...

Boris estreia no Brasil com peso, tensão e energia no talo

Atraso de mais de 1h para início do show do trio japonês prejudicou público que esgotou ingressos, mas saiu em boa parte antes do final; abertura do Siena Root não desagradou, nem convenceu

A espera pela estreia do Boris no Brasil — mais especificamente na Fabrique, em São Paulo — parecia não terminar nunca. Bastaram os segundos de ruídos darem lugar ao riff arrastado da música “Blackout” para desaparecer qualquer má vontade gerada pelo atraso de mais de uma hora num domingo. A lenta faixa de “Pink”, disco lançado vinte anos atrás e celebrado como a base principal do repertório na atual turnê, iniciou o show do trio japonês quando já passava das 22h30.

O público, antes, havia trocado a empolgação dos cânticos mal adaptados de estádios de futebol para alguns gritos mal educados e até vaias. Tudo mudou radicalmente durante a 1h50min na qual o trio japonês, sob intenso volume, variou da animação beirando um hardcore alucinado para melodias introspectivas, etéreas ou barulhentas.

- Advertisement -

O atraso para o seu início, porém, custou a muitos dos presentes o final do show, já beirando a meia-noite, quando o transporte público paulistano vira abóbora.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Siena Root

Já dava para perceber que a noite seria longa quando, às 19h30 — horário programado para a abertura das portas da Fabrique —, a casa ainda estava fechada. Da fila enorme na rua, o público que esgotou os ingressos podia ouvir os japoneses passando o som.

O atraso para liberar a entrada das pessoas foi curto. Todavia, os suecos do Siena Root pareciam ter problemas atrás das cortinas do palco enquanto faziam sua checagem final.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Programado para começar às 20h, o Siena Root subiu ao palco da Fabrique apenas uma hora depois. O som puramente setentista do quarteto sueco não combinou tão bem com o apelo da atração principal. A cantora e tecladista Zubaida Solid, que reclamou atrás das cortinas sobre seu retorno durante quase toda a espera e não parou depois do começo do show, variou sua atuação durante os 35 minutos de set sob volume intenso.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Em algumas músicas, como na faixa de abertura “Tales of Independence”, ela cantou atrás do seu instrumento, no canto do palco. Logo depois, em “Organic Intelligence”, movimentou-se empolgada no pouco espaço à frente da bateria da banda principal. Ela repetiria esse vai e vem ao longo da noite.

Assim, quem se comunicou mais com o público foi o baixista Sam Riffer. O instrumental, porém, foi conduzido mais pela interação entre o baterista Love Forsberg e o guitarrista Johan Borgström, com aquelas embromações no palco típicas dos shows de cinquenta anos atrás.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Não caiu tão bem assim com o público que esperava pelo Boris. Até havia palmas aos pedidos do baixista, mas na maior parte do tempo, porém, a plateia apenas contemplou a boa voz de Solid, principalmente em “Coming Home”, ou os solos de Borgström na jamzeira “Root Rock Pioneers”, que encerrou o set.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Boris

A Fabrique estava abarrotada e o pessoal, que antes entoava o tradicional “Olê olê olê Borês Borês” e o dedicado “Wata eu te amo!”, ficou bem incomodado com o atraso de mais de uma hora para a apresentação com início programado para 21h15 do domingo. A reação efusiva a cada vez que uma música terminava na playlist pré-show se transformava em vaias quando outra faixa começava.

Quando os três músicos japoneses, um por um, subiram ao palco sob ruídos estourando no sistema de som da casa, o mau humor foi desarmado pela cativante simpatia exibida por cada um ao seu modo. O volume, que parecia exagerado no show do Siena Root, ficou ainda mais adequadamente intenso — o mais alto que este repórter já presenciou na Fabrique.

Takeshi Ohtani, responsável pelos vocais principais da noite, empunhava sua guitarra/baixo de dois braços para alternar sua atuação como guitarrista rítmico ou baixista conforme a música, lembrava um Jimmy Page no canto esquerdo do palco.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Do lado oposto, em frente a uma parede de amplificadores Orange de onde saíam os principais riffs e melodias da noite, ficava Mizuno Yoko — a Wata pela qual o pessoal se declarou apaixonado minutos antes. Toda estilosa em bordô com sua jaqueta texturizada meio bufante, foi ovacionada nas poucas vezes que pegou o microfone e, com voz tímida, agradeceu o público.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

No centro do palco, o baterista Atsuo Mizuno, com uma calça e casaco de zebra, foi quem comandou o público e a apresentação. Além dos vocais de apoio, ele acionava os ruídos mais ensurdecedores enquanto erguia um pedal de distorção do alto de seu kit. Ao espancar seu gongo, deu início à viagem de 1h50min que o Boris finalmente proporcionou ao Brasil em sua estreia no país.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

O repertório baseou-se no disco “Pink”, lançado em novembro de 2005. Apesar de não ter sido reproduzido na íntegra, teve toda a sua variação de atmosferas representada no palco — tanto na parte musical quanto na iluminação, que alternou as cores berrantes e a escuridão quase completa. Logo de cara, o público nem parecia aquele tão impaciente de minutos antes quando acompanhou aos urros a demoníaca e arrastada “Blackout”.

Entre hipsters, punks, barbudos, calvos e cabeludos de gêneros variados, a Fabrique contou com boa presença de pessoas que mal tinham largado a mamadeira quando o celebrado disco veio ao mundo. A casa se tornou um pandemônio quando, a partir da faixa-título “Pink”, segunda da noite, por quase vinte minutos o Boris emendou as cinco canções mais rápidas do show, incluindo a primeira intrusa na festa, “Ibitsu”, extraída do álbum “Akuma no Uta” (2003).

A pista se dividia entre quem pulava e abria rodas, acompanhando a pulsação ou a velocidade de Atsuo na bateria, contaminado pelo volume emanado pelo trio no palco. A equalização do som sofreu por algum tempo até a frequência das distorções na guitarra de Wata deixar de ser atropelada pelo grave dominante do baixo de Takeshi.

Com dezenas de discos lançados, sem contar splits e EPs, dificilmente a carreira do Boris consegue não ser sub-representada num show. A partir de “A Bao a Qu”, porém, os japoneses se esforçaram para pelo menos mostrar um pouco de seus outros discos na meia-hora seguinte. Parte de uma imaginada trilha sonora lançada também em 2005 para um filme também existente apenas na mente doentia dos músicos, seu início etéreo colocou em xeque o transtorno de déficit de atenção de parte do público até se transformar num doom metal minutos depois.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Não ficaria mais fácil com “The Evilone Which Sobs”. Na viagem de quase um quarto de hora do álbum “Dronevil” — outro de 2005 —, a bateria praticamente explodiu para acordar o público da melodia singela e ruidosa, até chegar ao seu clímax de tensão com Atsuo liderando uma cadência arrastada e agressiva. Aos poucos, seu tema inicial de guitarra foi parcialmente retornado, assim como o ritmo do show voltou a ganhar velocidade.

Mais uma vez batendo sem dó no gongo atrás de seu kit de bateria, Atsuo introduziu a barulhenta “Akuma no Uta” que, depois de minutos de um andamento monolítico, trouxe um animado riff sabbáthico. Praticamente emendada veio a enérgica “Just Abandoned Myself”, retomando as músicas de “Pink”. Se a celebração ao disco aniversariante não acabou ali, os momentos de velocidade, sim.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Antes da arrastada “Farewell” pôr fim à primeira parte do repertório, Atsuo, empolgado, ainda comandou o ritmo dos gritos de guerra do empolgado público na ainda quente Fabrique. Se não estava tão lotada para a última de “Pink” na noite, havia pouco mais da metade da casa quando o trio voltou ao palco por volta das 23h30, alguns minutos depois de ter saído de cena.

“Flood”, epopeia de mais de uma hora lançada no disco de mesmo nome no ano 2000, foi representada numa versão com pouco além de vinte minutos no bis. Energia quase hardcore à parte, foi suficiente para terminar o show com um resumo da essência experimental do Boris. Os ruídos comandados pelo pedal na mão de Atsuo para melodias etéreas deram lugar a um solo floydiano de Wata. Pelas batidas no gongo, retomou peso para se transformar em um doom introspectivo sob os vocais de Takeshi. Para encerrar a noite, sua velocidade se reduziu a uma levada monolítica arrastada pela bateria entre os riffs.

Infelizmente, essa experiência única e ensurdecedora não pôde ser desfrutada em sua integralidade por todos que esgotaram os ingressos da Fabrique. O pesadelo logístico de trazer uma banda do Japão, ainda mais numa turnê corrida com shows em sequência (27/11 em Santiago, 28/11 em Buenos Aires, 29/11 em Córdoba) em um continente o qual demanda viagens caras de avião, talvez não permita uma nova oportunidade de presenciar o Boris tão cedo. Público empolgado para convencer o trio a voltar, pelo menos, não falta.

Foto: Ellen Artie @ellenartie

Boris — ao vivo em São Paulo

  • Local: Fabrique
  • Data: 30 de novembro de 2025
  • Turnê: Do You Remember Pink Days?
  • Produção: Powerline / Abraxas / Maraty

Repertório:

  1. Blackout
  2. Pink
  3. Woman on the Screen
  4. Nothing Special
  5. Ibitsu
  6. Electric
  7. A Bao a Qu
  8. The Evilone Which Sobs
  9. Akuma no Uta
  10. Just Abandoned Myself
  11. Farewell
    Bis:
  12. Flood

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioResenhasResenhas de showsBoris estreia no Brasil com peso, tensão e energia no talo
Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades