Como o Offspring fez de “Smash” o álbum independente mais vendido da história

Banda punk que nunca havia comercializado mais de 75 mil cópias quebrou todos os recordes com seu 3º disco

Na década de 1980, especialmente ao fim, o punk estava virtualmente morto como um estilo de rock comercialmente viável. Após a onda inicial em Nova York e no Reino Unido, as bandas rapidamente foram assimiladas pela indústria e qualquer outro artista fora dessa turma perdeu o bonde. O período viu o surgimento de uma cultura underground em torno do movimento, mas não havia a menor chance de ter sucesso mainstream.

Aí o Nirvana aconteceu. Uma banda ostensivamente punk, que conseguiu traduzir uma década de tradição alternativa para uma plateia sedenta por algo novo. Mas ao invés de investir no estilo, a indústria investiu em um lugar: Seattle. Tudo quanto era grupo da cena do Noroeste do Pacífico assinou com gravadoras — inclusive aqueles com pouquíssima influência punk —, enquanto o resto ficou de fora.

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Essa é a história daqueles que riram por último. O Offspring era uma banda nunca sequer considerada pelas gravadoras, sem o menor prospecto de estourar. Mesmo assim lançaram o álbum independente mais vendido da história.

Vamos falar de “Smash”.

Offspring, os punks de subúrbio

O punk no sul da Califórnia nasceu a partir de duas cenas. Los Angeles era o reduto do Black Flag, Descendants e Bad Religion. Orange County, por sua vez, abrigava Social Distortion, Adolescents e Vandals.

As duas cenas logo se tornaram infames na mídia pela violência dos shows, mas era, na verdade, algo causado pela pela polícia contra qualquer pessoa com visual que remetesse ao estilo. Isso se mostrava particularmente pior em Orange County por algumas razões: o condado possui várias comunidades suburbanas afluentes e extremamente conservadoras – a região é o berço ideológico da extrema direita americana –, além de muitos habitantes de classe trabalhadora. Sempre houve uma tensão no lugar. E punks eram um bode expiatório conveniente.

O Offspring nasceu numa garagem em Cypress, um município de Orange County. Como a grande maioria de bandas na história do rock, dois amigos queriam fazer música juntos; no caso, Bryan “Dexter” Holland e Greg K. Inicialmente apenas uma brincadeira, os dois se tornaram sérios quanto à ideia de formar um grupo punk após um show do Social Distortion o qual assistiram em 1984 acabar em tumulto.

Pelos primeiros dois anos, eles eram Manic Subsidal, antes de adotar o nome Offspring inspirados por um filme de terror barato. A esse ponto, a formação do grupo era Holland na guitarra e vocais, Greg K. no baixo, Kevin “Noodles” Wasserman na guitarra e James Lilja na bateria. 

Após lançar o compacto de estreia “I’ll Be Waiting”, Lilja deixou a banda para estudar oncologia. Ron Welty, então com 16 anos de idade, assumiu as baquetas a tempo do Offspring gravar uma demo em 1988, assinar com a Nemesis Records e lançar seu álbum homônimo de estreia no ano seguinte.

Em 1991, eles gravaram o EP “Baghdad” e mais uma demo que chegaram aos ouvidos da Epitaph Records. Fundado por Brett Gurewitz, guitarrista do Bad Religion, o selo independente havia sobrevivido ao final dos anos 1980 em boa forma – ao contrário da SST, gravadora do Black Flag. Grande parte desse sucesso foi saber atrelar as bandas ao movimento skate.

Após uma década na qual o esporte saiu de moda tal qual o punk, a cultura em torno da prática ressurgiu no final dos anos 80 graças à proliferação de câmeras filmadoras portáteis. Adolescentes de todo o país agora assistiam obsessivamente VHS de skatistas fazendo manobras filmadas com uma audácia que nem um filme de ação hollywoodiano tinha a capacidade de fazer.

Quando o Offspring lançou seu segundo álbum, “Ignition” (1992), um esforço de marketing da Epitaph levou a vários produtores dessas fitas de skate, surfe e snowboard a usarem canções da banda. Isso teve um efeito enorme nas vendas do disco, indo de 16 mil para 46 mil cópias em uma questão de quatro meses.

Em entrevista de 1994 ao Los Angeles Times, Holland falou sobre esse público novo:

“A gente estava vendendo só para os punks e aí acertamos nesse grupo de pessoas que nem sabíamos existir. São muito entusiasmados – e tem um monte delas. É uma surpresa agradável.”

Pretensão

Nessa época, cada um dos integrantes ainda mantinha planos além da banda. Greg K. era formado em economia. Ron Welty tinha um diploma em engenharia eletrônica e um filho de dois anos. Noodles, o mais velho dos quatro, era um zelador numa escola em Garden Grove, onde nasceu. Ele também tinha uma filha pequena.

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As responsabilidades fora do Offspring sempre foram mais importantes que a banda em si até aquele momento, como Noodles contou à Rolling Stone em 1995:

“Houve épocas em que eu ia sair da banda porque tinha coisas demais ocorrendo na minha vida, mas eu larguei a escola mais vezes que larguei a banda.”

Holland também passou por um dilema semelhante. Formado em biologia, ele estava no meio do seu doutorado quando o Offspring começou a planejar o sucessor de “Ignition”. À Double J, em 2018, ele afirmou:

“Não parecia realista perseguir esse caminho da banda. Eu pensava: ‘eu sei que preciso desistir do grupo e arrumar um emprego de verdade, entrar pro mundo real’, mas eu não queria mesmo. Eu tinha 26 anos e não tinha certeza do que estava fazendo. Estava tocando com uma banda punk pequena com nenhuma carreira à vista. O que eu ia fazer? Poxa, eu ainda vivia na casa dos meus pais.”

Uma das maneiras que o Offspring lidou com essas tensões foi aplicar-se com maior afinco à produção desse álbum novo. Eles compraram equipamento novo: um amplificador que Holland e Noodles dividiram, enquanto Welty arrumou uma bateria nova. Como o vocalista contou à Kerrang em 2014:

“Não foi na linha de: ‘precisamos fazer isso porque nosso futuro depende disso!’. Foi mais um caso de: ‘isso parece uma boa ideia’. Olhando para trás, acabou sendo bem importante.”

Tão importante foi a produção. Thom Wilson já tinha trabalhado com o Offspring nos dois álbuns anteriores e apesar de ser um veterano da cena hardcore, ele tinha uma insatisfação recorrente com a qualidade sonora dos discos punk em geral. Holland falou à Double J em 2018 sobre o assunto:

“Thom e eu conversávamos sobre muitas coisas. A gente falava sobre a teoria por trás de tudo. Eu aprendi muito com Thom durante o processo todo. Ele dizia coisas tipo: ‘Eu adoro a energia do punk rock, mas não suporto como é só barulho. Não tem onde respirar. Não tem pausas’. Então a gente começou a pensar: ‘Como pegar punk rock e fazer soar bom?’ Uma das coisas que adotei e comecei a fazer em ‘Smash’ foi deixar instrumentos de fora, isso foi um jeito de tentar fazer soar melhor. Sei que soa super intelectual e nada rock’n’roll, mas a gente abordou assim. ‘Como podemos pegar essa energia f#da e espírito rebelde que o punk tem e fazer soar bem de verdade?’.”

O estouro de “Smash”

O grande exemplo dessa abordagem é o single que fez a banda estourar. Contruída em torno de uma frase de guitarra meio surf, meio árabe e uma letra de humor negro sobre violência de gangues em escolas, “Come Out and Play” soava como nenhumo outro grupo punk até então.

E calhou de ter um gancho grudento, uma piadinha que parecia sample de uma comédia, mas não era. Noodles contou à Rolling Stone em 2014 de onde veio:

“A gente tinha esse amigo, Jason ‘Blackball’ McLean, que tinha uma voz bem distinta. Ele cresceu num bairro mexicano, todos seus amigos eram mexicanos, ele conhecia as gírias, o sotaque. Ele era um cholo [nota da edição: pense em crias brasileiros, só que mexicanos em Los Angeles] escocês de Whittier [Risos]. Então a gente pediu para ele vir e gravar a frase. Ele acabou aparecendo no clipe também.”

As gravações de “Smash” ocorreram ao longo de 20 dias num estúdio em North Hollywood. O problema é que não eram dias consecutivos. O orçamento para o álbum era apenas US$ 20 mil, então isso significou muitas economias. Em entrevista à Total Guitar, Noodles falou:

“A gente constantemente ligava pro estúdio pra descobrir se estava livre, pra tentar conseguir marcar com desconto.”

Isso significou que quando a grana estava prestes a acabar, eles precisaram acelerar e gravar as quatro últimas canções em duas noites. Quando o álbum ficou pronto, Brett Gurewitz ficou estupefato com o resultado. Ele descreveu à Kerrang!:

“Eu não podia acreditar em como as músicas eram tão boas, ou como o som era enorme… A gente mandou ‘Come Out And Play’ para a [estação de rádio de LA] KROQ e eles realmente ligaram para o meu escritório pra falar: ‘Vamos colocar isso em rotação pesada’. Eles me ligaram pessoalmente pra falar isso, e de repente não dava pra ligar o rádio em Los Angeles sem ouvir a canção. Essa foi a primeira vez que isso aconteceu para qualquer banda da Epitaph.”

“Smash” saiu no dia 8 de abril de 1994, num mundo que havia acabado de perder Kurt Cobain. Protestos contra brutalidade policial ocorriam pelos Estados Unidos enquanto a população se preocupava cada vez mais com a violência urbana. Aos poucos o humor de “Come Out And Play” pegou tração não apenas junto aos punks e fãs de esportes radicais, mas ao público geral também.

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A expectativa inicial era vender em torno de 75 mil discos, mas a banda queria mesmo atingir o mesmo patamar dos seus colegas Bad Religion e Pennywise, 100 mil cópias vendidas. Holland contou à Kerrang!:

“Até então, o topo em termos de vendas para bandas punk era o Bad Religion, que eram os reis da Epitaph. E eles vendiam 100 mil discos. Isso parecia ser um limite; era só o que dava pra qualquer um no mundo chegar. Cem mil. Então era o que a gente pensava ser capaz.”

Durante o verão de 1994, “Come Out And Play” chegou ao topo da parada Modern Rock Tracks da Billboard, onde permaneceu por duas semanas. Impensável para uma banda da Epitaph. O álbum também estava subindo no ranking Heatseekers, que cobria artistas emergentes.

Em outubro daquele ano, “Smash” chegou à quarta posição da Billboard 200, principal parada americana. Ao completar um ano desde seu lançamento, o álbum já havia vendido 4 milhões de cópias. Era um território completamente desconhecido para qualquer banda punk californiana.

“Smash” vendeu até hoje mais de 11 milhões de cópias, superando todo outro álbum independente. À Rolling Stone, em 1995, Dexter Holland opinou sobre o sucesso do disco:

“Até certo ponto temos sorte de ser a hora certa. Dez anos atrás, quando me liguei no punk, as coisas que as bandas falavam sobre – não pertencer à sociedade, reclamar do governo – eram coisas que apenas pequenos grupos de pessoas se importavam. Mas essas coisas agora são vistas pelos Estados Unidos mainstream.”

Todo o êxito acabou gerando problemas entre a banda e Brett Gurewitz, fundador da Epitaph e guitarrista do Bad Religion. À Rolling Stone, em 2014, Noodles falou:

“No que ‘Smash’ começou a vender muito, a Epitaph não tinha todos os recursos que uma gravadora grande tem para distribuir um disco. Eles não tinham equipe de rádio, eles não tinham departamento de imprensa. Tem um monte dessas coisas adjacentes que rolam no lançamento de um disco. Então a gente gastou muito do nosso dinheiro nessas coisas, tentando promover o disco. E ao fazer isso, não estávamos apenas investindo em nós mesmos, mas também na Epitaph. Então, quando chegou a hora da gente renegociar nosso contrato, a gente achou que merecíamos mais do que Brett estava disposto a dar para a gente. Ele estava hesitando em nos fazer uma oferta acima do normal pra qualquer outra banda. A gente achava que tínhamos feito algo incrível e merecíamos algo maior que aquilo.”

Quando o Offspring deixou a gravadora e assinou com a Columbia, Dexter Holland escreveu uma carta aos fãs explicando as razões por trás da decisão. Ele disse que, apesar do desejo da banda de permanecer independente, as condições do contrato oferecido eram inaceitáveis.

Na conclusão do comunicado, Holland escreveu:

“Nós aceitamos menos dinheiro para assinar com a Columbia. Tivemos que assinar por mais discos para fechar com a Columbia. Nosso acordo com a Columbia não foi para ganhar mais dinheiro. Assinamos porque não trabalharemos para alguém que se acha com poder de nos forçar a fazê-lo. Não trabalharemos para um cara que é pior do que uma grande gravadora. Faremos o que nós bem entendermos.”

Offspring — “Smash”

  • Lançado em 8 de abril de 1994 pela Epitaph
  • Produzido por Thom Wilson

Faixas:

  1. Time to Relax (Intro)
  2. Nitro (Youth Energy)
  3. Bad Habit
  4. Gotta Get Away
  5. Genocide
  6. Something to Believe In
  7. Come Out and Play
  8. Self Esteem
  9. It’ll Be a Long Time
  10. Killboy Powerhead (cover de The Didjits)
  11. What Happened to You?
  12. So Alone
  13. Not the One
  14. Smash

Músicos:

  • Dexter Holland (voz, guitarra)
  • Noodles (guitarra, backing vocals)
  • Greg K. (baixo, backing vocals)
  • Ron Welty (bateria, backing vocals)

Músicos adicionais:

  • Jason “Blackball” McLean (vocais adicionais em “Come Out and Play” – não creditado, mas mencionado em “Greatest Hits”)
  • John Mayer (spoken word em “Time to Relax”, “Genocide” e “Smash” – não creditado)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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