O Smashing Pumpkins não era grunge e muito menos se enturmava com o resto da cena alternativa nos anos 1990. O quarteto formado por Billy Corgan, James Iha, D’Arcy Wretzky e Jimmy Chamberlin era visto como cafona por seus contemporâneos, devido à fascinação da banda pelo tipo errado de música.
O grupo de Chicago gostava de hard rock do final dos anos 1970 e progressivo. Eles usavam estampas de caxemira e faziam poses de rockstar. Comparados à turma de Seattle, eram quase o oposto do que o alternativo devia ser, aos olhos dos seus colegas, por não serem punks. Porém, eles ainda eram alternativos, pois a sonoridade deles era completamente diferente do mainstream da época e ainda compartilhavam certas influências com grunge, como Led Zeppelin e Black Sabbath.
Além disso, as canções eram boas. O álbum de estreia, “Gish” (1991), foi um sucesso inesperado de vendas. “Siamese Dream” (1993), seu sucessor, os alçou aos patamares mais rarefeitos do estrelato.
Eles agora vendiam milhões de cópias numa era na qual o alternativo era mainstream e os ouvidos do mundo estavam atentos a o que Billy Corgan queria dizer. E o cara queria escrever o nome da banda na história do rock de maneira permanente.
Essa é a história de “Mellon Collie and the Infinite Sadness”.
Diferentes do resto
O sucesso do Smashing Pumpkins com “Siamese Dream” não calou seus detratores na cena alternativa. Pelo contrário. Os gritos de que a banda representava tudo de errado na indústria musical só se intensificaram. Eles eram chamados de “vendidos” para baixo, com várias comparações feitas à profissão mais antiga da humanidade.
Por um lado, o grupo estava no auge do seu sucesso. Eram headliners do Lollapalooza, James Iha participava de desfiles de moda e eles eram o modelo ideal de uma banda de rock para essa nova década. Por outro, passaram anos suando no underground, esgotando sua energia criativa para ainda assim serem ridicularizados.
Billy Corgan reagiu a isso compondo. A turnê de “Siamese Dream” acabou no começo de setembro de 1994 e o frontman começou a trabalhar imediatamente em material novo, explorando diferentes estilos para demonstrar algo que achava vital para o sucesso do Smashing Pumpkins: sua versatilidade musical.
A ideia de um álbum duplo logo tomou forma, com “The Beatles” – mais conhecido sob o apelido de “The White Album” – sendo o modelo. Corgan contou à Mojo Magazine em 2012 que teve essa ideia pois poucos contemporâneos seus possuíam a capacidade para fazer algo assim. O único músico considerado por Billy como seu igual era Kurt Cobain, e ele havia morrido em abril daquele ano.
Todas as bandas com quem o Smashing Pumpkins havia subido estavam terminadas, perderam os dentes ou amoleceram. Corgan sentia no ar a inevitabilidade de um novo ciclo, e decidiu que um álbum duplo era a melhor maneira de marcar o fim daquela encarnação musical do grupo. Ele explicou seu raciocínio em entrevista à US Magazine em dezembro de 1995 (via Starla):
“Um álbum duplo parecia a melhor maneira de matar o Smashing Pumpkins que todo mundo conhece, e talvez inventar algo novo. Ou talvez simplesmente matar. Todo mundo chega ao ponto que aquilo criado por eles se torna paródia. É estranho quando você começa a tocar algo que soa bom e você pensa: ‘Não dá pra usar isso porque soa demais como a gente’.”
A ideia de um lançamento duplo não era particularmente nova na cabeça dele. O processo de “Siamese Dream” já havia rendido material suficiente para essa possibilidade, mas Corgan decidiu contra por não haver um conceito geral que unia tudo. Com esse sucessor, ele partiu do princípio de compor tendo isso em mente.
Entretanto, a ideia de um álbum conceitual foi pela janela bem cedo, como contou à Guitar World em 1995 (via Starla):
“Eu comecei com meio que um conceito, mas percebi bem rápido que não dava pra me forçar a compor algo sob amarras tão rígidas. Então acabou sendo mais sobre compor muitas canções, então escolher temas recorrentes e talvez fazer certas canções se adequarem a esses temas centrais. O resultado final é conceitual apenas nesse sentido.”
Ouvidos pedindo arrego
Outra grande mudança foi em termos de pessoal. Butch Vig, encarregado da produção de “Gish” e “Siamese Dream”, ficou de fora. O argumento usado por Corgan foi que o Smashing Pumpkins desenvolveu uma relação próxima demais com o produtor, e o músico queria forçar a banda para fora da zona de conforto.
Os escolhidos para substituir Vig foram Alan Moulder, que mixou “Siamese Dream”, e Flood. Corgan e Iha eram fãs do trabalho do produtor britânico, cujo currículo até aquele ponto incluía Depeche Mode, U2, Nick Cave and the Bad Seeds e Nine Inch Nails.
A principal diferença entre a dupla e Vig era o processo de trabalho. As gravações de “Gish” e “Siamese Dream” eram todas feitas em um estúdio só com equipamento analógico. Flood trazia consigo um conhecimento maior de tecnologia digital, sem falar da facilidade de trabalhar em vários ambientes quando há dois produtores.
Apesar disso, uma das principais contribuições de Flood à sonoridade foi digna das bandas dos anos 70. Ele incentivou Billy Corgan, James Iha e D’Arcy Wrestky a usar o mesmo equipamento de turnê no estúdio, ao invés do método anterior de pedal fuzz Big Muff na frente de amplificadores Marshall. O frontman falou sobre a ideia à Electronic Musician em 2008:
“Flood achava que a banda do show não era capturada no álbum. Então muito do ‘Mellon Collie’ foi gravado pela banda em volumes ensurdecedores. Ensurdecedores mesmo. O nível de pressão sonora no estúdio era tamanho que causava desconforto físico. Seus ouvidos, sua resistência emocional, isso tudo pedia arrego.”
Outra decisão do produtor foi designar parte de cada dia como tempo para a banda fazer jams e compor. Isso ia em completo oposto ao processo anterior do grupo, e ajudou a aliviar o clima no estúdio consideravelmente.
Iha e Wretzky tiveram papéis muito maiores nas gravações também dessa vez. A dupla havia sido basicamente excluída de “Siamese Dream” após Billy Corgan regravar todas as guitarras e baixos do álbum. O guitarrista comentou sobre a mudança em entrevista à US Magazine em dezembro de 1995 (via Starla):
“A grande diferença agora é que Billy não foi um grande ‘Eu faço isso – Eu faço aquilo’. Está muito melhor. A banda arranjou muitas canções para esse álbum, e o processo de composição foi orgânico. As circunstâncias do último disco e como trabalhamos nele foram muito ruins.”
Smashing Pumpkins abraça o prog
Enquanto isso, as canções refletiam uma mudança filosófica por parte de Billy Corgan. O músico deixou pra trás o aspecto confessional dos lançamentos anteriores e buscou um estilo novo de escrever letras. Ele começou a ler textos religiosos de budismo e hinduísmo, e a explorar o dilema de equilibrar demandas terrenas com abertura espiritual.
Ao invés de desopilar o fígado sobre coisas que o afligiam naquele momento, ele olhou para situações passadas com uma nova perspectiva. Isso tudo, é claro, trajado de surrealismo e metáfora, tal qual suas inspirações de poesia vitoriana, entre elas Lewis Carroll.
Em termos instrumentais, a banda adota ainda mais a roupagem de suas influências progressivas. Os arranjos são mais rebuscados e equilibram o ataque impiedoso de guitarras com canções que o público não esperava de um grupo alternativo.
Um exemplo disso é uma canção cuja gênese foi ainda na turnê de “Siamese Dream”. Originalmente idealizada como um tributo ao Cheap Trick, “Tonight Tonight” ganhou um arranjo de cordas composto por Corgan e a violoncelista britânica Audrey Riley, e tocado pela Orquestra Sinfônica de Chicago.
Por fim, a faixa que veio a definir o álbum para a eternidade foi curiosamente a última a ser gravada. Originalmente pouco além de dois acordes e uma melodia, Flood estava pronto para descartar a canção, mas Corgan achava ter algo ali. Após bolar uma letra, a banda começou a trabalhar num arranjo. Entretanto, tudo soava como os Rolling Stones, e não no bom sentido.
Apesar disso, Flood finalmente viu o potencial da composição. O produtor se pôs a manipular a gravação através do uso de sampling para criar algo profundamente moderno, porém que ainda retinha o clima onírico. O resultado foi “1979”.
A canção foi o single de maior sucesso da carreira do Smashing Pumpkins, chegando ao 12º lugar da Billboard Hot 100. Além disso, foi indicada a Gravação do Ano e Melhor Performance de Rock por Duo ou Grupo com Vocal no Grammy de 1997.
“Mellon Collie and the Infinite Sadness” e o fim da banda como conhecemos
As gravações de “Mellon Collie and the Infinite Sadness” foram finalizadas em agosto de 1995. Apesar de ter durado um mês a mais que as sessões de “Siamese Dream”, o processo rendeu muito mais canções. Ao todo, o álbum tinha 120 minutos de música divididos em dois CDs, duplo para esse formato, mas o equivalente a um disco triplo em vinil.
O temor da Virgin dessa duração afetar as vendas foi tamanho a ponto de sugerirem para Billy Corgan separar o álbum em dois lançamentos separados, tal qual “Use Your Illusion”, do Guns N’ Roses. O líder do Smashing Pumpkins foi irredutível quando a lançar “Mellon Collie” como um disco só.
O sacrifício para apaziguar os ânimos da gravadora veio na forma do primeiro single. Apesar da banda preferir “Jellybelly” como a canção de trabalho, eles deixaram a Virgin selecionar “Bullet With Butterfly Wings” por compreenderem o potencial radiofônico da faixa, que se tornou a primeira do Smashing Pumpkins a atingir o Top 40 americano, chegando até a 22ª posição.
“Mellon Collie and the Inifinite Sadness” saiu dia 24 de outubro de 1995. Apesar dos temores da gravadora, estreou no topo da Billboard 200, mesmo sendo um álbum duplo. Foram mais de 10 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos, o suficiente para a banda receber um disco de diamante pelo trabalho.

A previsão de Corgan que esse seria o último lançamento daquela versão do Smashing Pumpkins se provou correta de um jeito nefasto. Em julho de 1996, Jimmy Chamberlin sofreu uma overdose junto com o tecladista de turnê da banda, Jonathan Melvoin. Enquanto o baterista sobreviveu, o músico contratado faleceu.
Devido ao histórico de vício de Chamberlin e as consequências dessa recaída, a banda decidiu demiti-lo no meio da turnê. Matt Walker assumiu as baquetas pelo resto dos shows.
Quando o Smashing Pumpkins começou a trabalhar em material novo, eles abandonaram sua sonoridade de antes em prol de algo mais eletrônico, influenciado por Joy Division e Nine Inch Nails. Apesar de estrear em segundo nas paradas americanas, “Adore” (1998) viu as vendas do grupo caírem consideravelmente.
No ano seguinte, D’Arcy Wretzky deixou a banda pouco após Chamberlin ser recontratado. Em 2000, Billy Corgan decretou o fim do Smashing Pumpkins, que retornaram sete anos depois e permanecem na ativa até hoje, ainda que sem o mesmo brilho dos anos 1990.
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