Ariel Uliana, que atualmente faz parte do Invasores de Cérebros, foi lembrado com um “viva, Ariel!” pelo ex-colega e autor da música, Clemente. O baterista Nonô assumiu o microfone para homenagear Nelson Brito, baixista do Golpe de Estado, que faleceu na última sexta (12).

Ao fim, o baixista Anselmo “Monstro” Carlucci inicia “Pânico em SP”. Ela sempre segue “Pátria Amada” nos shows do Inocentes e essa dobradinha é um dos momentos mais poderosos já produzidos no rock nacional. Dessa vez não foi diferente. A cantoria e a agitação poderiam levantar a questão óbvia sobre a razão que teria feito colocar tão cedo (início às 13h50) uma banda do quilate do Inocentes. Mas o próprio Clemente, em meio ao show, disse que tiveram de antecipar o horário da apresentação em função de compromisso que ele teria com o Plebe Rude no mesmo dia.

Repertório — Inocentes:

  1. Nada Pode Nos Deter
  2. Nada de Novo no Front
  3. A Cidade Não Para
  4. Rotina
  5. Expresso Oriente
  6. Garotos do Subúrbio
  7. Ele Disse Não
  8. Eu Vou Ouvir Ramones
  9. São Paulo
  10. Aprendi a Odiar
  11. Medo de Morrer
  12. 4 Segundos
  13. Miséria e Fome
  14. Restos de Nada
  15. Desequilíbrio
  16. Cala a Boca
  17. Pátria Amada
  18. Pânico em SP

Cali

Em determinado momento do show do Cali, o vocalista Egypcio agradeceu aos organizadores pela oportunidade por tocarem para um palco e público maiores do que costumam. Sinal dos tempos. Ao contrário do Urbana Legion, tributo ao Legião Urbana, e o tributo ao Charlie Brown Jr. de que ele participa ao lado de músicos que fizeram parte da banda original, o Cali é uma banda com repertório próprio, fortemente influenciada pelo Red Hot Chilli Peppers.

Tais canções até apareceram, mas os covers imperaram. Acompanhado por excelentes músicos: Leo Rota na guitarra, Junior Bazz no baixo e um baterista que permanecerá inominado por falta de qualquer registro ou comunicado que indicasse quem substituiu Bruno Graveto, o titular da posição, ausente por compromisso no Amapá com o mesmo tributo ao Charlie Brown Jr.

Com esse time altamente capacitado, eles foram para todos os lados. Fora trechos de “Under the Bridge” (Red Hot Chilli Peppers) e “Bulls on Parade” (Rage Against the Machine), teve “A Cera” (dedicada ao Bolo, vocalista do Surto, falecido em abril), “Holiday” (Turnstile), “Refuse/Resist” (Sepultura) e algumas do Charlie Brown Jr, como “Liberdade Acima de Tudo”.

A combinação não fez sentido, mas caiu muito bem entre o público, que agitou durante o clássico do Sepultura e continuou pogando quando, imediatamente na sequência, veio “Pula”. Não faltaram músicas do Tihuana, banda de que ele é ex e atual vocalista – também no sábado (13) eles anunciaram uma turnê de reunião de 25 anos.

Egypcio tem facilidade de cantar tons altos e um carisma que combina, ou não conflita, com os diferentes aspectos de estilos tão díspares. E experiência também, que ajudou a contornar um problema técnico na última música, versão hardcore da tradicional canção italiana “Bella Ciao”, bem quando o povo acompanhava o vocalista à capella. Júnior Bazz havia descido para tocar junto ao povo da grade e o amplificador da guitarra parou de funcionar. O anticlímax foi contornado com uma versão voz e baixo de “Céu Azul” (Charlie Brown Jr), que não entusiasmou a plateia, mas ajudou a passar o tempo até que a festa caminhasse para o fim conforme planejado.

Korzus

O Korzus manteve a pontualidade, bem como problemas no som da guitarra — o sorteado desta vez foi Heros Trench —, e fez uma apresentação aclamada. Pareceu conquistar fãs novos, para além da base fiel, que acompanhou cantando “Never Die”, “Vampiro”, “Catimba”, “Discipline of Hate”, “Respect”, “Correria”, “Guerreiros do Metal”, entre outros — algo que pareceu ocorrer também com o Inocentes mais cedo.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Também como o grupo punk, Marcello Pompeu mostrou estar com a voz intacta. Jean Patton na outra guitarra e o baixista Dick Siebert tocaram como se não houvesse amanhã. O baterista Rodrigo Oliveira também, mas para ele teve não um “amanhã” e sim um “daqui a pouco”: o kit de bateria, uma Pearl branca gigante, nem chegou a ser desmontado, pois ele também faria o problemático show do Oitão na sequência.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Oitão

Henrique Fogaça (vocal), Ciero (guitarra), Ricardo Quattrucci (guitarra) e Tchelo Martins (baixo) completam ao lado de Rodrigo Oliveira o time que subiu ao palco, último antes da atração principal. O grupo paulista de hardcore subiu mascarado e vestido de preto em um palco muito mal iluminado, fora a redução na potência do som que saía do palco para a plateia.

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Ou seja: foram mal ouvidos. Até os pedidos do Ciero para que agitassem mais, falando ou gesticulando, foram ignorados por motivos técnicos.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Não tinha como ser por má vontade. Um segundo vocalista, Serjão, cantou com Fogaça “Borderless”, parceria originalmente gravada com o Brujeria. A voz dele ficou inaudível para quem estava lá durante toda a música.

Então, a plateia se viu perante uma banda que mal podiam ver tocando um repertório que não conseguiam identificar. A banda, por seu lado, foi ficando gradativamente hostil com um público atipicamente apático, gritando “VOCÊS ESTÃO COM SONO?” a cada intervalo.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

“Pobre Povo”, “Trevas”, “4º mundo”, “Proteste”, “Podridão Engravatada”, “Doença”… e a comunicação continuava prejudicada. Com um cover de Ratos de Porão, “Vida Ruim”, houve resposta positiva e rodas foram formadas.

Antes de “Tiro Na Rótula”, integrantes do motoclube “Insanos” foram chamados por Fogaça ao palco para ficarem de braços cruzados na beira do palco. “Chacina, Terror e Sangue” encerrou a apresentação sem que o dissabor houvesse se dissipado totalmente.

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Suicidal Tendencies

Quase uma hora antes do show de fato começar, os guitarristas Dean Pleasants e Tim Stewart, o baixista Tye Trujillo e o baterista Jay Weinberg subiram ao palco sem qualquer alarde (fotos do momento abaixo). A banda principal do festival, à exceção do vocalista Mike Muir, passava o som cuja configuração apresentava problemas desde cedo, ainda não resolvidos.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages
Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

O grupo chegou a sair do palco, pareceu que o show ia começar, mas foi um alarme falso. Quem mais teve dificuldade em atingir um nível satisfatório foi Dean, primeiro com o volume do retorno e, depois, com o amplificador.

Com os problemas parcialmente resolvidos, a banda saiu do palco e voltou correndo como se fosse a primeira vez que estivessem ali, já na atitude de atração principal, tocando “You Can’t Bring Me Down”.

O caos tomou conta. O Suicidal Tendencies é uma banda de influência e base de fãs tão grande quanto discreta. É quando eles sobem no palco que fica evidente o quanto de gente fanática existe por eles, embora não se veja tantas camisetas por aí.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

E é enquanto Mike Muir toma impulso no canto do palco para correr com cara de susto pelo palco que o instrumental mostra o tanto que bandas como Rage Against the Machine, Charlie Brown Jr., Raimundos e mesmo o Turnstile devem a eles. Fora o bom humor, como quando Muir apresenta o Pleasants, dizendo que ele é de uma cidade pequena perto de Brasília. Ali, disse Mike, “você vira à direita, vai para a praia, depois passa pela Amazônia e corre um pouco e, pronto, você chega na cidade dele”… no estado americano do Texas.

A intimidade com o Brasil continua na menção da honra que Mike faz ao Planet Hemp, com quem tocou “War Inside My Head” no Espaço Unimed. E atinge o auge em “Nós Somos Família”, versão em português de “We Are Family”. Os vocais aqui foram assumidos por Haru Cage (Corja), Mayara Puertas (Torture Squad), Yasmin Amaral (Eskröta), Antônio Novato (canal Lado Direito do Palco), Egypcio (Cali), Alex Palaia (produtor), Milton Aguiar (Bayside Kings) entre outros.

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Curiosamente, não foi a maior invasão do palco. Em “Pledge Your Allegiance”, Mike Muir chama ao palco uma criança, que estava no pit da imprensa. Depois, chamou os pais. A partir daí, mais de uma centena de pessoas pularam grades de todos os lados e invadiram o palco a ponto de a banda ser impossibilitada fisicamente de conseguir tocar, ter de agarrar os instrumentos e pedais para sair e não voltar. Ainda que tudo fosse arrumado, o horário limite do Clube Esportivo Tietê havia sido atingido, 22 horas.

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Cerca de 20 minutos de atraso — o único do dia — se deram para o início do show do Suicidal Tendencies. Foi o suficiente para que duas músicas, inicialmente previstas no setlist impresso, não fossem tocadas: “Two Sided Politics” e “Institutionalized”. Ainda assim, tratou-se um show muito enérgico, para além da indiscutível excelência técnica.

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O entrosamento quanto ao fato de incorporar o espírito de uma estrutura underground, enxuta, de a pessoa ter de preparar seu próprio instrumento e ainda atender o público, parece ter a mesma força nos jovens quanto nos experientes Mike Muir e Dean Pleasants. Tinha tudo para não ser assim. Tye Trujillo participou da série “Stranger Things” e é filho do baixista do Metallica, Robert Trujillo. Jay Weinberg tocou no Slipknot e é filho de Max Weinberg, baterista do Bruce Springsteen.

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O Esquenta Rockfun Fest é uma preparação para o festival mesmo que deve acontecer em 31 de agosto, no Parque Ibirapuera, ainda sem atrações anunciadas. Até lá, será necessária resolver a questão do som, que prejudicou em algum grau todas as bandas. Para as pessoas que estavam mais ao fundo o som oscilou muito, ou seja, parecia que o som aumentava e baixa frequentemente, como se passasse por elas de tempos em tempos.

Fora isso, a experiência se deu de forma tranquila: é fácil comer e beber com tranquilidade e os banheiros, apesar de serem os químicos que parece que nunca foram limpos, são em quantidades satisfatórias. Resolvidos esses problemas, será muito bem-vindo um festival focado no underground com uma curadoria tão caprichosa.

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Suicidal Tendencies — ao vivo em São Paulo

  • Local: Centro Esportivo Tietê
  • Data: 13 de julho de 2024
  • Turnê: Nós Somos Família
  • Produção: Queremos!
  1. You Can’t Bring Me Down
  2. Lost Again
  3. I Shot Reagan
  4. Send Me Your Money
  5. War Inside My Head
  6. Memories of Tomorrow
  7. Freedumb
  8. Subliminal
  9. Possessed to Skate
  10. Lovely
  11. I Saw Your Mommy
  12. Cyco Vision
  13. How Will I Laugh Tomorrow
  14. Pledge Your Allegiance
Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

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Rolf Amaro
Rolf Amarohttps://igormiranda.com.br
Nasceu em 83, é baixista do Mars Addict, formado em Ciências Sociais pela USP. Sempre anda com o Andreas no braço, um livro numa mão e a Ana na outra.

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