Carnaval tem todo ano, certo? Às vezes no início de fevereiro, como em 2016; em outras oportunidades um tanto adiante, com a Quarta-feira de Cinzas se estendendo até 5 de março, como será o caso de 2025. Mas é fato que rola. Da mesma forma, Udo Dirkschneider não falha e vem a São Paulo festejar conosco desde a retomada de shows no pós-pandemia.
Sua banda, U.D.O., tocou no Carioca Club em outubro de 2022. Seis meses depois, ele e Tim “Ripper” Owens fizeram dois sets solo com os mesmos músicos de apoio no Manifesto Bar, primeiro o do ex-Judas Priest, para juntos dividirem os microfones em “Balls to the Wall”, “Breaking the Law” e “Living After Midnight”, encerrando a noite e a parte que cabia ao alemão.
O mote da última segunda-feira (11), para apresentação única no Carioca Club, era tocar na íntegra “Balls to the Wall” (1983), clássico álbum do Accept, o que despertava curiosidade. De uma era pré-CDs, as prensagens dos LPs eram menores e a soma das dez faixas em estúdio por pouco ultrapassa quarenta e cinco minutos. Logo, visando alongar a experiência, era de se questionar o que mais ofereceria o quinteto completado por Andrey Smirnov e Dee Dammers (guitarras), Peter Baltes (baixo) e Matthias Kassner (bateria, substituindo o filho de Udo, Sven, temporariamente afastado por questões pessoais).
Alguns chutes deste escriba, sem buscar informações prévias de outras datas recentes, passavam por: “Fast as a Shark”, “Restless and Wild” e “Princess of the Night”, trinca imbatível do álbum “Restless and Wild” (1982), o antecessor de “Balls to the Wall”; e talvez por “Starlight”, “Breaker” e “Son of a Bitch”, todas de “Breaker” (1981). Quem sabe material gravado mais tarde, como “Metal Heart” e “Midnight Mover”, ambas do disco “Metal Heart” (1985)?
Certeza mesmo, apenas não haver conteúdo de “Eat the Heat” (1989), única bolacha do Accept com David Reece nos vocais até a volta de Udo em “Objection Overruled” (1993), e de “Blood of the Nations” (2010) em diante na discografia, período já com Mark Tornillo de frontman. Fato é que no “bolão”, cravamos cinco das nove.
A primeira etapa
Curiosamente, a já citada “Living After Midnight” foi a intro disparada pontualmente às 20h30 para dar início ao show, como anunciado. Sem banda de abertura. As luzes se apagaram até aquele famoso pequeno trecho de “Ein Heller und ein Batzen”, a canção popular alemã também conhecida como “Heidi, Heido, Heida” escrita por Albert Von Schlippenbach, com o tradicional ruído da agulha do vinil sendo riscado, indicar que a festa começaria ao som de “Fast as a Shark”, logo após um belo grito super agudo do frontman.
Enquanto observávamos a decoração única de palco consistir do logo do grupo projetado no telão (aliás, até quando a casa seguirá sem investir em um de melhor qualidade?), veio a dobra de guitarras. Notamos, no decorrer da pedrada, que os quatro membros da banda ajudavam Udo nos vocais de apoio, trazendo uma parede sonora impenetrável. Com significativo apoio coletivo para berrar o título, “Up to the Limit” manteve a pegada.
Transcreveremos a primeira interação do vocalista com o público só para ilustrar que, mesmo com tantos anos de janela, comunicar-se nunca foi seu forte, sejamos honestos: “Como estão? Boa noite, São Paulo! Estão bem? Certo! Talvez seja um pouco cedo para a próxima música que faremos. Normalmente a tocamos por volta de meia-noite… Sim, aí vai ‘Midnight Mover’”. Uma ou outra exceção à parte, as próximas basicamente seriam “Obrigado” e/ou “Muito obrigado!”.
Fato é que “Midnight Mover” trouxe um estouro vocal da galera no primeiro verso e, com todos devidamente aquecidos, ela caiu feito luva para os pescoços e punhos de quem confortavelmente se espalhava por pista e camarotes. Para se ter uma ideia, caso a infraestrutura do ambiente lhe seja familiar, a temperatura interna seguiu agradável por toda a noite com o ar condicionado operando numa boa. E dando um salto no tempo, tudo estava tão tranquilo que, na décima sétima e antepenúltima faixa, por um breve momento, ninguém ocupava o sofá posicionado à esquerda da pista, próximo à entrada do pit para os fotógrafos…
Surpresa mesmo foi a paulada em forma de “Breaker” não ter gerado uma roda e, não menos efetiva, “Living for Tonite” foi “lenta” o suficiente para a galera se recompor. Dee Dammers não é Wolf Hoffmann, mas não deixou a desejar, tampouco Andrey Smirnov, encarregado do solo — e, em meio às guitarras, o baixo de Peter Baltes falou alto. A propósito, que segurança Udo poder contar com seu parceiro de tantos anos. A chegada de Peter em abril de 2023, após décadas de vínculo com a banda original, fez com que, ao menos para os mais radicais, a empreitada se tornasse “mais Accept do que o próprio Accept”, descrição ouvida in loco no Carioca Club. Cabe o debate!
Agora, como explicar o que sempre acontece em “Princess of the Dawn”, um espetáculo à parte? É verdade, sua letra não transformará sua vida e seu tão marcante riff não é das mais difíceis execuções, mas precisaria ser um primor de técnica? Simples e germanicamente indo direto ao ponto, você que ousasse ficar parado em seus mais de nove minutos. Quando menos se esperava, seu pescoço e um dos pés passavam a apreciar o hino no compasso correto e os rompantes de air guitar e air drumming testemunhados foram plenamente justificados e indicados. O ponto alto? Brasileiro adora um coro, há quem tenha ido para o conforto do lar com ele na cabeça e, se você já escutou a pérola ao vivo, está imaginando tudo com precisão neste exato momento.
“Flash Rockin’ Man” possivelmente foi a mais inesperada e, em “Metal Heart”, Andrey não decepcionou no snippet de “Für Elise”, de Beethoven e originalmente encaixado por Wolf. Peter ainda retomou a música com baixo galopante e, com o time azeitado e o jogo ganho, uma curta narração introduziu o que todos haviam saído de casa para escutar, numa espécie de “segundo tempo” da apresentação, porém iniciado exatamente aos quarenta e cinco minutos do relógio com “Balls to the Wall”.
O álbum na íntegra
A partir daí, sabiam-se quais seriam as próximas nove faixas. O ponto era: botariam a mão num vespeiro e teriam a manha de alterar a ordem, certamente afetando a sensação de se ouvir ao vivo o trabalho como crescermos a ele acostumados? Ou manteriam tudo nos conformes? Para a alegria geral, respeitou-se a sequência já em “London Leatherboys”.
Não seria exagero afirmar que, na prática, as “novidades” começavam em “Fight It Back”. Eis a chance de conferir ao vivo composições deixadas de lado conforme novos lançamentos do Accept iam se acumulando. E cabe uma menção: a reprodução do solo por Dee foi sensacional. “Head Over Heels” mostrou-se ótima e, até onde pesquisamos, se a contagem e os dados inseridos no site Setlist.fm estiverem fidedignos, ela nunca havia sido tocada no Brasil, nem mesmo pelo Accept em seus vinte e oito shows por aqui desde a estreia em maio de 2011, no mesmo Carioca Club.
Indo de uma grata surpresa a outra ainda superior, “Losing More Than You’ve Ever Had” mostrou-se ao vivo um verdadeiro musicão! Ao anunciarem-na, Udo e Peter entraram num divertido embate quando o primeiro garantiu que ela nunca havia sido tocada antes, em lugar algum, até seu companheiro lembrá-lo que a haviam feito duas noites antes em Bogotá e o vocalista reconhecer, portanto, esta ser a segunda vez. A julgar pela aceitação coletiva, seria um acerto mantê-la em futuros setlists.
Fim do lado A, era hora de recomeçar no B a partir de “Love Child”, mas devemos admitir: tanto ela quanto “Turn Me On” possuem relevância na obra — houve quem por elas se esgoelasse, especialmente nos refrãos —, mas ambas deram uma leve esfriada e houve quem capitulasse, preferindo garantir uma cerveja ou descarregar um dos efeitos de seu consumo.
E se você esperava o mesmo em “Losers and Winners”, ledo engano, pois ela voltou a revitalizar a massa. Concluindo o disco e a parte regular do set, vieram “Guardian of the Night” (outra inédita, exceto por dois dias atrás) e “Winterdreams”, a mais próxima de uma “balada” a que chegamos.
Numa espécie de “bis”, mesmo sem terem ido ao backstage, mandaram brasa com “Burning”, com um quê de AC/DC e não um, nem dois, mas três finais falsos! “Mais recente do repertório”, a outro foi “Amamos la Vida”, do citado “Objection Overruled”, chegando a uma hora e quarenta e sete minutos de uma tremenda noite. Digerindo tudo que acabava de acontecer e rumo à saída, é sempre rico ouvir frases soltas em análises entre amigos, uma espécie de “termômetro” ainda fervente, é claro. E dois depoimentos se destacaram: “Quando é esse negócio de álbum inteiro, eu não resisto… Quando você vai ouvir essas músicas?”; e “Setlist melhor do que os atuais do Accept porque não tem as novas”.
Por fim, devemos admitir: mesmo carrancudo e levemente sisudo, Udo Dirkschneider possui um carisma próprio. E quanto à sua voz? De veludo? Aí seria demais, mas ela segue estridente e você ouve ao vivo o que está nos discos. E quanto a Baltes? Diferentemente do show do U.D.O. em Fortaleza em 2022, ele não deu nenhum “bicudo” no traseiro alheio.
Dirkschneider — ao vivo em São Paulo
- Local: Carioca Club
- Data: 11 de novembro de 2024
- Turnê: Balls to the Wall 40th Anniversary
- Produção: Overload
Repertório:
Intro: Living After Midnight [Judas Priest]
1. Fast as a Shark
2. Up to the Limit
3. Midnight Mover
4. Breaker
5. Living for Tonite
6. Princess of the Dawn
7. Flash Rockin’ Man
8. Metal Heart
Balls to the Wall:
9. Balls to the Wall
10. London Leatherboys
11. Fight it Back
12. Head Over Heels
13. Losing More Than You’ve Ever Had
14. Love Child
15. Turn Me
16. Losers and Winners
17. Guardian of the Night
18. Winterdreams
Bis:
19. Burning
Outro: Amamos La Vida
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