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British Lion em São Paulo: uma noite com Steve Harris

Em show empolgado e longo demais, projeto paralelo aquece fãs do Iron Maiden com melodias cantáveis e cavalgadas icônicas do lendário baixista

Vamos ser sinceros. Ninguém foi à Fabrique numa quinta-feira (5) chuvosa à noite, véspera do primeiro de dois shows do Iron Maiden na cidade de São Paulo, porque é fã do British Lion.

Se Steve Harris, líder inconteste dos dois grupos, fizesse um workshop de baixo no mesmo dia na casa que comporta 650 pessoas, a quantidade de público só iria variar em razão do preço cobrado.

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No dia da apresentação, apenas havia ingressos de preço cheio que, incluída a taxa da ticketeira responsável pela comercialização online, custavam cerca de R$ 500.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Talvez por isso o local não estivesse tomado por fãs do lendário grupo britânico. Ou pela tempestade que castigou a zona oeste paulistana horas antes da abertura das portas, justo quando Harris chegava ao Fabrique. Os fãs que já estavam na fila foram premiados com uma chance de tirar uma foto com o ídolo e ter um item autografado.

No fundo, o atrativo principal da apresentação do British Lion na Fabrique era a chance de ver o icônico baixista do Iron Maiden num ambiente mais intimista. Como se fosse um meet and greet com o músico lendário travestido de show solo. 

Tony Moore’s Awake

Na hora agendada para a abertura da casa, uma tempestade ainda mais forte caiu na região da Fabrique, o que atrapalhou a entrada do público, já encharcado pela espera na fila. Por consequência, o início da primeira apresentação da noite atrasou em alguns minutos.

Tony Moore, o responsável por começar os trabalhos, tem sua nota de rodapé na história do heavy metal por ter sido tecladista do Iron Maiden em sua fase formativa, nos anos 1970. Não durou muito, mas Moore acabou entrando em definitivo nos almanaques musicais por ter ficado a cargo do mesmo instrumento no Cutting Crew, cujo single “(I Just Died) in Your Arms” chegou a liderar a parada principal da Billboard em 1986.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Apesar do feito notável, a música — que provavelmente todos já ouviram na espera de algum consultório de dentista — não foi tocada na quase uma hora na qual Moore esteve no palco da Fabrique.

Sozinho com sua guitarra ou no teclado à frente de um minitelão improvisado sobre as enormes ilustrações de pano de fundo do British Lion, ele apresentou apenas faixas de seu disco “Awake”, composto durante dois meses na pandemia em 2021, mas disponibilizado este ano nas plataformas digitais.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Uma hora foi tempo demais, convenhamos. Nesse período, Moore alternou solos atmosféricos setentistas, como logo no início na faixa-título de “Awake”, não muito deslocados num improviso de David Gilmour, mas algumas vezes reproduzidos de forma pré-gravada no telão enquanto ele tocava teclado nas baladas, bem inspiradas em Beatles, caso exacerbado de “Dear Life”.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Houve alguns momentos mais animados, de atmosfera oitentista, como em “Just One Night” ou “Crazy in the Shed”, e seus vocais, em momentos, remetiam a David Bowie. Não à toa, Moore chegou a dizer sempre ter desejado fazer “uma união dos Beatles, Pink Floyd, Sensational Harvey Band e Peter Gabriel”.

Faltou “só um pouquinho” de talento, claro, mas fica a nota pelo bom humor do músico, que chegou a cantar “Not Normal” mascarado e usou uma jaqueta toda brilhante no encerramento com “Asleep”.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Apesar de agradável, a apresentação teve melhor resposta de público quando os vídeos, cuidadosamente montados, exibiram no telão sua mãe, inspiração das músicas do disco recente, ou Steve Harris, o dono da noite. O auge da participação da plateia veio em um inusitado momento quando fizeram coro para que se acendesse a luz sobre a pista para uma foto do artista com as pessoas ao fundo.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Repertório — Tony Moore’s Awake:

  1. Awake
  2. The Clock Has Started
  3. Love We Need You Here
  4. Just One Night
  5. Dear Life
  6. Not Normal
  7. Remember Me
  8. Crazy In The Shed
  9. Asleep
Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

British Lion

Aqueles mesmos almanaques musicais podem até dizer que Steve Harris se juntou ao British Lion, formado nos anos 1990 pelo vocalista Richard Taylor e o guitarrista Grahame Leslie. Com uma fita demo embaixo do braço, eles pediram para o baixista do Iron Maiden ajudar na produção de um disco. Deu em nada, mas ficaram amigos.

Fato é que desde 2012, o British Lion é o projeto paralelo de Steve Harris. Musicalmente, porém, seus dois discos nunca chamaram a atenção. Um hard rock setentista, com algumas pegadas oitentistas e de power metal, longe de malabarismos técnicos. Também sem qualquer aventura estilística para estender demais as canções, apesar de mesmo assim parecerem ir um pouco além do necessário.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

A fórmula, que não mudou muito entre os discos e permaneceu durante os intermináveis 100 minutos na Fabrique, consistiu em Steve Harris caminhar de lado a lado no palco, sempre em suas poses icônicas ou balbuciando as letras. O músico, mesmo num esforço para não tirar a atenção dos companheiros, ditava a velocidade com suas linhas de baixo, reconhecíveis em questão de segundos, seja pelas cavalgadas inconfundíveis ou o timbre bem característico. 

Enquanto isso, a dupla de guitarristas, formada pelo loirão e empolgado Leslie e o mais tranquilão David Hawkins, abusava dos duetinhos de guitarra — para alegria do empolgado público que preencheu razoavelmente bem a pista da Fabrique, mas sem encher a casa.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto
Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

A combinação de melodias cantadas e o baixo pulsante do chefão Harris repetiu-se ao longo de praticamente todas as músicas da noite desde o início, em especial durante “Judas” ou “Father Lucifer”. Simon Dawson segurou os ritmos com alguma solidez e maior peso na bateria, marcando forte o tempo de faixas como “Legend”.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Em alguns momentos, entre elas “Us Against the World”, o principal roadie de Steve Harris, Frank Diamond, dava uma ajudinha no teclado. Assim como faz no trabalho principal, ficou escondido no canto quase fora do palco em que mal cabia os adereços de insígnias de leãozinho do British Lion — o pano fundo era praticamente invisível atrás do kit de bateria.

Às vezes empunhando um violão, o simpático e carequinha Taylor estava num dia em que sua voz serena claramente não atingia 100% da capacidade. Sofreu sem comprometer, mas, bem soterrada na equalização do alto volume da Fabrique, não ajudou a gerar maiores cantorias nos refrãos.

O show, com muito mais pegada, peso e velocidade ao vivo em relação às versões de estúdio, funcionou em parzinhos. Com apenas dois discos na bagagem e uma dupla de canções novas ainda não lançadas, o repertório caminhou por pouco além de uma hora e meia alternando duas do primeiro álbum, “British Lion” (2012) seguidas por um casal do mais recente “The Burning” (2020).

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

A primeira das músicas novas, “2000 Years”, com seu riff inicial lembrando U2 e Steve Harris num raro momento de backing vocals durante o refrão, veio logo depois da épica “Bible Black”, dos pontos altos do repertório. Inclusive, pareceu só ter sido incluída para que a banda não tocasse quatro faixas seguidas do segundo álbum na parte inicial do set.

“Wasteland”, a outra nova e com uma pegada mais rápida e agressiva, foi tocada mais perto do fim do show. Ela veio intercalada entre uma dupla do trabalho de estreia, entre elas a pegajosa “The Chosen Ones”, e as derradeiras do último disco, com destaque para a rifferama de “Lightning”, contendo um raro momento de brilho solitário de Harris durante a música.

“Eyes of the Young”, única canção daquela citada demo inicial nos anos 1990 retrabalhada para o disco de estreia de 2012, encerrou o show com uma pegada bem oitentista. Longe, porém, de ter cativado o público como as cavalgadas e melodias da antecessora “Last Chance”, num setlist que poderia facilmente ter vinte minutos a menos e poucos se lembrariam das faixas cortadas.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

No fundo, acabou sendo uma chance para o quase setentão Steve Harris tocar num local menor e sentir de novo o calor humano dos clubes de início de carreira quase 50 anos atrás. Nada que muitos dos velhos e jovens brasileiros presentes na Fabrique não sonhassem ter presenciado.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

British Lion — ao vivo em São Paulo

  • Local: Fabrique
  • Data: 5 de dezembro de 2024
  • Produção: Move Concerts

Repertório:

  1. This Is My God
  2. Judas
  3. Father Lucifer
  4. Bible Black
  5. 2000 Years
  6. The Burning
  7. Legend
  8. These Are the Hands
  9. A World Without Heaven
  10. Spit Fire
  11. Land of the Perfect People
  12. The Chosen Ones
  13. Us Against the World
  14. Wasteland
  15. Lightning
  16. Last Chance
  17. Eyes of the Young
Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto
Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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