Com orientação sobre celulares, Placebo esconde o ouro durante bom show em SP

Visitando cidade pela 5ª vez, banda inglesa prioriza externalidades e repertório mediano em apresentação que, mesmo assim, agrada

A primeira visita do Placebo ao Brasil ocorreu em 2005. Em uma generosa turnê, passaram por oito cidades divulgando a primeira coletânea de singles, “Once More With Feeling”. Retornaram em 2007, 2010 e 2014. Dez anos depois, fizeram apresentação única no Espaço Unimed, em São Paulo, no último domingo (17), após lançarem “Never Let Me Go” (2022), oitavo disco de estúdio.

No intervalo entre 2005 e agora, a banda mudou de formação sem baixar a qualidade artística, tanto nos discos quanto nos shows cada vez mais intensos e dinâmicos — ao invés da indiferença e imobilidade esbanjadas na longínqua estreia em solo brasileiro.

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Contudo, a repercussão geral do retorno à América Latina baseou-se em dois aspectos inusitados. Brian Molko (voz e guitarra) e Stefan Olson (baixo, piano, guitarra e backing vocal) reiteraram em entrevistas e por meio das produtoras locais que a batalha ostensiva empreendida pela banda contra o uso de celular durante durante as apresentações por parte dos fãs seria estendida à América Latina. Por outro lado, os fãs de variados graus de dedicação criticaram severamente o repertório fixo que o Placebo vinha apresentando, com muitas músicas novas (dez do disco mais recente) e discutíveis escolhas dos discos antigos.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Tal descompasso entre artista e público pareceu tomar forma no baixo movimento diante o Espaço Unimed momentos antes do público poder entrar. Quando a banda de abertura Big Special começou pontualmente o show com “Black Country Gothic”, a ocupação da casa era bem baixa.

Big Special

O Big Special havia sido anunciado há poucas semanas e não havia tantos espectadores ali. Então, era de se esperar que ninguém ali tivesse ideia de quem Joe Hicklin e Callum Moloney eram.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Respectivamente vocalista e baterista, o duo se apresentou com pouca iluminação e muitas backing tracks, inclusive de bateria. Algo está errado quando um músico acha bonito se isentar de tocar o próprio instrumento em benefício do playback.

Essa junção toda dava uma aparência de amadorismo ao show, o que não é de todo errado. Eles mal têm um ano de carreira juntos. Em maio, deve sair o primeiro disco de inéditas. Ainda assim, foram bem acolhidos pela plateia, que gritou o nome da banda ao fim, em sinal de aprovação.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Os celulares

Cerca de dez minutos antes da apresentação começar, uma mensagem em inglês surge no telão solicitando ao público que não usasse o celular durante o show do Placebo. Em tradução livre, dizia:

“Caros fãs do Placebo. Gostaríamos de pedir para que vocês não passem o show inteiro filmando com celulares. Isso torna a performance do Placebo muito mais difícil. Fica mais difícil se conectar com vocês e comunicar efetivamente as emoções de as músicas. Também é desrespeitoso com seus colegas que vão aos shows e querem assistir de verdade e não ficar vendo a parte de trás do seu telefone. Por favor, estejam aqui agora, no presente, e aproveitem esse momento. Porque esse exato momento nunca acontecerá de novo. Nosso propósito é criar comunhão e transcendência. Por favor, nos ajudem em nossa missão. Com respeito e amor. Paz. Namastê.”

Aí a voz de Brian Molko lendo a mensagem em inglês soa para todo o público. Na sequência, a versão em português é lida por Anderson Bellini, diretor do documentário do Andre Matos, “Maestro do Rock”.

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Em termos gerais, o texto ressalta a importância de viver o agora, de se conectar com a música e com a banda, do respeito às pessoas que estão atrás de quem filma, que esse cuidado ajuda o Placebo a fazer um show melhor etc.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A bronca preventiva no público, sem que o show tivesse começado, poderia incluir a explicação do porquê de o aparelho ser vilão somente durante o evento. A banda ou a sua equipe nada falaram sobre o fato de que muitos ali souberam do show pelo celular. Compraram o ingresso pelo celular. Encontraram o endereço da casa pelo celular. Se estão tão sedentos por interação com os fãs brasileiros, o Placebo poderia fazer uma sessão de autógrafos em algum dos cerca de cinco dias de estadia por aqui.

Além da contradição, é de se lamentar também a tendência de alguns artistas de serem inspetores dos fãs, que querem organizá-los como se fossem crianças na escola — seja para que fiquem por ordem de tamanho como fez o Bikini Kill na mesma semana, ou que guardem o celular, como o Placebo.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Placebo

Quando a introdução de “Forever Chemicals” começou, músicos e seguranças ocuparam seus lugares. Os primeiros, para interromper os dez anos que separaram o Placebo dos fãs brasileiros — que não puderam ver a turnê da segunda coletânea, “A Place for Us to Dream”, que não passou pela América do Sul. Os segundos, para apontar uma luz forte de lanterna em quem tentasse registrar a apresentação. Caso a pessoa insistisse, a abordagem era pessoal, individual – o que era possível graças à baixa ocupação da casa.

O povo, em sua maioria, topou a ideia e guardou o celular. Já na segunda música, “Beautiful James”, estavam à vontade, cantando alto o single cujo segundo verso batiza o álbum “Never Let Me Go”. Tradicionalmente, as músicas que dão nome aos discos do Placebo se destacam (“Without You I’m Nothing”, “Meds”, “Loud Like Love”, “Battle for the Sun”) e não foi diferente desta vez.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

“Scene of the Crime”, um dos destaques do disco “Loud Like Love” (2013), prepara o terreno para a nova “Hugz”. Uma dobradinha de músicas animadas — na medida em que se pode dizer isso de uma música do Placebo —, mas que não dura muito, pois “Happy Birthday in the Sky” cai como uma bigorna na empolgação do público. O próprio Brian Molko diz que o momento é um dos mais tristes do show. Não é à toa, a composição trata de alguém que se matou. Mas não foi uma boa decisão fazer uma canção ruim desse jeito e incluí-la no show, na primeira parte ainda.

Brian Molko e Stefan Olsdal são músicos experientes. Sabem que um “pé no freio” desses pode prejudicar uma apresentação rara num mercado que só diminuiu para eles. A única explicação plausível para esse e os outros muitos defeitos do repertório aparenta ser uma confiança robusta na qualidade do material próprio.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

E não estão errados. Quando o solo tão simples quanto tocante de “Bionic” começa, é difícil não perdoar o Placebo até pelo que não fizeram — como desligar os telões, por exemplo. Nas primeiras músicas eles chegaram a funcionar, mas piscaram tanto que a produção deve ter desistido de tentar consertar e simplesmente os desligaram.

As coisas seguem nesse ritmo. Músicas abertamente dispensáveis como “Twin Demons” e “Went Missing”, alternam-se com pérolas novas e antigas, do quilate de “Try Better Next Time”, “Too Many Friends” e “For What It’s Worth”.

A sequência explosiva com “Song to Say Goodbye”, “Bitter End” e “Infra-Red” termina o show para uma parcela significativa do público, que vai embora sem cerimônia. Provavelmente sabiam que, na verdade, era pausa para o bis e que o que viria depois não valia a espera. Se não sabiam, nada perderam.

É do jogo o Placebo não querer tocar singles como “Every You Every Me”, “This Picture”, “Special K”. Poderiam optar pelos muitos lados B que são tesouros escondidos como “Allergic (to Thoughts of Mother Earth)”, “Julien”, “Kings of Medicine” e muitas outras possibilidades. O que acabam por escolher é uma trinca para lá de questionável, com “Taste in Men”, “Fix Yourself” e o cover de Kate Bush “Running Up That Hill (A Deal With God)”.

Para encerrar com uma trinca de músicas coadjuvantes na melhor das hipóteses, era melhor nem ter voltado para o palco. O show não perdeu em qualidade, mas o esforço em desanimar as pessoas foi bem-sucedido.

Considerações

Dono de voz privilegiada, Brian Molko aprendeu a usar o gogó ao longo dos anos. Hoje, oferece uma apresentação infinitamente superior à de duas décadas atrás.

A formação expandida ao vivo, que inclui os músicos de apoio Bill Lloyd (guitarra), Nick Gavrilovic (sintetizador, guitarra e backing vocal), Matt Lunn (bateria) e Angela Chan (teclado e violino) faz com que a banda soe muito maior e melhor ao vivo, mesmo as músicas da época de trio. Deve vir daí o excesso de confiança que, se os faz desafiar o público e não entregar o que desejam e ainda assim fazer um show bom, pode explicar o número menor de ingressos vendidos.

Não foi nessa quinta visita do Placebo ao Brasil que o público aumentou. É de se esperar que, em uma próxima vinda, façam um setlist à altura do legado da banda. Vai ser mais fácil fazer se conseguirem dar menos atenção a essa história de celular.

*Mais fotos ao fim da página.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Placebo — ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 17 de março de 2024
  • Turnê: Never Let Me Go — Live in 2024 LATAM & USA

Repertório — Big Special:

  1. Black Country Gothic
  2. This Here Ain’t Water
  3. Shithouse
  4. Butcher’s Bin
  5. Dust Off / Start Again
  6. Trees
  7. Dig

Repertório — Placebo:

  1. Forever Chemicals
  2. Beautiful James
  3. Scene of the Crime
  4. Hugz
  5. Happy Birthday in the Sky
  6. Bionic
  7. Twin Demons
  8. Surrounded by Spies
  9. Soulmates
  10. Sad White Reggae
  11. Try Better Next Time
  12. Too Many Friends
  13. Went Missing
  14. Exit Wounds
  15. For What It’s Worth
  16. Slave to the Wage
  17. Song to Say Goodbye
  18. The Bitter End
  19. Infra-red

Bis:

  1. Taste In Men
  2. Fix Yourself
  3. Running Up That Hill (A Deal With God) (cover de Kate Bush)
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox
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Rolf Amaro
Rolf Amarohttps://igormiranda.com.br
Nasceu em 83, é baixista do Mars Addict, formado em Ciências Sociais pela USP. Sempre anda com o Andreas no braço, um livro numa mão e a Ana na outra.

12 COMENTÁRIOS

  1. Acho que quem escreveu a materia não foi ao show.
    O público aplaudiu e gostou da ideia de guardar os celulares. Todos cantaram praticamente em todas as músicas até nas do álbum mais recente.
    Ele poderia mostrar fotos do ambiente todo também.
    E esse foi umas das melhores apresentações de Brian, que interagiu e vibrou muito com o público.

  2. A pessoa que escreveu a matéria não estava no show, com a pista cheia, mezanino e camarote também. Com um público tão animado que tirou de Brian e Stefan. Igor também não nos viu cantar parabéns para o Bill Loyd, já que era aniversário dele. Igor como não é fã de Placebo e não pesquisou sobre a banda, não sabe que a escolha do repertório tem relação com Brian não estar usando drogas e não tocar basicamente música alguma que faça alusão a isso. No mais, vamos falar do show

    Após 10 anos, tivemos um show com uma interação e o intimidade com o público que geralmente Brian não tem. Tivemos um Stefan dançando, e foi incrível. Era VISIVEL a emoção em cada fã desde a fila. Tinha gente que madrugou na fila, que tomou todo o sol do domingo. Tivemos o Placebo por completo.
    É muito ruim ver uma matéria tão sem noção assim

  3. Esse reporter obviamente não é fã da banda. Happy birthday in the sky é sobre alguém que se matou? ! A pessoa que pesquise um pouco mais, por favor.Qto à escolha das músicas o Brian hoje em dia não toca nada relacionado com drogas.Essa do público ir embora antes do bis acho no mínimo bizarro, pagam bilhete caro e vão embora porque a banda não tocou every you every me? Lol.. A maioria dos fãs adora por exemplo running up that hill. Mesmo a questão dos celulares já é aceite por quase toda a gente. Placebo sempre teve má imprensa e este é um dos exemplos…assim se destroi a reputação de uma banda!…

  4. Conheci o Placebo a 20 anos atrás, fui no show ciente desse papo de não tocarem as músicas do Lado B, então concordo com parte do texto.

    Sobre a playlist do show, não curti! Mas a galera conhecia e cantaram todas no berro.

    Sobre os celulares, um fã revoltado estapeou o meu celular quando tentei gravar a entrada. ‘Público novo sem maturidade’.

    ‘O show não perdeu em qualidade, mas o esforço em desanimar as pessoas foi bem-sucedido.’ FATO!

    Mas realmente a casa estava lotada, notei que baixaram o valor dos ingressos no dia do show, mas foi bom casa vazia é triste.

    Seguirei ouvindo as antigas no Spotify.

  5. If Mr. Rolf Amaro had informed himself about the band (which I think a journalist should do) he would know that Placebo have not played many of their old songs for years. (I don’t agree either, but that’s how it is) .
    One’s taste is subjective and I respect that, but to go to a Placebo show and say that “Happy Birthday in the Sky” is bad, that “Twin Demons” and “Went missing” are superfluous seems ridiculous to me. Superfluous was probably the presence of this journalist. The phone fight has been going on for years, even about that you can inform yourself beforehand and choose not to go.
    I hope Brian & Co will save money and energy by staying in Europe for the next few years, as they have no audience in Brazil. (The article says that the hall was quite empty and the market is poor for them). Also the journalist can tell the Brazilian fans to stop writing ‘come to Brazil’ under every post of the band, since they came and did not satisfy you.

    Translated with DeepL.com (free version)

  6. Com certeza não estávamos no mesmo show. A banda foi impecável e o público também. Cantamos muito e em nenhum momento happy birthday in the sky caiu como uma bigorna foi o oposto, apesar de ser triste era aniversário do Bill e nós cantamos parabéns p ele. Fizemos coro.
    O final do show foi o ápice! Quando o Brian pega a bandeira Trans e caminha pelo palco se despedindo e indo embora com ela.

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