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Kerry King faz spin-off mediano de Slayer em “From Hell I Rise”

Primeiro álbum solo do guitarrista tenta emular pretensa raiva de espírito, mas se ampara em estilemas inofensivos e traz poucos momentos memoráveis

Que o primeiro disco solo de Kerry King é uma continuação óbvia do Slayer, praticamente de onde parou “Repentless” (2015), não restam dúvidas. O próprio guitarrista tem dito isso em entrevistas — e não há surpresa alguma. Mas essa premissa, por si só, não é suficiente para fazer de “From Hell I Rise” um grande álbum. Na verdade, ela serve mais para situar o ouvinte do que empolgá-lo.

A não ser que a intenção seja fechar os olhos para vários problemas que o último disco do Slayer já trazia, é possível dizer que a nova empreitada de King incorre em carências semelhantes. Quem gostou de “Repentless” possivelmente vai se identificar também com “From Hell I Rise”. Por outro lado, quem já não tinha se emocionado tanto assim tem motivos de sobra para ficar com o pé atrás nessa estreia solo do guitarrista.

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Apesar de ter se cercado de gente gabaritada da cena thrash metal — o vocalista Mark Osegueda (Death Angel), o baterista Paul Bostaph (Slayer, Forbidden, Testament), o guitarrista Phil Demmel (Vio-Lence, Machine Head) e o baixista Kyle Sanders (Hellyeah) —, Kerry King repete maneirismos já surrados e entrega mais uma pretensa raiva de espírito do que músicas realmente memoráveis. Há bons momentos, claro. No geral, contudo, “From Hell I Rise” soa como um spin-off mediano de Slayer.

Faixa a faixa

Perante um currículo com intros do quilate de “Hell Awaits” e “South of Heaven”, a inofensiva “Diablo” simplesmente empalidece. Ao invés de criar, ela dissolve a tensão. E termina, na verdade, com ares de “outro”, caindo por terra qualquer intenção de forjar um preâmbulo maligno ao que vem pela frente. Para quem pretende ou sugere se “reerguer do inferno”, não convence nem um pouco.

Dito isso, “Where I Reign” traz à tona a típica levada acelerada do Slayer, marca registrada de quem praticamente fundou os alicerces mais extremos do thrash metal, os quais Kerry King não seria besta de abrir mão. Nela, Paul Bostaph faz valer os predicados que já conhecemos desde “Divine Intervention” (1994), ou mesmo dos tempos de Forbidden, banda que o projetou. Um cara por vezes desperdiçado, sem dúvida, e uma música que consegue mostrar bem a que veio.

Somos apresentados também à nova faceta de Mark Osegueda como vocalista. Como os singles “Idle Hands” e “Residue” já permitiam depreender, ao lado de Kerry King o frontman do Death Angel adota uma abordagem vocal bem mais agressiva e rascante do que em sua banda de origem. Comparações com Tom Araya são inevitáveis; ainda assim, Osegueda passa (não exatamente ileso) pelo teste de fogo. Se há embaraços em “From Hell I Rise”, porém, eles não residem necessariamente aí.

Inclusive, também pode-se afirmar que King acertou na escolha das músicas de trabalho, pois ambas estão entre as mais fortes do repertório. “Idle Hands” engana no início com um riff que lembra Metallica recente, mas logo descamba para um thrash sincopado, algo que o Slayer fez em profusão no “World Painted Blood” (2009). E a despeito de um groove desnecessário na parte final, pois já é uma faixa mid-tempo, “Residue” traz alguns dos melhores riffs do álbum.

“Trophies of the Tyrant”, por sua vez, mantém o pé no freio e pouco acrescenta. O vocal de Osegueda acena para o Pantera, na medida em que arrisca uma impostação à la Phil Anselmo, mas que se prova apenas insossa.

A essa altura, já é de se perguntar onde estão o guitarrista Phil Demmel, egresso do Vio-lence, e o baixista Kyle Sanders (ex-Hellyeah). Demmel contribui com alguns solos interessantes aqui e ali, às vezes com uma pegada mais heavy que o habitual e sem ameaçar roubar a cena. Sanders, entretanto, faz rigorosamente o trivial.

“Crucifixation” talvez seja a única que remeta aos primórdios mais viscerais do Slayer, como o EP “Haunting the Chapel” (1984) e hinos como “Chemical Warfare” e “Captor Sin”. Entretanto, a pretensão de alongá-la mesmo sem ter nada relevante a dizer quase põe tudo a perder. Poderia terminar com 2 minutos, tranquilamente.

“Tension” abre a segunda metade do disco e se propõe a especular um clima maléfico, mas não assusta ninguém. Assim como a capa, diga-se de passagem. Não é de hoje que King recorre a uma estética de gosto duvidoso e que entrega tudo de mão beijada, numa ânsia de impacto barato. Ao estampar a 3×4 do demônio sem qualquer pudor ou critério, ele simplesmente mata o mistério. Basta refletir: qual arte realmente provoca o interlocutor e o instiga a desvendá-la, essa ou a de “Reign in Blood” (1986)?

Fora o título pueril, a curtíssima “Everything I Hate About You”, com pouco mais de um minuto, não tem nada de errado. A não ser requentar a mesma levada já saturada e utilizada incansáveis vezes, inclusive nesse próprio disco.

O que se critica, vale ressaltar, não é o projeto particular de Kerry King soar como Slayer, pois nada mais natural do que isso. E sim o fato de o guitarrista estar tão somente escancarando várias das mesmas rachaduras criativas detectadas nos anos finais da banda. Diante desse cenário, não dá nem para condenar a predileção de Tom Araya por se aposentar — apesar dos shows anunciados para o segundo semestre.

A reta final opera mais ainda nesse âmbito do genérico, com “Toxic” e “Rage” abusando da testosterona e esquecendo de cativar; “Two Fists” flertando com o punk rock sem o conhecimento de causa do finado Jeff Hanneman; e “Shrapnel” passando a quilômetros de distância do que Kerry King delirou a céu aberto em release enviado à imprensa: “Inspirada em Scorpions e Helloween. Conta outra, vai.

O álbum se encerra com a faixa-título, um esforço derradeiro de emular estilemas consagrados, tanto do Slayer como do thrash metal, mas que já soam desgastados nas mãos de Kerry King. No fim das contas, o disco exala pouca inspiração e oferece nada além de lampejos — ou saudade do que já vivemos.

*“From Hell I Rise” será lançado nesta sexta-feira (17) via Reigning Phoenix Music (RPM). Clique aqui para fazer o pré-save em sua plataforma digital preferida.

Kerry King – “From Hell I Rise”

  1. Diablo
  2. Where I Reign
  3. Residue
  4. Idle Hands
  5. Trophies of the Tyrant
  6. Crucifixation
  7. Tension
  8. Everything I Hate About You
  9. Toxic
  10. Two Fists
  11. Rage
  12. Shrapnel
  13. From Hell I Rise

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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