Em pleno feriado de Proclamação da República de 2016, The Aristocrats estreava no Brasil e em São Paulo numa tranquila noite de terça-feira. Estiveram presentes algumas “testemunhas”, dentre as quais este escriba, antes de sequer cogitar sonhar um dia se tornar resenhista.
A apresentação, no mesmo Carioca Club da última sexta-feira (22), não chegou a ser um fracasso de público. Longe disso. Porém, foi majoritariamente assistida por um público masculino geek espaçadamente ocupando pista e camarotes. Sequer havia chance de haver esbarrões.
Nove anos depois, quanta diferença. O trio formado pelo guitarrista inglês Guthrie Govan, o baixista americano Bryan Beller e o baterista alemão Marco Minnemann encheu a casa de eventos na zona oeste paulistana, a presença feminina aumentou substancialmente, e, a pedido deles mesmos, houve a recomendação para que a galera curtisse o evento sem se distrair com filmagens ou simplesmente mexendo nos celulares. E nem dava para se passar por desinformado:
- quatorze sulfites A4 com o pedido foram espalhados nos postes de sustentação dos camarotes ao redor da pista;
- outros três estavam colados entre bilheteria e acesso e validação dos ingressos;
- os três telões da casa (dois laterais e um ao fundo da pista) repetiam em looping a mensagem.

Com o perdão do excesso de vírgulas, a falta de pontuação final e um erro quanto ao uso da crase antes de palavra masculina, a transcrição exata do recado diz:
“A pedido da banda, gentilmente solicitamos que, não grave vídeos durante o show.
Deixe o seu celular desligado, e aproveite o show sem distrações ou aplicativos;
Bom show à todos
The Aristocrats”

A adesão foi considerável durante as onze músicas espalhadas em duas horas cravadas do repertório distribuído a partir de 21h02, com dois ínfimos minutos de “atraso” em relação ao horário prometido e sem atrações de abertura. Evidentemente, um fã ou outro ocasionalmente registrava alguma foto ou até filmava, mas numa escala bem inferior ao que estamos acostumados a ver atualmente — e tampouco houve recriminações a respeito do ato.
Agora, o que não se alterou do début de 2016 para cá foi o bom humor dos caras, a atmosfera leve criada por eles e compartilhada entre os presentes, interações explicativas sobre a origem de boa parte das músicas e mostras de improviso, andamentos quebrados e destreza técnica. Nada surpreendente quando se leva em conta que: Bryan e Marco integram a banda ao vivo de Joe Satriani, o baterista participou das audições para o posto no Dream Theater à época da saída de Mike Portnoy (na visão de muitos, foi um dos melhores junto do escolhido Mike Mangini) e Guthrie já gravou álbuns com Steven Wilson, Asia e assina o ótimo “Erotic Cakes”, trabalho solo de 2006.

Início promissor
Pode parecer besteira, mas o simples fato de dispararem uma intro engraçada como “Swan’s Splashdown”, de Perrey & Kingsley, e seguirem tocando-a assim que assumiram seus postos já dava sinais do quão divertida seria a noite. Afinal de contas, reflita um pouco: você já viu algo assim acontecer alguma vez?
Os trabalhos foram efetivamente inaugurados com “Hey, Where’s My Drink Package?”, faixa que também abre o mais recente álbum do supergrupo, “Duck” (2024). Os caras incluíram ao vivo um fraseado de guitarra remetendo a “Blood Mary”, de Lady Gaga, faixa de 2011 redescoberta pela geração mais nova de admiradores da cantora após surgir nas redes sociais uma montagem com a música ao fundo de uma dança da personagem Wandinha na série originalmente chamada “Wednesday”.

Sobre “Duck”, aliás, dele foram extraídas seis do total de onze músicas executadas no show —mesmo número da outra vez. Algumas faixas são longas, diga-se: em estúdio, a mais curta beira cinco minutos e cinco delas passam de sete minutos. Além disso, as interações nos intervalos consomem um bom tempo, se tornam impagáveis e contextualizam as inspirações para suas composições. E como os três compõem material, eles individualmente se dirigem à galera para contar causos.
Talvez só tenham errado um pouco a mão ao já puxarem exatamente as primeiras quatro do disco em divulgação logo de cara e em sua ordem natural. É uma escolha certeira caso você seja apaixonado pelo álbum, porém uma opção capaz de desnortear quem compareceu ao show sem ter se aprofundado no trabalho.

Destaques
No mais, alguns destaques:
- a noite era dos fãs de progressivo e imperavam camisetas de Dream Theater, Haken, Opeth e Savatage;
- no primeiro intervalo entre músicas e durante a fala de Bryan, evitando um vazio sonoro, Marco fez uma citação à levada de bateria de “Blue Monday”, do New Order;
- ele se aproveitaria do mesmo expediente lançando mão da batida final eternizada por Nicko McBrain (Iron Maiden) em qualquer registro de “Hallowed Be Thy Name” ao vivo ao encerrar “The Ballad of Bonnie and Clyde”;
- trechos realmente pesados e beirando o metal brotaram como em “Aristoclub”, “Spanish Eddie” e “Get It Like That” (esta com Bryan “agitando” e dois bumbos alucinantes de Marco no final!);
- uma tocante balada um tanto mais “simples” e sem muita quebradeira ofereceu calmaria na forma da belíssima “Flatlands”, ponto alto da noite;
- rolou um pedacinho de valsa em “This is Not Scrotum”, com Guthrie fazendo seu instrumento soar como o violino gravado em estúdio por Rusanda Panfili, artista moldávia com quem o guitarrista toca na banda de Hans Zimmer;
- porém, o acontecimento mais corriqueiro foram as ovações e aplausos com músicas ainda em andamento, como nos casos de: “Hey, Where’s My Drink Package?”, “Spanish Eddie”; “Flatlands” e “Get It Like That” (nesta, por duas vezes!).

Um solo de… onze minutos
Mas então a noite foi perfeita? Não! Era realmente necessária a inclusão de um solo de bateria de quase onze minutos? Na hora, nem pareceu durar tanto e teve seu fator de entretenimento e de descanso para Bryan e Guthrie. Ainda assim… onze minutos? A prova do exagero foi ver o povo dar uma dispersada, o surgimento de papos paralelos e pessoas se dirigindo aos banheiros e bar.
Com a janela de nove anos entre os shows, a constatação foi que o entrosamento só se aprumou. Não há buracos na sonoridade no decorrer das músicas ou espaço para ataques de ego, pois não se tratam de artistas ensimesmados no palco. Ainda assim, valia ter enxugado o solo e incluído ao menos uma faixa do renegado álbum “Tres Caballeros” (2015).

Por outro lado, as partes mais hilárias rolaram com o uso de animais de borracha, justamente durante o solo com Marco apertando um pato e um porco nas “vocalizações”. Em “Get It Like That”, a brincadeira ganhou corpo com o baterista tocando apenas com a mão direita e fazendo o pobre porquinho “cantar” com a esquerda ao som de um reggae regado a um snippet de “Another One Bites the Dust”, do Queen. E a bagunça melhorou com Bryan entrando na mesma vibe e incitando a massa imitar a “melodia vocal” estridente de seu frango.

Diversão garantida
A saideira foi a pancadaça “Desert Tornado”, única repetição nas duas vindas do conjunto ao Brasil junto a “Get It Like That”, que, curiosamente fechou o set em 2016. No total, conforme dito, foram seis de “Duck” (2024) e: duas de “The Aristocrats” (2011) e de “You Know What…?” (2019); e uma de “Culture Clash” (2013).
Ficou o sabor agridoce em pensar como teria sido caso eles tivessem conseguido excursionar mundo afora, incluindo aqui, para a promoção do citado “You Know What..?”, pois pouquíssimas vezes na vida este repórter viu músicos se divertindo tanto num palco. E a maior evidência era constantemente dada pelas trocas de olhares e sorrisos de parte a parte entre os membros do trio.
Quem foi ao Carioca Club certamente se divertiu e partiu para casa extasiado. Agora é esperar que a promessa feita por Bryan Beller se concretize ao se desculpar por terem levado tanto tempo para retornarem ao Brasil e jurar não demorarem tanto tempo assim outra vez.

The Aristocrats — ao vivo em São Paulo
- Data: 22 de agosto de 2025
- Local: Carioca Club
- Turnê: The Duck Tour
- Produção: Sellout Tours
Repertório:
- Intro: Swan’s Splashdown [Perrey & Kingsley] + Hey, Where’s My Drink Package?
- Aristoclub
- Sgt. Rockhopper
- Sittin’ With a Duck on a Bay
- Spanish Eddie
- Solo de Marco Minnemann
- The Ballad of Bonnie and Clyde
- Flatlands
- Here Come the Builders
- This Is Not Scrotum
- Get It Like That
- Desert Tornado
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.
