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Entrevista: Kiko Loureiro fala sobre novo álbum solo, peso e Teoria da Mente

Denso e “moderno”, “Theory of Mind” é o primeiro trabalho lançado pelo guitarrista ex-Angra e ex-Megadeth fora de qualquer banda

Não há como ser mais didático do que Kiko Loureiro. Antes mesmo da entrevista (que também está disponível em vídeo), o guitarrista disponibilizou um material à imprensa onde explica, cuidadosamente, o conceito que ampara seu recém-lançado sexto álbum solo, Theory of Mind. Em 800 palavras, o músico traça um paralelo — a ser melhor explicado posteriormente neste texto — entre a Teoria da Mente, oriunda da psicologia, e a inteligência artificial, tão em voga no mundo contemporâneo.

Ao conversar com o site IgorMiranda.com.br, o ex-integrante do Megadeth e Angra foi perguntado sobre o novo disco soar mais pesado em comparação aos demais trabalhos solo e, em resposta, destinou generosos minutos a explicar toda a evolução da chamada “guitarra shred moderna” — e como este segmento se ampara nas guitarras de sete e oito cordas. As diversas entrevistas concedidas ao longo das décadas, os cursos de seu instrumento e as palestras sobre music business certamente colaboram para que o brasileiro, hoje residindo na Finlândia, consiga explicar tudo isso de forma natural.

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Mas se Kiko é didático nas declarações, “Theory of Mind” mostra, talvez, uma de suas facetas menos óbvias. Aqui, há menos momentos dedicados às melodias fortes e à exploração de ritmos brasileiros, duas características que tornaram o guitarrista notório dentro e fora do país de origem. Para além do peso, as faixas são mais densas e, em especial, tensas. Como o próprio explica em material promocional, é como se o tracklist representasse, progressivamente, “a forma como aprendemos a navegar nas mentes dos outros”.

Curiosamente, não eram exatamente essas as intenções. Loureiro destaca que desejava apresentar músicas mais “modernas” — o que justifica o peso não intencional e o uso de afinações mais graves — e, ao menos em um primeiro momento, um repertório mais “simples”. Conforme o processo criativo evoluía, se deu conta de que descomplicar não é sua praia.

Em “Theory of Mind”, Kiko é acompanhado de dois ex-colegas de Angra: o baixista Felipe Andreoli e o baterista Bruno Valverde. Sua esposa, Maria Ilmoniemi, fica a cargo dos teclados. A produção é assinada por Adair Daufembach e mixagem e masterização, por Jacob Hansen. A capa traz uma arte de Gustavo Sazes. Basicamente, o mesmo time envolvido no antecessor “Open Source” (2020), mas com uma diferença: o novo disco é o primeiro em toda a carreira de Kiko a ser lançado por ele sem estar em uma banda. Todos os outros foram disponibilizados em uma carreira solo “paralela” — que, hoje, é a principal —, ainda que as novas faixas tenham sido compostas enquanto ele seguia como membro do Megadeth.

Peso incidental

Como destacado por Kiko Loureiro, não era a intenção que “Theory of Mind” soasse mais pesado. Por outro lado, não dá para dizer que ele não tenha procurado por isso: desde “Open Source” o músico tem feito mais experimentos com afinações graves e guitarra de oito cordas, além de recorrer a uma timbragem mais distorcida.

É, segundo o próprio, reflexo de sua vida — e de trabalhar sem amarras.

“Fui percebendo ao longo do tempo, de falar: ‘nossa, ficou pesado’, sabe? Mas você vai fazendo, gostando, se empenhando e é reflexo do que você pensa, vive e faz naquele momento. Você precisa deixar a criatividade, não colocar amarras, tipo: ‘ah, não vou fazer pesado, senão não vou entrar na rádio ou no videogame’.”

Mas o que levou o repertório desse trabalho a soar mais pesado? Como se já tivesse pensado nisso, o guitarrista apresenta uma série de possíveis razões complementares.

“A gente pode parar e analisar: é mais pesado porque você estava mais p#to da vida? É mais pesado porque você estava com mais demônios na cabeça? É mais pesado porque você veio da escola Megadeth e viu o mundo? De ter feito turnês junto com Lamb of God, Five Finger Death Punch, Trivium, Meshuggah, fazer amizade e conviver com os caras? Acho que tudo isso conta, tá? Por isso estou falando. Talvez se eu tivesse feito turnê com grupos de jazz, eu voltasse mais jazzista. Você acaba sendo influenciado.”

Uma das já mencionadas intenções era, sim, soar mais moderno. Vem daí a didática explicação sobre como a guitarra shred contemporânea carrega, naturalmente, um pouco mais de peso.

“A guitarra de 7 cordas entra nos anos 90, com o Korn. Aí você tem no Sepultura o ‘Roots’ (1996) afinado como se fosse sete cordas. E aí você começa a ver todos abaixando a afinação da guitarra, ou usando guitarra de 7 cordas. Depois entra a guitarra de 8 cordas, você começa a ter o Meshuggah, que já vem lá dos anos 90 também. O som moderno com guitarra passeia pelo mais grave. Utiliza um espectro maior do instrumento.”

Em dado momento, o próprio Megadeth chegou a ser alvo de, se não cobranças, perguntas de alguns fãs a respeito de uma abordagem mais pesada. No caso da banda de Dave Mustaine, não era a proposta — até porque, ali, há peso sem precisar mexer nesse ponto.

“Até no Megadeth existia essa conversa às vezes. Alguns fãs perguntavam se a gente não abaixava a afinação. Mas dá para tirar agressividade e peso com a guitarra em afinação tradicional, tanto que Metallica, Megadeth e Slayer provam isso.”

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

A Teoria da Mente

“Theory of Mind” busca descrever, de forma instrumental, a capacidade humana de reconhecer e interpretar os estados mentais. Também reflete sobre a complexidade das interações sociais, especialmente no contexto de indivíduos que não conseguem fazer isso naturalmente.

Além disso, o material também aborda o impacto da inteligência artificial na compreensão emocional. Loureiro, segundo o comunicado, questiona: o que significa quando máquinas começam a imitar a empatia e a compreensão humana? E como isso pode redefinir nossa própria identidade?

O próprio título, “Theory of Mind” (“Teoria da Nente”), faz menção direta a um conceito também chamado de “mentalização”.

De acordo com a Stanford Encyclopedia of Philosophy, tal ideia “descreve a capacidade dos indivíduos de reconhecer e interpretar estados mentais, como crenças, desejos e intenções de outros”. A Fiocruz simplifica: é, basicamente, imaginar-se no lugar dos outros.

Essa habilidade é crucial para a empatia e a comunicação, mas à medida que a inteligência artificial avança, surge a questão: como essas máquinas poderão imitar ou compreender esses estados mentais? Kiko destaca que, ao pesquisar sobre a Teoria da Mente, descobriu que o possível último estágio de evolução da IA seria quando robôs começassem a emular a mentalização.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Todo esse conceito surgiu conforme Kiko criava as músicas. Inicialmente, ele explica:

“Vamos supor que eu tenho uma ideia bem bonitinha e felizinha. Aquilo já não está me agradando nesse período da minha vida. Vamos supor que eu tenho uma coisa mais Helloween… isso nem aparece. Uma coisa meio Angra, não aparece. Isso não me satisfaz agora. Talvez me satisfaça no futuro, mas agora não. E aí você se autoanalisa: por que agora eu estou só buscando essas coisas? Isso, ao mesmo tempo em que você cria e grava as músicas, faz com que se chegue nesses assuntos.”

Loureiro menciona uma “questão pessoal, familiar” que o levou a pesquisar sobre Teoria da Mente. Ao mesmo tempo, a temática de inteligência artificial tem se mostrado muito presente em sua vida, por meio da tecnologia — e da dependência desenvolvida pela sociedade, assunto já discutido por ele em “Open Source”.

“Tem a discussão de que IA vai fazer música. Você aperta um botão, já sai uma música. […] Ao mesmo tempo, somos muito dependentes de tecnologia. Como podemos usá-la a favor, mas ser ainda orgânico? Então, busquei um tema que poderia ser um não-IA, algo mais orgânico. Eu estava também com uma questão pessoal e familiar, que foi um dos motivos pelos quais eu saí do Megadeth. Quis estar mais presente em casa [nota: Kiko é pai de três filhos]. Então, conversando na escola, de criança e tal, veio esse termo: teoria da mente. Fui estudar. E enquanto pesquisava sobre IA, vi que o estágio mais avançado da IA seria quando ela entendesse a Teoria da Mente. Então, conectou essa questão mais pessoal para a tecnologia já em voga.”

De acordo com a Teoria da Mente, a empatia é gerada pelo fato de que outras pessoas têm pensamentos, emoções e desejos diferentes. Entender tal conceito permitiu a Kiko esclarecer vários de seus comportamentos passados, além de oferecer uma visão mais ampla de como seus filhos reproduzem as mesmas posturas.

“Quando se tem filho, você começa a ver a sua miniversão. É outra pessoa, mas é uma miniversão sua. Você nota: cara, eu era assim também. Hoje em dia tem muito mais rótulos, ‘essa criança é assim ou assado’. Talvez até um certo exagero. Mas você se recorda de quando cresceu, lembra de um amigo que era de um jeito, que você era de outro jeito. Ajuda a clarear muitas coisas do passado. […] Por exemplo: eu nunca gostei de barulho, por incrível que pareça. Só quando sou o provedor do barulho. Quando adolescente, se eu entendesse isso, eu diria pra galera: ‘não vou na balada, porque é barulho, como eu vou conversar com vocês?’. Sei que vou ficar chatão com o barulho, mas a pessoa vai pensar que o problema é com ela.”

O guitarrista, inclusive, demonstrou saber que não carregava a fama de ser o sujeito mais simpático durante parte de seus anos de Angra. Para além dos relatos de fãs e até jornalistas — não este que vos escreve — que consideravam o músico alguém “difícil” de se conversar, o empresário Paulo Baron, que trabalhou com Loureiro em seu antigo grupo, já compartilhou em entrevistas uma anedota curiosa: enquanto a banda realizava reuniões em escritório, Kiko simplesmente ficava tocando guitarra. Mesmo assim, conseguia prestar atenção nas conversas.

Ao ser relembrado desta situação, ele pontua que é “mania de guitarrista” — “O Baron não toca guitarra, então achava que eu não estava prestando atenção, mas depois ele viu que consigo”, diz. É fato, porém: se o empresário soubesse disso antes, talvez não estranhasse.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

O que vem por aí

Kiko Loureiro negou ter ficado muito ansioso para lançar, conforme já mencionado, seu primeiro álbum solo sem estar em um grupo. Ainda que em uma situação diferente, o guitarrista já disponibilizou vários discos. O processo não muda — só a responsabilidade e, claro, a liberdade.

“Você percebe que está ansioso, mas logo nota que não precisa estar assim. Vai rolar, é mais um álbum. Mas só me dei conta disso agora, que é um álbum ‘solo-solo’. Na turnê (realizada no Brasil entre junho e agosto de 2024) me dei conta disso um pouco, apesar de estar tocando músicas do Angra, cantando música do Megadeth, experimentando.”

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Mas quem espera vê-lo cair na estrada novamente poderá se decepcionar. Loureiro tem planos de voltar para o Brasil e fazer outra turnê, mas não em breve. Também recebeu convites para trabalhos na Europa, porém, não tem aceito. Afinal de contas, ele saiu do Megadeth para passar mais tempo com a família.

“Saí do Megadeth para não ficar fazendo turnê, então, não vou sair, não estou marcando. Neste ano, vou só para a Arábia Saudita, pois me convidaram para um evento e eu nunca fui para lá, então vou passar uns três dias. É o que temos para esse ano.”

Por isso, o trabalho de divulgação de “Theory of Mind” será focado na internet, seja com entrevistas, publicações em redes sociais ou lançamento de vídeos, tanto clipes quanto “playthroughs” (em que mostra como tocar na guitarra alguma de suas músicas).

Mas o cara que ficava tocando guitarra até em reunião burocrática do Angra não consegue ficar parado. Então, adianta: quer continuar compondo, já que outra razão declarada publicamente para sua saída do Megadeth é o desejo de trabalhar mais em suas próprias composições. Ou, como o próprio define, “estou em uma vibe agora onde quero ser mais criador do que executor”.

*“Theory of Mind” pode ser ouvido nas plataformas de streaming de música e comprado, em versão física, no site oficial de Kiko Loureiro.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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