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Bush revive os anos 1990 com playbacks no Rio

Banda equilibra sucessos de outrora com novas canções; vocais pré-gravados de Gavin Rossdale se tornam personagem à parte

O relógio marca 21h em ponto quando as luzes do Vivo Rio se apagam. Estroboscópicas, piscam incisivas na penumbra do palco, enquanto efeitos sonoros criam uma atmosfera cinematográfica para o momento. O primeiro a assumir seu posto é o baterista Nik Hughes. Algumas batidas servem para calibrar o trigger da bateria, cujo timbre soa assustadoramente artificial, de tão processado. Pela lateral esquerda, surge o guitarrista Chris Traynor, trajado com um figurino meio festa de rodeio — um contraste pouco apropriado para uma banda considerada um dos pilares do chamado pós-grunge. Pela direita, entram primeiro o baixista Corey Britz e, logo depois, Gavin Rossdale, o único remanescente da formação original do Bush e, naquela noite, um elo perdido dos anos 90.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

A última passagem da banda pelo Brasil não é tão distante assim. Foi em 2019, num pacote dos sonhos para saudosistas, com o Stone Temple Pilots — versão fajuta, diga-se — abrindo a noite. Mas o tempo foi implacável com o quase sexagenário Gavin.

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Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Manter o torso apolíneo de três décadas atrás seria impossível, porém, sua versão pós-pandemia não apenas exibe um semblante mais cansado, como também entrega uma performance menos vigorosa. Sem o auxílio de Tadalas vocais eletrônicos, ele pena para alcançar notas mais exigentes.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Não são poucos os momentos, ao longo da 1h20 do show realizado na última quarta-feira (2), em que Rossdale recorre a bases pré-gravadas — seja para reforçar a voz, perceptível já no refrão de “Everything Zen”, a primeira da noite, seja para garantir um descanso necessário, especialmente nas músicas mais recentes. E por falar nelas, não ajudam. Nunca foram grandes sucessos, tampouco justificam a proposta da turnê (“Loaded: The Greatest Hits Tour”). Ter um repertório focado nos dois primeiros álbuns — “Sixteen Stone” (1994) e “Razorblade Suitcase” (1996) — seria assinar um atestado de obsolescência. Ainda assim, os fãs certamente não reclamariam.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Dentro dos limites que o tempo lhe impõe, Gavin se entrega: joga-se ao chão, canta deitado, sassarica pelo palco de forma quase cômica, muitas vezes com a guitarra servindo mais como adereço do que como instrumento. Enquanto os colegas mantêm postura mais discreta, ele abusa dos playbacks, sem sequer se preocupar em disfarçar — por vezes “cantando” a dois palmos do microfone e errando entradas.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Mas o público, lotando o Vivo Rio para o último compromisso da banda no país, não parece se importar. Hits como “Machinehead” e “The Chemicals Between Us” fazem todos cantarem juntos, e o coro cobre as limitações vocais do frontman. Os próprios playbacks se denunciam, com a voz pré-gravada soando por um P.A. diferente do microfone ao vivo. De novo, ninguém dá a mínima.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Críticas? Sim, houve. O tempo de show foi considerado curto, e o arranjo a capella de “Swallowed”, tão desastroso que merecia render algemas ao vocalista. Também seria mentira dizer que ninguém se emocionou com a performance quase lo-fi, de tão intimista.

No palco, duas escadas ladeiam o praticável da bateria, mas dá para contar nos dedos de uma mão as vezes que foram usadas. O próprio Gavin só subiu uma única vez, e por menos de uma estrofe de “Flowers on a Grave”.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Em “Heavy is the Ocean”, fica clara a dívida que até os filhos do rock alternativo têm com o Black Sabbath: o baixo faz o chão tremer. Sem estar totalmente à vontade com a canção, Gavin arrisca um solo na guitarra mais vistosa da noite, uma Gibson SG capaz de deixar Angus Young com comichão. Também se arrisca no português: um tímido “te amo”. No entanto, a comunicação — escassa, aliás — é quase toda em inglês, pautada por protocolares “estou muito feliz por estar aqui” e “obrigado por terem vindo”. Fala sobre o poder agregador da música e promete um novo álbum do Bush “em breve”.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

O zumbido de insetos anuncia “Greedy Fly”, e um punhado de palmas dispersas responde. Hughes rouba a cena — algo que se repete em “Comedown”, quando o baterista se revela o maior fã de Bush do recinto, cantando a plenos pulmões a canção derradeira da noite.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Já em “Identity”, a letra pergunta “Quem é o anjo? Quem é a p#ta?”. Difícil dizer, todavia uma coisa é certa: quem não está cantando é Gavin. Trair Gwen Stefani com a babá dos filhos talvez não tenha sido seu momento mais brilhante, mas no palco ele sabe o peso de seu legado e o impacto duradouro de seus grandes sucessos. Seu sorriso é genuíno, sua satisfação, evidente. Talvez só precisasse desacelerar um pouco.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Sozinho no centro do palco, guitarra em punho, ele revisita seu momento de maior glória platinada com “Glycerine”, dedicada a uma fã abastada que, segundo ele, já cruzou o Atlântico para ver a banda. A vida dos ricos é mesmo diferente. Entretanto, naquela noite, pelo menos por um instante, todos ali pareceram compartilhar da mesma nostalgia.

E assim, sob aplausos entusiasmados, o Bush se despediu. Pode ser que o tempo tenha sido cruel com Gavin, mas o tempo também eterniza. Afinal, certas músicas nunca envelhecem — nem que seja pela voz dos fãs.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Bush — ao vivo no Rio de Janeiro

  • Local: Vivo Rio
  • Data: 2 de abril de 2025
  • Turnê: Loaded: The Greatest Hits Tour
  • Produção: T4F

Repertório:

  1. Everything Zen
  2. Machinehead
  3. Blood River
  4. The Chemicals Between Us
  5. Quicksand
  6. Greedy Fly
  7. Identity
  8. Swallowed
  9. Heavy Is the Ocean
  10. Flowers on a Grave
  11. Little Things
    Bis:
  12. More Than Machines
  13. Glycerine
  14. Comedown
Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

  1. Acho que o tempo nem foi tão cruel assim com ele. Em relação a muitos da sua geração ele ainda está muito bem, apesar dos playbacks ( a maioria dos frontais da sua idade usam, não é exclusividade dele) Axl sofre para fazer metade dele.
    Tbm achei que citar vida pessoal nada tem a ver com análise de um show de um artista. Entre tantas criticas esse Comentario foi o mais infeliz.

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