No Palco Alternativo do Lollapalooza Brasil, às 20h55, apenas luzes de serviço acesas. Enquanto isso, no Palco Samsung Galaxy, o Limp Bizkit estava prestes a terminar seu primeiro show no país em oito anos. Faltava a segunda execução de “Break Stuff”, seu maior hit. O público do grupo americano de nu metal ficava ensandecido enquanto, em aparente calma, os australianos do King Gizzard & the Lizard Wizard passavam o som — e sentiam o calor dos fãs brasileiros.
Além de já ensaiarem em coro o nome da banda australiana chamavam atenção dos preferidos. “Stu, maravilhoso”, “Joey, te amo”, “lindooosss”. Ao lado da repórter, havia um garoto acompanhado dos pais, que ficavam atrás, discretos, protetores e companheiros, tentando entender como uma banda com 14 anos de atividade já gravou 25 álbuns. “Sem contar os ao vivo”, disse o jovem. “Eles são muito criativos”, comentou a mãe.
E enquanto no telão no fundo do palco ainda rolavam os comerciais dos patrocinadores, Stu Mackenzie, Ambrose Kenny-Smith, Joey Walker, Cook Craig, Lucas Skinner e Michael Cavanagh pareciam não querer voltar pro backstage. Já estavam prontos pra tocar. Porém, ouviram o comando para retornar e esperar mais um pouquinho.
Do thrash ao pop
Não se sinta desligado caso nunca tenha ouvido falar dessa banda — ainda que ela tenha sido escalada para vir em 2022, também ao Lolla, mas cancelado na véspera por “imprevistos causados pela covid-19”. Até mesmo para quem está no meio musical eles ainda são uma grata surpresa. Depois de ouvir aleatoriamente algumas músicas, você só terá uma certeza: não é possível categorizá-la em um único estilo. A ponto de seus dois álbuns mais recentes (“PetroDragonic Apocalypse” e “The Silver Cord”, ambos de 2023) serem dedicados, respectivamente, ao thrash metal e ao electropop.
O King Gizzard & the Lizard Wizard reúne músicos talentosos, que se revezam entre os instrumentos e vocais, assim como nas composições. Desde então, além da produtividade em estúdio — a ponto de terem lançado cinco discos somente em 2017 —, eles têm feitos shows em várias partes do mundo com uma característica bem peculiar de praticamente não repetir repertório. Tudo é definido na hora, conforme a energia daquele momento. Único, no fim das contas.
O show
A apresentação começou pontualmente às 21h15 com “Planet B”, um garage rock sujo que chama atenção para a forma como cuidados da “nossa casa”; afinal, como diz a letra “não existe planeta B”. Questões ambientais, diga-se, são constantes nas letras do grupo.
Ao final da música, Joey falou sobre como estavam felizes em estar no país. “Esse é o último show da nossa turnê e nosso primeiro show no Brasil e vou dizer uma coisa para vocês, mal podemos esperar para voltar”. Quem assistiu nem de longe imaginava que era a conclusão de uma tour: era como se eles tivessem acabado de cair na estrada, tamanha animação.
Em seguida veio “Crumbling Castle” e o público saiu o chão. Os músicos se alteram nos vocais e instrumentos e a sonoridade orgânica não permite pressa — ainda mais pela gravação original da faixa ter 10 minutos, logo, não era de se surpreender que pudesse chegar a um pouquinho mais. Na terceira canção — e primeira de “PetroDragonic Apocalypse” —, “Witchcraft”, vai do garage rock ao punk com elementos de thrash metal e eletrônico. É isso. Durma com um barulho desses, intensificado pelas emendadas “Gaia” + “Gila Monster” e pelas mais soltas “Hypertension” e “Sea of Trees”, mais afeitas ao hard rock setentista.
Também muito conhecido pela psicodelia, o Gizz, como o grupo é carinhosamente chamando pelos fãs, parece ter optado desta vez por um set mais pesado. Mas o tom psicodélico estava presente e era dado tanto com as projeções no telão quanto pela atmosfera com a fumaça que dava aquele tom de clube pequeno lotado.
E neste set mais pesado, Stu — que usa um cabo em espiral e parece ter relação quase passional com a guitarra ao tocá-la ajoelhando-se na frente do palco e nas costas — surge com uma flauta em “Robot Shop” e em determinado momento a gente percebe que improvisaram na letra com “São Paulo / São Paulo / São Paulo / São Paulo”. Estávamos no terço final da performance, que ao todo durou uma hora.
E foi Stu quem voltou a agradecer o público. “Vocês são lindos! Podemos tirar uma foto com vocês? Nós queremos voltar logo pra cá”. Depois do click eles voltaram para seus instrumentos e fecharam com “Gamma Knife”, que, assim como “Robot Shop”, veio do disco “Nonagon Infinity” (2016). Uma catarse na plateia, que balançava a cabeça e pulava cantando os versos.
Tchau… ou até logo
Ao fim, todos os músicos vieram para frente do palco. Mandaram beijos, jogaram palhetas, deram “tchau”. E quando saíram, escutaram gritos de “Mais um! Mais um! Mais um!”, ouvido pela repórter pela primeira vez naquele sábado (23) de Lolla. Mas quando o baterista Michael Cavanagh, o último homem no palco, com seu colete da Ferrari, saiu pela lateral, não teve jeito. “Acabou o sonho, preciso de um tempo para me recuperar agora”, disse um fã, na expectativa por um retorno em não muito tempo.
Poucos minutos depois, os Kings — que começaram o show chamando a galera para ver “os verdadeiros Kings” enquanto o headliner Kings of Leon tocava praticamente no mesmo horário — apareceram na lateral do palco para a alegria dos seus súditos. Mandaram mais beijos e disseram o quanto estavam felizes.
O som do King Lizzard & the Lizard Wizard pode ser perturbador em alguns momentos. Quase como um barulho orquestrado. Vai depender um pouco das referências que cada um tem, mas imagine que esse sexteto — outrora septeto, pois contava até 2020 com dois bateristas — tenha tomado café na infância ao som de Melvins, Sonic Youth, The Grateful Dead e por aí vai. Ou não. Podem ser apenas pessoas que tiveram educação musical na infância e liberdade para deixar a arte fluir, sem se prender a rótulos.
Bandas como essa são daquelas que de tempos em tempos surgem para provar que a música orgânica, sem fronteira e feita por amigos que se divertem nessa viagem ainda tem o seu lugar — ainda que não esteja no chamado “circuito comercial”. E é isso que faz festivais como o Lollapalooza relevantes tanto para o público, que tem a oportunidade de conhecer bandas novas, mesmo quando não tão novas, quanto para o artista que tem sua arte potencializada.
King Gizzard & the Lizard Wizard — ao vivo em São Paulo
- Local: Autódromo de Interlagos (Lollapalooza Brasil)
- Data: 23 de março de 2024
- Turnê: South America 2024
Repertório:
- Planet B
- Crumbling Castle
- Witchcraft
- Gaia
- Gila Monster
- Hypertension
- Sea of Trees
- Robot Stop (com trecho de The Dripping Tap)
- Hot Water (com trecho de Robot Stop)
- Gamma Knife
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