O Tool deixou de ser uma lenda urbana no Brasil no último domingo (30), ao fazer a última apresentação do palco Samsung Galaxy, tanto do dia quanto de todo festival Lollapalooza.
No que diz respeito a mídia física, os discos não eram facilmente encontrados no Brasil. Camisetas, idem. O quarteto americano consolidou a carreira de 35 anos sendo um dos principais nomes do metal progressivo alheio à América do Sul. A base de fãs que poderiam ter por aqui, se existente, era de difícil mensuração.
A chegada da discografia às plataformas digitais em 2019, que acompanhou o lançamento de “Fear Inoculum”, quinto álbum de estúdio, iniciou a mudança do cenário. Passou a ser possível — e fácil — conhecer de forma oficial e organizada de que se tratava o Tool.
Uma pandemia e alguns anos depois, o Lollapalooza Brasil 2025 propiciou que fosse posta à prova a popularidade do Tool. É uma operação de risco pois, se incerta por aqui, é enorme na Europa, Japão e Estados Unidos, tendo grandes plateias e cachês.
Desde cedo, era possível ver por todo o Autódromo de Interlagos pessoas com camiseta do Tool. A elas juntaram-se os curiosos e a área do palco estava lotada quando as luzes se apagaram e começaram os primeiros acordes de “Fear Inoculum”.
Cadê a banda?
É difícil não estranhar a disposição de palco que o Tool adota. É como o Gorillaz no começo de carreira: a ideia é a banda ficar escondida, mas sem oferecer os personagens animados no lugar. Os telões — dois laterais e o que funciona ao fundo do palco — operam como um só, com animações transitando entre eles ou compondo as três partes de uma imagem só.
Quem acompanhou a transmissão feita pelo canal Multishow tampouco pode ver qualquer coisa além das imagens amorfas (que, sim, lembram as animações do Windows Media Player) ou variações de cabeças e crânios que eram alternadas nas projeções. Os closes nos músicos foram proibidos pela produção do grupo. A mesma atração que faz o que pode para banir os celulares dos shows pesa a mão para que o público dirija suas atenções a outras telas: deles.
Outro ponto confuso da apresentação diz respeito ao vocalista Maynard James Keenan. Ele não apenas fica no breu, como quase não entra no palco. Fica ao fundo, sendo uma voz do além visível apenas como sombra quando o telão do fundo o ilumina por trás. Ainda assim, se dá ao trabalho de usar uma peruca com corte moicano e máscara pesada nos olhos. Uma invisibilidade bastante dispendiosa.
É ele que grita “Brasil”, quase sem sotaque, por três vezes em volume crescente, com resposta equivalente do público, para depois concluir “Prazer em conhecer vocês” (“Nice to meet you”). Esse diálogo acontece antes da segunda música. É durante “Jambi” que a invisibilidade dos música faz mais uma vítima. Uma quinta pessoa surge durante a execução e, aos poucos, foi possível perceber que era uma guitarrista, tanto pelos movimentos quanto por estar ao lado de Adam Jones, colega de instrumento.
Ao término da música, é resolvido o mistério: Maynard agradece: “Obrigado, Jéssica di Falchi”. A brasileira é ex-guitarrista do quarteto brasileiro Crypta e, à parte de uma foto que ela postou no Instagram com Adam no início de fevereiro, nada indicava que essa participação, ou qualquer outra, pudesse ocorrer.
Foco na bateria
No quesito visibilidade, a exceção é o baterista Danny Carey. É o único facilmente visível por sempre estar satisfatoriamente iluminado. Fica claro o porquê ao longo da apresentação.
A música do Tool gira em torno da bateria. É um dos maiores nomes de metal progressivo do mundo; a complexidade é um elemento constante na discografia da banda. Mas ela não vem da guitarra do Adam ou do baixo de Justin Chancellor. Eles trabalham com uma reduzida variação de riffs que se alternam repetidamente.
Carey, ao contrário, deita e rola distribuindo as batidas — ou a falta delas, como bem deseja. Além dos timbres tradicionais, também tem em seu kit descomunal uma parte com sonoridade semelhante a bongôs e atabaques. Antes de interromper, ele dá pulsação ao clima ritualístico que essa combinação toma, tendo o estilo árabe de canto que Maynard adota como o ingrediente final no estilo único do Tool.
Essa receita mostra-se bem-vinda quando chega a hora de “Pneuma”. Um tema de quase doze minutos de duração que se tornou um dos clássicos mais recentes tanto pelo riff grudento quanto, principalmente, pela linha de bateria. A partir de uma levada típica de blues, vira intrincada o suficiente para até Mike Portnoy do Dream Theater ter sérias dificuldades para conseguir tocá-la. Mas ela, que foi celebrada por parte da plateia, já superou as barreiras dos conservatórios e se tornou popular — o vídeo do Danny Carey tocando-a ao vivo já beira os 50 milhões de visualizações.
A reação do público é um capítulo à parte. Dada a grande variação de ritmos e de intimidade com as músicas, houve quem cantasse, quem abrisse roda, quem simulasse tocar instrumento tentando acertar o ritmo, quem simplesmente entrasse no clima… ou seja, como se cada um estivesse prestando atenção em uma parte diferente do show. Isso era possível, também, pela clareza e pela força da qualidade do som.
Talvez por essa falta de acordo no comportamento da audiência, Justin começou a agitar os braços pedindo mais agitação. Maynard repetiu o tríplice chamado “Brasil”, desta vez terminando com “Acordem!” (“Wake up”). Não deve ter sido por decepção com o que esperavam do Brasil. “Flood” não estava no setlist, mas foi acrescentada e encerrou a apresentação.
*Mais fotos ao fim da página.
Tool – ao vivo em São Paulo
- Local: Autódromo de Interlagos (Lollapalooza Brasil)
- Data: 30 de março de 2024
- Turnê: South American Tour
Repertório:
- Fear Inoculum
- Jambi
- Stinkfist
- Rosetta Stoned
- Pneuma
- The Grudge
- Parabol
- Parabola
- Schism
- Aenema
- Flood
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Ótima matéria!
Só rolou um equívoco quanto a Pneuma não estar em todos os setlists. Na verdade ela sempre é tocada e sempre faz dobradinha com Rosetta Stoned, além de ter a posição fixa de quinta música de todos os show da última turnê.