Angra reafirma grandiosidade de seu catálogo em formato acústico em SP

Kiko Loureiro, Vanessa Moreno e músicos de apoio ajudam quinteto a destacar nuances de um dos melhores repertórios da história do heavy metal

Diante do Angra e seu Angraverso, o jornalismo brasileiro especializado na música pesada enfrenta um desafio que poucas vezes deve ter ocorrido em outros lugares ou outras épocas. Como escrever um texto novo sobre um artista que, de uma forma ou de outra, apresenta-se quase que mensalmente na mesma cidade?

Vejamos. Somente em 2024 e apenas em São Paulo, Edu Falaschi fez duas apresentações, a mais recente no início deste mês. Kiko Loureiro realizou uma como artista solo no último dia 10. Luis Mariutti e Aquiles Priester juntaram forças no projeto Shamangra, que estreou na cidade em janeiro. Todos com cobertura deste site. E todos recorreram, em alguma medida, ao arcabouço imaterial da ex-banda que têm em comum: o Angra, que, por sua vez, tocou no festival Summer Breeze deste ano.

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Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

O Angraverso já deixa de ser apelido. Só uma palavra nova pode definir um caso tão atípico, em que a demanda por uma banda não se encerra nela mesma e um revezamento de ex-integrantes quase não dá conta.

Mas sempre existe uma novidade. No último sábado (17), o próprio grupo trouxe a São Paulo seu show acústico.

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Angranplugged

O Angra já havia feito um show nesse formato no Teatro do Sesi no começo dos anos 2000. De tão bem-sucedido, contou com transmissão por um telão no lado externo do prédio, virado para a avenida Paulista, para o público que não havia conseguido ingresso.

Desta vez, uma das diferenças é a existência de um registro oficial, um DVD gravado na Ópera de Arame, em Curitiba (PR). O material ainda não tem data de lançamento, mas prévias estão disponíveis online.

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Quem entrou no Espaço Unimed pôde perceber imediatamente que a mesma estrutura seria utilizada na noite paulista. Candelabros com lâmpadas no lugar de velas estavam espalhados pelo palco com luz baixa. No som mecânico, no lugar do tradicional hard rock ou power metal, tocava “Concerto para piano em lá menor, Opus 16” do compositor norueguês Edvard Grieg, o que reforçava o clima intimista a princípio inviável em uma casa que já estava cheia muito antes do show começar.

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Leveza

A primeira música, “Nova Era”, já deu o tom do que seria a noite. Trazia andamento mais cadenciado e participação destacada do sexteto de cordas que, juntamente com um percussionista e um pianista, complementavam o time de instrumentistas tradicional do Angra. O vocalista Fabio Lione substituiu boa parte dos cantos em tons mais altos por algo mais grave e discreto, enquanto o baterista Bruno Valverde diminuiu a quantidade de notas (principalmente de bumbo), sobrando espaço para arranjos que fizeram seu instrumento valer por dois. A banda, como um todo, não soou contida, mas sim maior do que nunca.

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O público, com uma atenção de plateia de orquestra sinfônica, conteve os aplausos e a cantoria, embora conhecesse com intimidade aquele repertório. Soltavam-se mais quando Lione pedia a interação. Era como se precisassem de autorização para cantar. Assim, é possível entender como a execução de “Storm of Emotions”, do disco menos elogiado da nova fase, Secret Garden (2014), não derrubou o show ao suceder o clássico “Make Believe”, do aclamado Holy Land (1996).

O som apresentou uma definição compatível com o evento somente em “Gentle Change”. Talvez por isso Fabio Lione tenha ficado mais solto e surpreendeu o guitarrista Rafael Bittencourt quando disse que era a música preferida do álbum Fireworks (1998). Durante a introdução, foi brincar com o percussionista Guga Machado e acabou perdendo a introdução da música. Nada demais: o show estava bem ensaiado, ou parecia estar. Em “Reaching Horizons”, Bittencourt, além de tocar violão e cantar os versos sozinho, ficou orientando o sexteto de cordas sobre o momento em que deveriam tocar. Chegou a contar “1, 2, 3”, no meio da música, para indicar que havia chegado a hora do refrão.

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Ao fim dela, porém, não houve bronca. Ao som de “Dorogoi Dlinnoyu”, composição dos russos Boris Fomin e Konstantin Podrevskii mais conhecida no Brasil como trilha do “Show dos Calouros” do SBT, os músicos Renato Salles, Guilherme Santana, Enio Soares e os outros foram um a um apresentados por Rafael, que lembrou e assim homenageou o apresentador Silvio Santos, falecido também no sábado (17) aos 93 anos.

Participações

Os integrantes do “Angraverso” têm uma característica em comum além de levar aos palcos alguma parte do catálogo do Angra: lançar material inédito. Em 2023, Luis Mariutti lançou o álbum “Unholy”. Edu Falaschi vem de uma sequência com Vera Cruz (2021) e Eldorado (2023). Já o Angra disponibilizou Cycles of Pain (2023). A cantora Vanessa Moreno, que participa do disco, foi a primeira participação especial do show, para cantar “Here in the Now” junto de Lione.

Ela fez um discurso de homenagem e agradecimento, dizendo que, apesar de “ter essa cara de MPB”, tem um passado no rock do qual o Angra é parte importante. Pareceu uma justificativa; se foi, desnecessária. A desenvoltura e suavidade com que fez a performance afastaram qualquer possível ressalva. Fabio, dono de um estilo de interpretação mais alto e agressivo, deixa a desejar nos momentos mais sutis — dos quais o Angra se serve bastante.

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Apesar disso, a combinação dele com Vanessa foi exitosa, tanto que rendeu mais quatro músicas: “Wuthering Heights” (aqui sozinha, evidentemente), “Tears of Blood”, “Rebirth” e “No Pain for the Dead”, que foi o auge — se alguém lhe disser que chorou nesse momento, não duvide.

Que fique clara a forma como o talento da Vanessa Moreno engrandeceu o show — não uma eventual deficiência do Fabio Lione —, mas é de se pensar se o Angra não se beneficiaria caso adotasse a estratégia dos suecos do Therion, de se servir de quantos vocalistas forem necessários para que a música seja interpretada da melhor forma. O catálogo é por demais variado para que apenas um estilo de voz dê conta.

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Vanessa, aliás, cantou em mais músicas do show do que as quatro em que Kiko Loureiro tocou. Outra participação previamente anunciada, ele subiu ao palco já em “No Pain for the Dead”. Além de tocar, ele colaborou nos vocais em português de “Late Redemption” — as partes do Milton Nascimento também foram cantadas por Rafael Bittencourt, além do próprio Fabio Lione.

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“Holy Land”, raramente executada ao vivo, contou ainda com Bittencourt no microfone principal. Em alguns momentos, principalmente nos mais altos, lembrou o timbre do Andre Matos, homenageado tanto por Rafael quanto por Kiko ao final da música pela qualidade daquela composição.

Fabio Lione disse que “o Angra é banda que tem que tocar pelo menos duas horas de show”. Foi a deixa para a última música antes do bis, “Bleeding Heart”. O frontman, então, pede para que a galera pegue seus smartphones “não para gravar, mas para luz”. É secundado por Bruno Valverde, que levanta na bateria e gesticula para reforçar o pedido de celulares para cima. O celular, esse eterno demonizado em shows, encontrou um lugar muito mais amigável do que foi, por exemplo, no caso do Placebo no mesmo Espaço Unimed. Foi pequeno o intervalo antes de a banda retornar para encerrar o show com “Carry On”; mesmo assim, teve quem gritasse o cediço “toca Raul”.

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Para além dos elogios

Inevitavelmente, há, se não críticas, ponderações dignas de nota. Um fã da banda, Thales Prestes, relatou duas reclamações pertinentes: para que tocar “Nova Era” e “Carry On”? E por que não convidar também Luis Mariutti?

Se o Angra conseguiu fazer um setlist equilibrado, com surpresas como “Holy Land”, poderia estender a ousadia e substituir alguma das supracitadas por “Tide of Changes”, por exemplo. Uma música a mais da fase do atual vocalista seria bem-vinda, ainda para retificar a estabilidade da atual formação. A turnê solo de Fabio Lione em 2025 cantando principalmente Rhapsody of Fire, a banda que o tornou conhecido, pede um gesto assim.

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E por falar em nuances: a participação de Kiko Loureiro, ainda um dos proprietários do Angra, levou Marcelo Barbosa a ficar escanteado de forma quase inexplicável no palco. O guitarrista titular que o substitui desde 2015 ficou ao lado esquerdo de quem vê, enquanto Rafael, Fabio, Bruno e o baixista Felipe Andreoli compartilhavam o canto direito. Entre eles, um latifúndio pouco ocupado.

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No mais, o formato acústico foi utilizado da forma correta pelo Angra. Mostrou que, independentemente do vocalista, do compositor, de ser balada ou power metal, existe uma grandiosidade nas músicas — que nem sempre tem o destaque adequado. Tal característica mantém-se com o tempo, como pode ser conferido nas músicas do disco mais recente, o elogiado “Cycles of Pain”.

A apresentação no Espaço Unimed representou mais um grande momento na história do Angra. Vamos ver o que ela diz — ou se diz algo — sobre o futuro da banda.

*Mais fotos ao fim da página.

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Angra — ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 17 de agosto de 2024
  • Turnê: Unplugged
  • Produção: Top Link Music

Repertório:

  1. Nova Era
  2. Make Believe
  3. Storm of Emotions
  4. Gentle Change
  5. The Bottom of My Soul
  6. Silence and Distance
  7. Reaching Horizons
  8. Here in the Now (com Vanessa Moreno)
  9. Wuthering Heights (com Vanessa Moreno)
  10. Tears of Blood (com Vanessa Moreno)
  11. No Pain for the Dead (com Vanessa Moreno e Kiko Loureiro)
  12. Holy Land (com Kiko Loureiro)
  13. Late Redemption (com Kiko Loureiro)
  14. Rebirth (com Vanessa Moreno e Kiko Loureiro)
  15. Bleeding Heart

Bis:

  1. Carry On
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Rolf Amaro
Rolf Amarohttps://igormiranda.com.br
Nasceu em 83, é baixista do Mars Addict, formado em Ciências Sociais pela USP. Sempre anda com o Andreas no braço, um livro numa mão e a Ana na outra.

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