Como “Highway to Hell” mudou a história do AC/DC

Troca de produtores e ajustes no processo de gravação influenciaram o som e o sucesso do último álbum da banda com o vocalista Bon Scott

Já bastante popular na Austrália e na Europa desde meados da década de 1970, o AC/DC ainda não tinha conseguido conquistar o mercado americano de forma significativa. Tanto os músicos como sua equipe de gestão sabiam que o sucesso nos Estados Unidos era crucial para catapultar a banda para novos patamares de popularidade e êxito comercial.

Havia uma pressão considerável da Atlantic Records para que Bon Scott (vocais), Angus Young (guitarra solo), Malcolm Young (guitarra base), Cliff Williams (baixo) e Phil Rudd (bateria) lançassem um álbum que pudesse atingir esse objetivo. Talvez os cinco precisassem de um novo produtor, que entendesse o que estava acontecendo na música, principalmente na América.

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Esperando um retorno significativo, a gravadora investiu pesadamente na produção e na promoção do que seria a última chance de o grupo provar seu valor na América. À Metal CD, Malcolm resumiu:

“A Atlantic não estava satisfeita porque não conseguia colocar a banda para tocar no rádio nos Estados Unidos. E nós estávamos desesperados para produzir algo mais acessível. Nós fizemos alguns álbuns do nosso jeito, então resolvemos deixá-los fazer como eles queriam e todos ficamos contentes.”

Conheça a história de “Highway to Hell”.

Chave inglesa no meio da engrenagem

Em janeiro de 1979, o executivo da Atlantic, Michael Kleffner, voou para Sydney para uma reunião com George Young — irmão mais velho de Angus e Malcolm — e Harry Vanda, na qual foi categórico: para a carreira do AC/DC decolar nos Estados Unidos e para a gravadora continuar investindo no futuro da banda, a dupla teria que ceder e deixar outra pessoa assumir a produção dos discos.

A sugestão não entusiasmou muito o grupo. Também deve ter sido difícil engolir a ideia de despedir o próprio irmão: a única pessoa que esteve com eles desde o começo, produziu os seis primeiros álbuns e foi essencial para todo o sucesso que o AC/DC havia alcançado. Embora tenha dado o sinal verde, George lhes disse: “Não deixem que mudem o que vocês são. Lembrem-se sempre de que vocês são uma banda de rock ‘n’ roll.”

Assim disse o então empresário do AC/DC, Michael Browning, ao biógrafo Mick Wall:

“George foi fabuloso para eles, mas vivia a 20 mil quilômetros de distância e fazia anos que não ia aos Estados Unidos. As rádios FM norte-americanas tinham um som específico que era necessário conhecer para entender o que se esperava de uma banda que quisesse estourar nos Estados Unidos por meio do rádio. Apesar de agora todos dizerem que os melhores discos foram feitos com George e Harry, a ideia de encontrar um produtor que quebrasse a resistência norte-americana era apropriada.”

O renomado produtor inglês Eddie Kramer, que havia trabalhado com Jimi Hendrix, Led Zeppelin e Kiss, foi inicialmente escolhido para o projeto. A Wall, Kramer afirmou:

“A gravadora achou que eu era a escolha perfeita. Mas quando cheguei, ficou evidente que aquilo não ia funcionar.”

Além do ressentimento com Kramer porque sua presença tinha sido imposta pela gravadora, o AC/DC não conseguiu chegar a um acordo com o produtor sobre os métodos de gravação. Entre outras questões, o inglês insistia para a banda usar teclados.

Três semanas se passaram e tudo o que tinham eram várias fitas com “pedaços” que incluíam o riff de “Highway to Hell” e um estágio embrionário de “Love Hungry Man”. O produtor, que Bon definiu como “um monte de b*sta que não consegue produzir nem um bom peido”, foi despedido.

Para Malcolm, “Kramer pode ter se sentado atrás da mesa para o Hendrix, mas ele não era o Hendrix”. O profissional, por sua vez, resumiu: “me levar para lá foi como jogar uma chave inglesa no meio da engrenagem”.

AC/DC com um toque de refinamento

Um produtor relativamente novato, Robert John “Mutt” Lange, conhecido pelo seu trabalho com grupos new wave nos anos 1970, foi logo recrutado por Browning. O ex-empresário recorda:

“Só me lembro do Malcolm dizendo [pelo telefone]: ‘Não me importa p#rra nenhuma [com quem Mutt tinha trabalhado]. Precisamos conseguir qualquer um — qualquer um! —, menos Eddie Kramer!’.”

Nascido na atual Zâmbia e apresentado aos Young como “um gênio”, Lange adicionou um toque de refinamento, aumentando um pouco os médios, o que ficou mais evidente no som da bateria de Phil. Sua principal contribuição, no entanto, foi dar mais destaque aos vocais de Bon e aos vigorosos “gang vocals” cantados por Malcolm e Cliff.

À revista Musician, Angus contou:

“Sei que Bon ficou muito feliz. Mutt ensinou Bon a respirar, trazendo o ar da barriga. Depois de gravar o álbum, Bon disse a Mutt: ‘Gostei do que você fez. Você acha que vale a pena eu procurar um professor [de canto]?’ Mutt respondeu: ‘Não, acho que não. Você é assim mesmo’.”

O guitarrista prossegue:

“Acho que o principal de ‘Highway to Hell’ foi que Mutt sabia como era o som da FM e nós não. Toda semana ele ficava lá ouvindo o Top 10 dos Estados Unidos, prestando atenção ao som. E ele tem um ouvido excelente. Era capaz de ouvir um alfinete cair.”

Malcolm acrescenta:

“Mutt parecia entender de música e procurava o lado comercial enquanto nós cuidávamos dos riffs e de algum modo conseguimos chegar a um meio-termo, sem que nos sentíssemos vendidos.”

Enquanto George e Harry sempre encorajavam a banda a dar o máximo de si sem se preocupar com detalhes como afinação e tempo, Mutt insistia para que tudo — melodia, ritmo e harmonia — estivesse perfeitamente equilibrado.

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Antes, o AC/DC nunca havia passado mais de três semanas gravando um álbum. Desta vez, ficou quase três meses.

Associação indesejada

Embora os ingênuos e os desinformados tenham rotulado “Highway to Hell” como uma ode ao diabo, o título é apenas uma metáfora para a primeira grande turnê da banda nos Estados Unidos. “Todas as músicas que fazemos são basicamente sobre uma dessas coisas: bebida, sexo ou rock ‘n’ roll”, disse Scott em 1976.

Mudaram as estações, mas nada mudou. Pérolas como “She had the face of an angel smilin’ with sin / The body of Venus with arms” (“Ela tinha o rosto de um anjo sorrindo com o pecado / O corpo de Vênus com braços”), de “Touch Too Much”, continuaram vindo da mente um tanto suja do vocalista.

Autor da biografia “Bon: A última Highway” (Benvirá, 2017), Jesse Fink disse:

“Ele escreve músicas sobre levar um pé na bunda de mulheres, ter azar no amor ou estar duro. Questões humanas básicas que todos enfrentamos em algum momento. Acho que é por isso que essas músicas ressoam tão bem com os ouvintes. Pense em ‘Shot Down in Flames’. Ele está cantando sobre ser rejeitado por uma mulher. São coisas simples que funcionam.”

No entanto, a letra de Scott sobre um cara que entra sorrateiramente no quarto da namorada à noite para uma transa inocente fizeram o AC/DC ser associado a um serial killer na década seguinte.

“As you lie there naked like a body in a tomb, suspended animation as I slip into your room” (“Enquanto você jaz nua como um corpo em um túmulo, em animação suspensa enquanto eu entro no seu quarto”), diz uma estrofe de “Night Prowler”. Embora não haja evidências de que a música tenha sido uma influência específica para o serial killer Richard Ramirez, havia semelhanças assustadoras entre a letra e o modus operandi do assassino, que geralmente entrava nas casas à noite e estuprava ou assassinava os ocupantes — especialmente depois que Ramirez falou sobre como amava o AC/DC e “Highway to Hell” era seu álbum favorito.

Referido pela mídia como o “Night Stalker” (“Perseguidor da Noite”), Ramirez teve uma rápida carreira criminal. Durante pouco mais de um ano, assassinou 13 pessoas — e falhou em matar outras cinco —, estuprou e roubou. Em setembro de 1989, foi condenado à morte, mas morreu de câncer em 2013, enquanto ainda aguardava para ser executado no corredor da morte, na Prisão Estadual de San Quentin.

Especial desde a primeira ouvida

Embora a Atlantic não tenha gostado do nome e tenha tentado obrigar a banda a mudar — “por causa dos religiosos dos Estados Unidos, que eram fortes na época e reclamaram quando o disco saiu”, segundo Malcolm —, “Highway to Hell” foi lançado em 27 de julho de 1979.

O álbum se tornou o primeiro do AC/DC a entrar no top 100 da Billboard. Eventualmente alcançou a 17ª posição, proporcionando à banda o tão desejado impulsionamento na América. Com mais de 7 milhões de cópias vendidas, é o segundo disco mais vendido do AC/DC — atrás apenas de Back in Black (1980) — no país.

Iniciada em 17 de agosto, na Bélgica, a turnê homônima manteve o AC/DC na estrada até 27 de janeiro do ano seguinte, data do que seria o último show de Bon Scott. O vocalista morreria em 19 de fevereiro, após uma noite de muita bebedeira. A estreia do substituto Brian Johnson, “Back in Black”, se tornaria um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos.

“Achei que a faixa-título era a música que poderia ser o que eles precisavam nos Estados Unidos”, recordou Browning a Wall. O ex-empresário acertou em cheio: “Highway to Hell”, a música, chegou ao número 47 e, hoje, 45 anos após seu lançamento, empilha conquistas, como o número 258 na lista das 500 Maiores Músicas de Todos os Tempos da revista Rolling Stone e a menção na lista das 500 Músicas que Moldaram o Rock do Rock and Roll Hall of Fame.

“Ficou óbvio desde a primeira ouvida que era algo especial”, concluiu ele.

AC/DC – “Highway to Hell”

  • Lançado em 27 de julho de 1979 pela Atlantic Records
  • Produzido por Robert John “Mutt” Lange

Faixas:

  1. Highway to Hell
  2. Girls Got Rhythm
  3. Walk All Over You
  4. Touch Too Much
  5. Beating Around the Bush
  6. Shot Down in Flames
  7. Get It Hot
  8. If You Want Blood (You’ve Got It)
  9. Love Hungry Man
  10. Night Prowler

Músicos:

  • Bon Scott (vocais)
  • Angus Young (guitarra solo)
  • Malcolm Young (guitarra base)
  • Cliff Williams (baixo)
  • Phil Rudd (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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