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Revigorado após insolação em SP, Carcass entrega show completo em Brasília

Banda inglesa cumpre o setlist na íntegra, com direito a velharias da fase escatológica e Jeff Walker zoando sobre si próprio: "Hoje vocês não vão me ver morrer"

Ainda restava um minuto para as 21h. Mas valendo-se da pontualidade britânica (ou até radicalizando-a) e como se almejasse entregar tudo que não pudera no Summer Breeze, o Carcass subiu ao palco em Brasília antes do previsto, despejando a inconfundível introdução de “Buried Dreams” e mais três pauladas, sem massagem: “Kelly’s Meat Emporium”, “Incarnated Solvent Abuse” e “Under the Scalpel Blade”.

Só então o baixista e vocalista Jeff Walker travou o primeiro contato explícito com o público, dirigindo a palavra para alertar, num tom de zoeira e vingança:

“Hoje vocês não vão me ver morrer”.

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Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka

Castigado pelo sol inclemente na tarde de domingo, no Memorial da América Latina, em São Paulo, Walker se referia ao fato de ter sido o mais afetado dos quatro integrantes em um show sob calor escaldante que não chegou até o fim programado.

A banda inglesa, responsável direta pelo desenvolvimento de pelo menos três ramificações da música extrema (splatter/goregrind, death metal melódico e death’n’roll), precisou abreviar o setlist no Summer Breeze e cortar na própria carne (apodrecida). Leia-se: no bis, porção em que estão suas músicas mais putrefatas e, para muitos fãs, as mais aguardadas da apresentação.

Registro no Summer Breeze Brasil 2024 (foto: Gustavo Diakov / @xchicanox)

Já na capital federal, onde se apresentou pela primeira vez, não faltou nada. Revigorado, o Carcass cumpriu o repertório previsto do início ao fim, aproveitando o conforto do ar condicionado, a ausência de sol e uma audiência que compareceu em bom número à Toinha, a despeito da maratona de shows na cidade – Rick Wakeman, Hammerfall, Death Angel, Bruce Dickinson, Accept e mais.

Antes de chegar às velharias escatológicas, porém, o quarteto passeou por todas as suas fases, com ênfase no trabalho mais recente, “Torn Arteries” (2021), que contou com quatro músicas executadas, e “Heartwork” (1993), clássico do metal noventista e provavelmente o mais conhecido da discografia carcassiana.

Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka

“The Scythe’s Remorseless Swing”, uma das canções novas, é ótimo exemplo para entender essa diversidade estética. Anunciada por Jeff Walker como “a nossa baladinha”, ela começa singela, com uma harmonia apenas levemente distorcida e que camufla a devastação galopante que vem a seguir.

É a típica música em que o guitarrista Bill Steer, o outro membro fundador remanescente e também ex-Napalm Death, nada de braçada. Com sua calça boca de sino, blusa colada e uma dancinha muito particular na hora de tocar, ele exala a influência classic rock do Carcass e personifica essa inserção de conceitos vintage (nos solos, visual e até na aparelhagem) que extrapolam o metal.

Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka

No meio do repertório, “Tomorrow Belongs to Nobody” e o medley de “Black Star” e “Keep On Rotting in the Free World”, todas as três oriundas do criticado “Swangong” (1995), reforçam que o Carcass não renega nem mesmo seus momentos mais controversos. “Dá aqui que o filho é nosso”.

Aliás, é durante a passagem instrumental de “Keep On Rotting…” que o exímio baterista Daniel Wilding encaixa seu solo e ouve algumas provocações de Walker, sempre mordaz em tom amigável: “Solo de bateria, pessoal, é a hora de enchermos linguiça. Vocês também querem um solo de baixo? Nós não fazemos essa m*rda”.

Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka

A partir de “316L Grade Surgical Steel”, única a contemplar o disco de retorno da banda, “Surgical Steel” (2013), a chavinha começa a virar. Rumo a um encerramento mais pesado e ortodoxo, emendam “Corporal Jigsore Quandary”, maior “hit” do grupo, “Ruptured in Purulence” e outro single aclamado: “Heartwork”, que apresentou o nome Carcass para inúmeros jovens mundo afora com vídeo marcante nos tempos de MTV.

Se no Summer Breeze tudo estava encerrado ao fim da rascante “Tools of the Trade”, em Brasília os garotos (degenerados) de Liverpool voltaram para o encore com uma trinca nojentona: a instrumental “Genital Grinder” e “Pyosisified (Rotten to the Gore)”, ambas do debut “Reek of Putrefaction” (1988), e o grand finale com “Exhume to Consume”, em que Bill Steer divide o microfone numa bricolagem de vocais doentios e repugnantes com Jeff Walker. Coisa fina!

Foi a quarta passagem do Carcass pelo Brasil (2008, 2013, 2017 e agora), desta vez com três datas (Curitiba abriu o giro em território nacional, na última quinta) e a estreia do guitarrista Nippy Blackford, discreto e eficiente no acompanhamento às estrelas da companhia. Não dá para exigir que ele seja algo além de coadjuvante.

Depois do risco de “insolação” no Summer Breeze, um dos maiores nomes da música extrema em todos os tempos se despediu do país com uma noite de death metal impiedosa, no som, e amena e agradável, no clima, em Brasília.

Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka

Carcass – ao vivo em Brasília

  • Local: Toinha
  • Data: 30 de abril de 2024
  • Turnê: Central and South America 2024
  • Produtora: Outcast Prod

Repertório:

  1. Buried Dreams
  2. Kelly’s Meat Emporium
  3. Incarnated Solvent Abuse
  4. Under the Scalpel Blade
  5. This Mortal Coil
  6. Tomorrow Belongs to Nobody
  7. Death Certificate
  8. Dance of Ixtab (Psychopomp & Circumstance March No. 1 in B)
  9. Black Star + Keep On Rotting in the Free World
  10. The Scythe’s Remorseless Swing
  11. 316L Grade Surgical Steel
  12. Corporal Jigsore Quandary
  13. Ruptured in Purulence + Heartwork
  14. Tools of the Trade

Bis:

  1. Genital Grinder
  2. Pyosisified (Rotten to the Gore)
  3. Exhume to Consume
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka
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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Atualmente revisa livros da editora Estética Torta e é editor do Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

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