O relógio marca 21h em ponto quando as luzes do Vivo Rio se apagam. Estroboscópicas, piscam incisivas na penumbra do palco, enquanto efeitos sonoros criam uma atmosfera cinematográfica para o momento. O primeiro a assumir seu posto é o baterista Nik Hughes. Algumas batidas servem para calibrar o trigger da bateria, cujo timbre soa assustadoramente artificial, de tão processado. Pela lateral esquerda, surge o guitarrista Chris Traynor, trajado com um figurino meio festa de rodeio — um contraste pouco apropriado para uma banda considerada um dos pilares do chamado pós-grunge. Pela direita, entram primeiro o baixista Corey Britz e, logo depois, Gavin Rossdale, o único remanescente da formação original do Bush e, naquela noite, um elo perdido dos anos 90.
A última passagem da banda pelo Brasil não é tão distante assim. Foi em 2019, num pacote dos sonhos para saudosistas, com o Stone Temple Pilots — versão fajuta, diga-se — abrindo a noite. Mas o tempo foi implacável com o quase sexagenário Gavin.
Manter o torso apolíneo de três décadas atrás seria impossível, porém, sua versão pós-pandemia não apenas exibe um semblante mais cansado, como também entrega uma performance menos vigorosa. Sem o auxílio de Tadalas vocais eletrônicos, ele pena para alcançar notas mais exigentes.
Não são poucos os momentos, ao longo da 1h20 do show realizado na última quarta-feira (2), em que Rossdale recorre a bases pré-gravadas — seja para reforçar a voz, perceptível já no refrão de “Everything Zen”, a primeira da noite, seja para garantir um descanso necessário, especialmente nas músicas mais recentes. E por falar nelas, não ajudam. Nunca foram grandes sucessos, tampouco justificam a proposta da turnê (“Loaded: The Greatest Hits Tour”). Ter um repertório focado nos dois primeiros álbuns — “Sixteen Stone” (1994) e “Razorblade Suitcase” (1996) — seria assinar um atestado de obsolescência. Ainda assim, os fãs certamente não reclamariam.
Dentro dos limites que o tempo lhe impõe, Gavin se entrega: joga-se ao chão, canta deitado, sassarica pelo palco de forma quase cômica, muitas vezes com a guitarra servindo mais como adereço do que como instrumento. Enquanto os colegas mantêm postura mais discreta, ele abusa dos playbacks, sem sequer se preocupar em disfarçar — por vezes “cantando” a dois palmos do microfone e errando entradas.
Mas o público, lotando o Vivo Rio para o último compromisso da banda no país, não parece se importar. Hits como “Machinehead” e “The Chemicals Between Us” fazem todos cantarem juntos, e o coro cobre as limitações vocais do frontman. Os próprios playbacks se denunciam, com a voz pré-gravada soando por um P.A. diferente do microfone ao vivo. De novo, ninguém dá a mínima.
Críticas? Sim, houve. O tempo de show foi considerado curto, e o arranjo a capella de “Swallowed”, tão desastroso que merecia render algemas ao vocalista. Também seria mentira dizer que ninguém se emocionou com a performance quase lo-fi, de tão intimista.
No palco, duas escadas ladeiam o praticável da bateria, mas dá para contar nos dedos de uma mão as vezes que foram usadas. O próprio Gavin só subiu uma única vez, e por menos de uma estrofe de “Flowers on a Grave”.
Em “Heavy is the Ocean”, fica clara a dívida que até os filhos do rock alternativo têm com o Black Sabbath: o baixo faz o chão tremer. Sem estar totalmente à vontade com a canção, Gavin arrisca um solo na guitarra mais vistosa da noite, uma Gibson SG capaz de deixar Angus Young com comichão. Também se arrisca no português: um tímido “te amo”. No entanto, a comunicação — escassa, aliás — é quase toda em inglês, pautada por protocolares “estou muito feliz por estar aqui” e “obrigado por terem vindo”. Fala sobre o poder agregador da música e promete um novo álbum do Bush “em breve”.
O zumbido de insetos anuncia “Greedy Fly”, e um punhado de palmas dispersas responde. Hughes rouba a cena — algo que se repete em “Comedown”, quando o baterista se revela o maior fã de Bush do recinto, cantando a plenos pulmões a canção derradeira da noite.
Já em “Identity”, a letra pergunta “Quem é o anjo? Quem é a p#ta?”. Difícil dizer, todavia uma coisa é certa: quem não está cantando é Gavin. Trair Gwen Stefani com a babá dos filhos talvez não tenha sido seu momento mais brilhante, mas no palco ele sabe o peso de seu legado e o impacto duradouro de seus grandes sucessos. Seu sorriso é genuíno, sua satisfação, evidente. Talvez só precisasse desacelerar um pouco.
Sozinho no centro do palco, guitarra em punho, ele revisita seu momento de maior glória platinada com “Glycerine”, dedicada a uma fã abastada que, segundo ele, já cruzou o Atlântico para ver a banda. A vida dos ricos é mesmo diferente. Entretanto, naquela noite, pelo menos por um instante, todos ali pareceram compartilhar da mesma nostalgia.
E assim, sob aplausos entusiasmados, o Bush se despediu. Pode ser que o tempo tenha sido cruel com Gavin, mas o tempo também eterniza. Afinal, certas músicas nunca envelhecem — nem que seja pela voz dos fãs.
Bush — ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Vivo Rio
- Data: 2 de abril de 2025
- Turnê: Loaded: The Greatest Hits Tour
- Produção: T4F
Repertório:
- Everything Zen
- Machinehead
- Blood River
- The Chemicals Between Us
- Quicksand
- Greedy Fly
- Identity
- Swallowed
- Heavy Is the Ocean
- Flowers on a Grave
- Little Things
Bis: - More Than Machines
- Glycerine
- Comedown
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Acho que o tempo nem foi tão cruel assim com ele. Em relação a muitos da sua geração ele ainda está muito bem, apesar dos playbacks ( a maioria dos frontais da sua idade usam, não é exclusividade dele) Axl sofre para fazer metade dele.
Tbm achei que citar vida pessoal nada tem a ver com análise de um show de um artista. Entre tantas criticas esse Comentario foi o mais infeliz.