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Deep Purple soa revigorado e mais assertivo com novo guitarrista em “=1”

Alheio à virtuose de Steve Morse, estreante Simon McBride se prova sofisticado pela simplicidade e à altura do cargo num álbum que supera expectativas

Por melhores que fossem os últimos discos do Deep Purple — e aqui fala um apreciador convicto da trinca “Now What?!” (2013), “Infinite” (2017) e “Whoosh!” (2020) —, é inegável que havia também certo automatismo nesses trabalhos. Depois de tanto tempo envolta pela equação “gravar + excursionar”, por vezes excruciante, qualquer banda ou formação flerta com a armadilha da zona de conforto, a despeito da genialidade dos envolvidos.

O guitarrista Steve Morse, especificamente, já sugeria padecer desse mal. Tendo empunhado o instrumento por quase três décadas (1994-2022), bem mais que o fundador Ritchie Blackmore — de 1968 a 1975 e 1984 a 1993 —, o músico americano foi brilhante em alguns momentos, inclusive no até hoje subestimado “Purpendicular” (1996), mas vinha dando sinais de cansaço.

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“Turning to Crime” (2021), um dispensável álbum de covers, acabou sendo seu último ato, seguido do afastamento para auxiliar a esposa no tratamento de um câncer — Janine Morse faleceu no começo deste ano. Desde 2022, portanto, o britânico Simon McBride (ex-Sweet Savage) assumiu o posto, primeiro em turnê, e agora realiza sua aguardada estreia como membro efetivo.

Com o inusitado título de “=1”, o 23º disco de estúdio do Deep Purple inaugura a chamada “Mark IX”, nona encarnação da banda que se tornou sinônimo de hard rock clássico. E o resultado supera expectativas, com Ian Paice (bateria), Ian Gillan (vocal), Roger Glover (baixo) e Don Airey (teclados) soando revigorados e mais assertivos, acompanhados por um guitarrista novato que prova estar à altura do cargo.

Alheio à virtuose de Morse, McBride é mais objetivo e dono de uma sofisticação que reside na simplicidade. Um guitarrista rítmico de mão cheia, que não abdica de excelentes solos, mas cujo protagonismo, pelo menos nesse cartão de visitas, se verifica principalmente por riffs que há tempos não perambulavam o universo do Purple.

Faixa a faixa

Os três singles que antecederam o lançamento de “=1” cumpriram bem o papel de sintetizar uma fatia da obra. Cada um a seu modo, mostram diferentes facetas de um álbum que, embora acessível, tende a crescer a cada audição.

“Portable Door” é o típico fan service, com um riff que remete diretamente a “Pictures of Home”, do Machine Head (1972). “Pictures of You”, por sua vez, abraça o viés pop, mas com extremo bom gosto. O riff no contratempo da bateria, o refrão grudento e o solo melodioso fazem dela a mais radiofônica do repertório. Já “Lazy Sod” é aquele hardão setentista para acalmar o tiozão preocupado com uma possível ausência de peso. Definitivamente, não é o caso.

Todas as três músicas de trabalho são ótimas, mas, felizmente, “=1” vai além dessa gama de estereótipos precoces. “Show Me”, por exemplo, abre o disco com um palm mute de Simon McBride, técnica relativamente prosaica no âmbito da guitarra, mas que casa muito bem com a interpretação à la Robert Plant de Ian Gillan nos primeiros versos, conversando diretamente com o ouvinte: “Come on, baby! Don’t be shyyyy”. Depois a canção explode, com um groove permeado pelo teclado.

“A Bit on the Side” é um dos tesouros imediatos da atual formação do Deep Purple, com potencial para se tornar a nova música diferentona que todo mundo ama cultuar e raramente a banda toca. Aqui quem brilha é a cozinha, com uma linha de baixo irresistível de Roger Glover, e Ian Paice conferindo um peso descomunal. É impressionante o que o baterista, único integrante perene em todas as fases da banda, ainda consegue entregar do alto de seus 76 anos.

“Sharp Shooter” soa um pouco batida, mas nada que comprometa, pois logo em seguida vem a já citada “Portable Door” e “Old-Fangled Thing”, mais um dos destaques do disco. A dobradinha entre a guitarra de McBride e o teclado de Don Airey rouba a cena no início da música, mais acelerada que a média, e, lá na frente, desemboca em um groove de uma tonelada, o qual bandas de stoner/doom aficionadas por Black Sabbath passam a vida tentando emular.

“If I Were You” surge como a balada da vez. Posicionada no miolo do material, é um tanto quanto inofensiva, pois, após a excelente ponte, o refrão não causa o impacto desejado. Apesar de cantar com sentimento, neste caso Ian Gillan parece não ter acertado na escolha das palavras, o que é uma pena.

Em “I’m Saying Nothing”, porém, fica claro o motivo do vocalista ter sido tão influente para Bruce Dickinson, do Iron Maiden. A música em si não é exatamente um ponto alto do álbum, mas sua voz confere um aspecto sombrio e desafiador, capaz de prender a atenção. É nela e na agitada e roqueira “Now You’re Talkin'” que Gillan arrisca, com sucesso, suas linhas vocais mais ousadas em “=1”.

Fora “Pictures of You” e “Lazy Sod”, porém, a segunda metade do álbum é ligeiramente inferior à primeira, sobretudo pela presença de fillers como “No Money to Burn” e “I’ll Catch You”. Ambas poderiam ser suprimidas sem maiores prejuízos, reduzindo a duração total (52 minutos) e otimizando a audição.

Valorizaria até mesmo o encerramento com ares de prog em “Bleeding Obvious”, que não merecia ser relegada à 13ª posição em um tracklist tão extenso. Foi esse o único deslize do produtor Bob Ezrin (Kiss, Pink Floyd, Alice Cooper etc) em seu quinto trabalho com o Purple. Em uma banda sem um líder explícito, sua contribuição nessas horas é fundamental para deixar tudo mais conciso e evitar possíveis “sobras”.

O saldo de “=1”, no entanto, é extremante positivo. O segredo embutido no nome enigmático do álbum talvez seja justamente simbolizar o Deep Purple como uma unidade novamente. A equação em que a soma de tantos predicados converge e totaliza sempre a essência única dessa instituição do hard rock, fortalecida mais uma vez.

*Ouça “=1” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

*O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

Deep Purple — “=1”

  1. Show Me
  2. A Bit On The Side
  3. Sharp Shooter
  4. Portable Door
  5. Old-Fangled Thing
  6. If I Were You
  7. Pictures Of You
  8. I’m Saying Nothin’
  9. Lazy Sod
  10. Now You’re Talkin’
  11. No Money To Burn
  12. I’ll Catch You
  13. Bleeding Obvious

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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Por melhores que fossem os últimos discos do Deep Purple — e aqui fala um apreciador convicto da trinca “Now What?!” (2013), “Infinite” (2017) e “Whoosh!” (2020) —, é inegável que havia também certo automatismo nesses trabalhos. Depois de tanto tempo envolta pela equação “gravar + excursionar”, por vezes excruciante, qualquer banda ou formação flerta com a armadilha da zona de conforto, a despeito da genialidade dos envolvidos.

O guitarrista Steve Morse, especificamente, já sugeria padecer desse mal. Tendo empunhado o instrumento por quase três décadas (1994-2022), bem mais que o fundador Ritchie Blackmore — de 1968 a 1975 e 1984 a 1993 —, o músico americano foi brilhante em alguns momentos, inclusive no até hoje subestimado “Purpendicular” (1996), mas vinha dando sinais de cansaço.

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“Turning to Crime” (2021), um dispensável álbum de covers, acabou sendo seu último ato, seguido do afastamento para auxiliar a esposa no tratamento de um câncer — Janine Morse faleceu no começo deste ano. Desde 2022, portanto, o britânico Simon McBride (ex-Sweet Savage) assumiu o posto, primeiro em turnê, e agora realiza sua aguardada estreia como membro efetivo.

Com o inusitado título de “=1”, o 23º disco de estúdio do Deep Purple inaugura a chamada “Mark IX”, nona encarnação da banda que se tornou sinônimo de hard rock clássico. E o resultado supera expectativas, com Ian Paice (bateria), Ian Gillan (vocal), Roger Glover (baixo) e Don Airey (teclados) soando revigorados e mais assertivos, acompanhados por um guitarrista novato que prova estar à altura do cargo.

Alheio à virtuose de Morse, McBride é mais objetivo e dono de uma sofisticação que reside na simplicidade. Um guitarrista rítmico de mão cheia, que não abdica de excelentes solos, mas cujo protagonismo, pelo menos nesse cartão de visitas, se verifica principalmente por riffs que há tempos não perambulavam o universo do Purple.

Faixa a faixa

Os três singles que antecederam o lançamento de “=1” cumpriram bem o papel de sintetizar uma fatia da obra. Cada um a seu modo, mostram diferentes facetas de um álbum que, embora acessível, tende a crescer a cada audição.

“Portable Door” é o típico fan service, com um riff que remete diretamente a “Pictures of Home”, do Machine Head (1972). “Pictures of You”, por sua vez, abraça o viés pop, mas com extremo bom gosto. O riff no contratempo da bateria, o refrão grudento e o solo melodioso fazem dela a mais radiofônica do repertório. Já “Lazy Sod” é aquele hardão setentista para acalmar o tiozão preocupado com uma possível ausência de peso. Definitivamente, não é o caso.

Todas as três músicas de trabalho são ótimas, mas, felizmente, “=1” vai além dessa gama de estereótipos precoces. “Show Me”, por exemplo, abre o disco com um palm mute de Simon McBride, técnica relativamente prosaica no âmbito da guitarra, mas que casa muito bem com a interpretação à la Robert Plant de Ian Gillan nos primeiros versos, conversando diretamente com o ouvinte: “Come on, baby! Don’t be shyyyy”. Depois a canção explode, com um groove permeado pelo teclado.

“A Bit on the Side” é um dos tesouros imediatos da atual formação do Deep Purple, com potencial para se tornar a nova música diferentona que todo mundo ama cultuar e raramente a banda toca. Aqui quem brilha é a cozinha, com uma linha de baixo irresistível de Roger Glover, e Ian Paice conferindo um peso descomunal. É impressionante o que o baterista, único integrante perene em todas as fases da banda, ainda consegue entregar do alto de seus 76 anos.

“Sharp Shooter” soa um pouco batida, mas nada que comprometa, pois logo em seguida vem a já citada “Portable Door” e “Old-Fangled Thing”, mais um dos destaques do disco. A dobradinha entre a guitarra de McBride e o teclado de Don Airey rouba a cena no início da música, mais acelerada que a média, e, lá na frente, desemboca em um groove de uma tonelada, o qual bandas de stoner/doom aficionadas por Black Sabbath passam a vida tentando emular.

“If I Were You” surge como a balada da vez. Posicionada no miolo do material, é um tanto quanto inofensiva, pois, após a excelente ponte, o refrão não causa o impacto desejado. Apesar de cantar com sentimento, neste caso Ian Gillan parece não ter acertado na escolha das palavras, o que é uma pena.

Em “I’m Saying Nothing”, porém, fica claro o motivo do vocalista ter sido tão influente para Bruce Dickinson, do Iron Maiden. A música em si não é exatamente um ponto alto do álbum, mas sua voz confere um aspecto sombrio e desafiador, capaz de prender a atenção. É nela e na agitada e roqueira “Now You’re Talkin'” que Gillan arrisca, com sucesso, suas linhas vocais mais ousadas em “=1”.

Fora “Pictures of You” e “Lazy Sod”, porém, a segunda metade do álbum é ligeiramente inferior à primeira, sobretudo pela presença de fillers como “No Money to Burn” e “I’ll Catch You”. Ambas poderiam ser suprimidas sem maiores prejuízos, reduzindo a duração total (52 minutos) e otimizando a audição.

Valorizaria até mesmo o encerramento com ares de prog em “Bleeding Obvious”, que não merecia ser relegada à 13ª posição em um tracklist tão extenso. Foi esse o único deslize do produtor Bob Ezrin (Kiss, Pink Floyd, Alice Cooper etc) em seu quinto trabalho com o Purple. Em uma banda sem um líder explícito, sua contribuição nessas horas é fundamental para deixar tudo mais conciso e evitar possíveis “sobras”.

O saldo de “=1”, no entanto, é extremante positivo. O segredo embutido no nome enigmático do álbum talvez seja justamente simbolizar o Deep Purple como uma unidade novamente. A equação em que a soma de tantos predicados converge e totaliza sempre a essência única dessa instituição do hard rock, fortalecida mais uma vez.

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  4. Portable Door
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  8. I’m Saying Nothin’
  9. Lazy Sod
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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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