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Slash faz show direto, de pouco glamour e muito rock and roll em São Paulo

Mesmo com altos e baixos no repertório, apresentação no Espaço Unimed ao lado de Myles Kennedy & the Conspirators cativou pelo respeito e paixão à música

O relógio já marcava por volta das 23h — cerca de duas horas de show — quando Slash, guitarrista protagonista daquela noite de quarta-feira (31) no Espaço Unimed, em São Paulo, falou no microfone pela primeira vez. E só o fez, durante “World On Fire”, música que fechava o set regular, porque era momento de apresentar os integrantes ao público — e ficou sob sua responsabilidade introduzir o vocalista Myles Kennedy.

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- Advertisement -

Slash e Myles, aliás, parecem ser o “match” perfeito. É uma união diferente daquela com Axl Rose, mais explosiva e marcada pelos embates, que consagrou o guitarrista no Guns N’ Roses. Com o cantor do Alter Bridge, Saul Hudson parece ter mais em comum no que diz respeito a personalidade. Ambos são introspectivos e vão direto ao ponto.

Esta retilineidade marca todo o projeto solo de Slash com Myles e The Conspirators, sua banda de apoio formada por Todd Kerns (baixo e voz), Brent Fitz (bateria) e Frank Sidoris (guitarra rítmica). Seja nos álbuns ou em shows como o do Espaço Unimed, segundo da passagem nacional da turnê “The River is Rising”, você sabe o que esperar e recebe exatamente aquilo que foi prometido — na maioria das vezes, algo bom.

*A cobertura a seguir não conta com fotos devido à negativa para o pedido de credenciamento do repórter fotográfico do site. A página pode ser atualizada posteriormente com imagens cedidas pela produção do evento.

Velvet Chains

Antes de Slash, Myles e seus Conspiras subirem ao palco, o Velvet Chains realizou um show curto, de aproximadamente 30 minutos. A banda de hard rock formada em Las Vegas (EUA), mas com integrantes do Chile, Argentina e Brasil, foi escalada para abrir as quatro apresentações da tour, produzida pela 30e.

Este que vos escreve pôde conferi-los em 2023, durante show no festival Summer Breeze Brasil. Infelizmente, não dá para dizer que muita coisa mudou desde então, até porque boa parte do repertório daquela ocasião foi reproduzido no Espaço Unimed.

Como ponto positivo, o Velvet Chains tem sua proximidade com o público sul-americano. O vocalista Ro Viper e o baixista Nils Goldschmidt são chilenos. Há ainda dois guitarristas que não vieram para a turnê, mas têm origens em nosso continente: Lahi Cassiano é brasileiro e Burton Car, argentino. Ambos foram substituídos nesta ocasião por Johnny Mayo e James Von Boldt. O baterista Jason Hope completa a formação.

Viper, em especial, se comunica bem com a plateia. Arranha um português interessante e geralmente sabe o que dizer — exceto quando resolveu pedir, quase que aleatoriamente, para que as pessoas comprem a camiseta da banda na loja de merch. Também é bom cantor, embora o repertório não explore tão bem seu talento. Os demais integrantes são competentes no que fazem, com destaque a Von Boldt, que aparece bastante nos backing vocals e não deixa a desejar.

O problema está, mesmo, nas composições. Canções como as mais animadas “Wasted” e “Back On the Train”, a nova “Enemy” e a semibalada “Eyes Closed” trafegam por uma espécie de hard rock contemporâneo que se mistura com o alternativo dos anos 1990 que nos levam a várias replicações de clichês. Você escuta e fica com a sensação de “já ouvi algo parecido antes”.

O show até começou a engrenar no final, com o cover bem arranjado de “Suspicious Minds” (Elvis Presley) e a radiofônica “Last Drop” (citada por Viper como sua favorita do grupo), mas a confusa “Tattooed” fechou a conta deixando uma impressão pouco memorável do Velvet Chains. Uma pena. São bons músicos e claramente capazes de construir um repertório mais marcante, desde que estejam dispostos a encontrar uma identidade própria.

Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators

Três minutos antes do horário combinado, uma introdução que parecia replicar batimentos cardíacos (mas eram apenas baixo e sintetizador) começou a ser tocada. Pontualmente às 21h, Slash, Myles Kennedy, Todd Kerns, Brent Fitz e Frank Sidoris subiram ao palco de um cheio Espaço Unimed sem qualquer glamour. Nada de cortina caindo, superprodução, fumaça ou qualquer outro aparato: eram apenas cinco caras tocando rock and roll.

Não havia tempo nem mesmo para conversar com o público. Kennedy disse suas primeiras palavras não-cantadas apenas antes da sétima canção, a básica “C’est La Vie” — e somente porque Slash precisaria de alguns segundos para trocar de guitarra. Na manifestação inicial, pediu aplausos para o Velvet Chains, agradeceu pela presença de todos e perguntou se estávamos nos divertindo.

A resposta é sim, graças à seguinte emenda: a grandiosa abertura “The River is Rising” (uma das sete faixas do novo álbum “4” a serem tocadas), a grudenta “Driving Rain” (uma das duas únicas lembradas do álbum anterior, o fraco “Living the Dream”), a pesada “Halo”, a cativante “Too Far Gone” (na vaga de “Apocalyptic Love” e tocada pela primeira vez desde 2019), a já clássica “Back from Cali” e a crua “Whatever Gets You By”. Começou sem dar tempo de respirar.

Altos e baixos

Progressivamente, as reações passaram a ser menos entusiasmadas justamente a partir de “Whatever Gets You By”, quando três faixas de “4” foram tocadas: além desta, rolaram a já mencionada “C’est La Vie” (com Slash no talkbox e empunhando uma guitarra Flying V) e a pegajosa “Actions Speak Louder Than Words” (que vê o protagonista usar um modelo Explorer). Boas canções, mas pouco conhecidas de quem estava ali.

No miolo desta apresentação de 24 (!) músicas, o nível de apreço do público parece ter enfrentado altos e baixos. Os ânimos começaram a ser recuperados com a versão de “Always On the Run” (Lenny Kravitz) cantada por Todd Kerns. Em que pese a falta de molejo da banda nesta execução, a força da composição e a interpretação do animado baixista empolgaram. A primeira balada da noite, “Bent to Fly”, é quase Alter Bridge — e voltou a deixar tudo meio morno, de um jeito que a pesada “Sugar Cane” não conseguiria recuperar. Sobrou para “Spirit Love”, uma das melhores canções de “4” e executada com direito a uma emulação do sitar da gravação original, tentar compensar. Meio que teve êxito.

“Speed Parade”, única do Slash’s Snakepit a marcar presença (e com a guitarra Explorer de volta), representou uma boa escolha e serviu para mostrar como o projeto pré-Velvet Revolver do guitarrista trazia uma “sujeirinha” sonora que falta tanto nos Conspirators quanto no Guns atual. “We Will Roam”, por sua vez, é a grande surpresa desta tour. A saborosa semibalada do excelente álbum “Apocalyptic Love” (2012) não era tocada ao vivo há 11 anos. É, talvez, um dos melhores exemplos de como funciona a parceria Slash/Myles: impressões digitais de ambos estão nessa composição, anunciada como uma das “deep cuts” da noite por Kennedy.

“Don’t Damn Me”, única do Guns N’ Roses a ser tocada na noite, trouxe Todd Kerns no vocal. Quem esperava ouvir “Nightrain”, como na turnê nacional anterior, ou outra canção mais celebrada do grupo de Axl Rose provavelmente saiu decepcionado — não por falta de aviso, já que o guitarrista disse repetidas vezes que quem quiser escutar Guns deve comprar ingresso para vê-lo na banda em questão. Dilemas à parte, a escolha encaixou bem no clima “garage rock” do show, ainda que também não tenha empolgado o público como esperado.

A essa altura, o grupo concluía sua 15ª música do repertório com apenas 65 minutos de performance. E ainda viria muito mais. “Starlight”, balada que também se tornou clássica, fez o público cantar de forma massiva — e rara nesta noite. Foi seguida, no entanto, da versão estendida de “Wicked Stone” — com um solo de 9 (!) minutos de Slash, no único momento em que esteve do lado esquerdo do palco — e das pouco marcantes “April Fool” e “Fill My World”, ambas oriundas de “4”. É nobre a intenção de promover o novo disco, mas faz menos sentido quando se conclui que poucas dessas canções devem ser mantidas na próxima turnê. Ao menos foi o que aconteceu com o álbum anterior.

Retomada no fim

Felizmente, foi o último desvio de rota, já que alguns dos melhores momentos ficariam para o final. “Doctor Alibi”, em nova interpretação vocal de Kerns, fez parte da plateia sair do chão e vibrar a pedido do baixista, que, curiosamente, exerce função de frontman num jeito mais fluido que o reservado Myles Kennedy. E rolou até um minitrecho de “Jailbreak” (Thin Lizzy) saindo da guitarra de Slash. Ele pensa que eu não ouvi, mas eu ouvi, sim!

A marcante “You’re a Lie” e a grudenta “World On Fire”, duas das melhores canções do projeto solo de Slash, fecharam o set regular. Esta última, aliás, foi estendida para ganhar mais solos e receber a já citada introdução dos músicos. O bis foi iniciado com uma linda versão para “Rocket Man”, hit de Elton John regravado pelo grupo para o documentário “Dublê de Risco” (2018). O guitarrista tocou lap steel, enquanto Brent Fitz foi para o teclado e um roadie chamado James assumiu a bateria. “Anastasia” fechou a noite com uma demonstração de virtuose por parte do protagonista, um músico que não se permitiu ficar ultrapassado e soa ainda mais técnico e sólido nos dias de hoje.

Não fosse por algumas escolhas de repertório, teria sido uma apresentação irretocável. O pecado foi o mesmo do show trazido ao Brasil em 2019: há canções demais do álbum promovido, incluindo algumas pouco marcantes. Por vezes, são até tocadas em sequência. Fica meio protocolar. Nem é preciso encher o setlist de composições do Guns: bastaria dar mais espaço às faixas do disco solo de 2010 e “Apocalyptic Love”, mais consolidadas no imaginário dos fãs, e usá-las com sabedoria no miolo do repertório.

Ainda bem que isso não é o suficiente para ofuscar a experiência como um todo. É nítido e deve ser destacado o respeito de Slash e seus parceiros pela música e por seu público. Riffmaker legítimo, o “dono da noite” envelhece como vinho e a dinâmica entre ele e as vozes agudas de Myles Kennedy e Todd Kerns funciona que é uma beleza, enquanto Brent Fitz e Frank Sidoris ficam confortáveis nos papéis de bons coadjuvantes.

O projeto ganhou uma vida tão própria que foi mantido mesmo após a volta do guitarrista ao Guns N’ Roses. Slash, no fim das contas, só quer tocar rock and roll — algo que se nota facilmente ao analisar sua produtiva carreira nas últimas três décadas. E enquanto ele estiver disposto a fazer isso, eu e muitos outros fãs que encheram o Espaço Unimed pela quarta visita consecutiva estaremos lá para vê-lo.

*A turnê de Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators pelo Brasil continua com apresentações no Rio de Janeiro (01/02) e Porto Alegre (04/02), todos eles com cobertura pelo site IgorMiranda.com.br. Ingressos podem ser adquiridos via Eventim.

Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators — ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 31 de janeiro de 2024
  • Turnê: The River is Rising

Repertório – Velvet Chains:

  1. Wasted
  2. Back On the Train
  3. Enemy
  4. Eyes Closed
  5. Stuck Against the Wall
  6. Suspicious Minds (Elvis Presley)
  7. Last Drop
  8. Tattooed

Repertório – Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators:

  1. The River Is Rising
  2. Driving Rain
  3. Halo
  4. Too Far Gone (primeira vez desde 2019)
  5. Back From Cali
  6. Whatever Gets You By
  7. C’est La Vie
  8. Actions Speak Louder Than Words
  9. Always on the Run (Lenny Kravitz, Todd Kerns no vocal)
  10. Bent to Fly
  11. Sugar Cane
  12. Spirit Love
  13. Speed Parade (Slash’s Snakepit)
  14. We Will Roam
  15. Don’t Damn Me (Guns N’ Roses, Todd Kerns no vocal)
  16. Starlight
  17. Wicked Stone
  18. April Fool
  19. Fill My World
  20. Doctor Alibi (Todd Kerns no vocal)
  21. You’re a Lie
  22. World on Fire

Bis:

  1. Rocket Man (Elton John)
  2. Anastasia

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InícioResenhasResenhas de showsSlash faz show direto, de pouco glamour e muito rock and roll...
Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

2 COMENTÁRIOS

  1. Isso é do show de São Paulo, né? Pois em BH eu vi outra coisa.
    Slash foi mais vezes do lado esquerdo do palco, as canções foram a maioria berraaadas pelo publico, tanto que várias vezes Myles olhava com espanto para a interação da galera, de tão alto que estavam cantando. Myles foi muito carismático com o público, fazendo agradecimentos, chamando para interação…
    Bom, talvez foi o público que não ajudou a banda e ficar muito empolgada.
    Velvet fez um show bem explosivo, deu conta do recado. Tendo em vista que estão abrindo o show do Slash e é de uma puta responsabilidade aquecer o público para o principal da noite.
    Vale ressaltar que estou falando do show de Belo Horizonte.
    Abração!
    Parabéns pelo site. Muito bom o conteúdo.

    • Oi, Bruno. Obrigado por conferir o texto e deixar seu comentário.
      O texto é, sim, sobre o show em São Paulo. Mas nosso repórter em BH também disse que Slash só foi uma vez ao lado direito do palco – o que não é problema, é só uma observação – https://igormiranda.com.br/2024/01/slash-myles-kennedy-conspirators-show-belo-horizonte-2024-resenha/
      Quanto à falta de interação, pode ter sido algo exclusivo de SP. A galera da frente se empolgou bastante, mas o “miolo” estava mais paradão. Mesmo assim, foram feitos vários elogios à plateia.
      É possível que tenham sido shows bem parecidos e apenas tivemos visões um pouco diferentes, o que é normal. Mas agradeço muito por ter exposto sua visão de forma educada por aqui. Um abraço.

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Mesmo com altos e baixos no repertório, apresentação no Espaço Unimed ao lado de Myles Kennedy & the Conspirators cativou pelo respeito e paixão à música

O relógio já marcava por volta das 23h — cerca de duas horas de show — quando Slash, guitarrista protagonista daquela noite de quarta-feira (31) no Espaço Unimed, em São Paulo, falou no microfone pela primeira vez. E só o fez, durante “World On Fire”, música que fechava o set regular, porque era momento de apresentar os integrantes ao público — e ficou sob sua responsabilidade introduzir o vocalista Myles Kennedy.

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Slash e Myles, aliás, parecem ser o “match” perfeito. É uma união diferente daquela com Axl Rose, mais explosiva e marcada pelos embates, que consagrou o guitarrista no Guns N’ Roses. Com o cantor do Alter Bridge, Saul Hudson parece ter mais em comum no que diz respeito a personalidade. Ambos são introspectivos e vão direto ao ponto.

Esta retilineidade marca todo o projeto solo de Slash com Myles e The Conspirators, sua banda de apoio formada por Todd Kerns (baixo e voz), Brent Fitz (bateria) e Frank Sidoris (guitarra rítmica). Seja nos álbuns ou em shows como o do Espaço Unimed, segundo da passagem nacional da turnê “The River is Rising”, você sabe o que esperar e recebe exatamente aquilo que foi prometido — na maioria das vezes, algo bom.

*A cobertura a seguir não conta com fotos devido à negativa para o pedido de credenciamento do repórter fotográfico do site. A página pode ser atualizada posteriormente com imagens cedidas pela produção do evento.

Velvet Chains

Antes de Slash, Myles e seus Conspiras subirem ao palco, o Velvet Chains realizou um show curto, de aproximadamente 30 minutos. A banda de hard rock formada em Las Vegas (EUA), mas com integrantes do Chile, Argentina e Brasil, foi escalada para abrir as quatro apresentações da tour, produzida pela 30e.

Este que vos escreve pôde conferi-los em 2023, durante show no festival Summer Breeze Brasil. Infelizmente, não dá para dizer que muita coisa mudou desde então, até porque boa parte do repertório daquela ocasião foi reproduzido no Espaço Unimed.

Como ponto positivo, o Velvet Chains tem sua proximidade com o público sul-americano. O vocalista Ro Viper e o baixista Nils Goldschmidt são chilenos. Há ainda dois guitarristas que não vieram para a turnê, mas têm origens em nosso continente: Lahi Cassiano é brasileiro e Burton Car, argentino. Ambos foram substituídos nesta ocasião por Johnny Mayo e James Von Boldt. O baterista Jason Hope completa a formação.

Viper, em especial, se comunica bem com a plateia. Arranha um português interessante e geralmente sabe o que dizer — exceto quando resolveu pedir, quase que aleatoriamente, para que as pessoas comprem a camiseta da banda na loja de merch. Também é bom cantor, embora o repertório não explore tão bem seu talento. Os demais integrantes são competentes no que fazem, com destaque a Von Boldt, que aparece bastante nos backing vocals e não deixa a desejar.

O problema está, mesmo, nas composições. Canções como as mais animadas “Wasted” e “Back On the Train”, a nova “Enemy” e a semibalada “Eyes Closed” trafegam por uma espécie de hard rock contemporâneo que se mistura com o alternativo dos anos 1990 que nos levam a várias replicações de clichês. Você escuta e fica com a sensação de “já ouvi algo parecido antes”.

O show até começou a engrenar no final, com o cover bem arranjado de “Suspicious Minds” (Elvis Presley) e a radiofônica “Last Drop” (citada por Viper como sua favorita do grupo), mas a confusa “Tattooed” fechou a conta deixando uma impressão pouco memorável do Velvet Chains. Uma pena. São bons músicos e claramente capazes de construir um repertório mais marcante, desde que estejam dispostos a encontrar uma identidade própria.

Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators

Três minutos antes do horário combinado, uma introdução que parecia replicar batimentos cardíacos (mas eram apenas baixo e sintetizador) começou a ser tocada. Pontualmente às 21h, Slash, Myles Kennedy, Todd Kerns, Brent Fitz e Frank Sidoris subiram ao palco de um cheio Espaço Unimed sem qualquer glamour. Nada de cortina caindo, superprodução, fumaça ou qualquer outro aparato: eram apenas cinco caras tocando rock and roll.

Não havia tempo nem mesmo para conversar com o público. Kennedy disse suas primeiras palavras não-cantadas apenas antes da sétima canção, a básica “C’est La Vie” — e somente porque Slash precisaria de alguns segundos para trocar de guitarra. Na manifestação inicial, pediu aplausos para o Velvet Chains, agradeceu pela presença de todos e perguntou se estávamos nos divertindo.

A resposta é sim, graças à seguinte emenda: a grandiosa abertura “The River is Rising” (uma das sete faixas do novo álbum “4” a serem tocadas), a grudenta “Driving Rain” (uma das duas únicas lembradas do álbum anterior, o fraco “Living the Dream”), a pesada “Halo”, a cativante “Too Far Gone” (na vaga de “Apocalyptic Love” e tocada pela primeira vez desde 2019), a já clássica “Back from Cali” e a crua “Whatever Gets You By”. Começou sem dar tempo de respirar.

Altos e baixos

Progressivamente, as reações passaram a ser menos entusiasmadas justamente a partir de “Whatever Gets You By”, quando três faixas de “4” foram tocadas: além desta, rolaram a já mencionada “C’est La Vie” (com Slash no talkbox e empunhando uma guitarra Flying V) e a pegajosa “Actions Speak Louder Than Words” (que vê o protagonista usar um modelo Explorer). Boas canções, mas pouco conhecidas de quem estava ali.

No miolo desta apresentação de 24 (!) músicas, o nível de apreço do público parece ter enfrentado altos e baixos. Os ânimos começaram a ser recuperados com a versão de “Always On the Run” (Lenny Kravitz) cantada por Todd Kerns. Em que pese a falta de molejo da banda nesta execução, a força da composição e a interpretação do animado baixista empolgaram. A primeira balada da noite, “Bent to Fly”, é quase Alter Bridge — e voltou a deixar tudo meio morno, de um jeito que a pesada “Sugar Cane” não conseguiria recuperar. Sobrou para “Spirit Love”, uma das melhores canções de “4” e executada com direito a uma emulação do sitar da gravação original, tentar compensar. Meio que teve êxito.

“Speed Parade”, única do Slash’s Snakepit a marcar presença (e com a guitarra Explorer de volta), representou uma boa escolha e serviu para mostrar como o projeto pré-Velvet Revolver do guitarrista trazia uma “sujeirinha” sonora que falta tanto nos Conspirators quanto no Guns atual. “We Will Roam”, por sua vez, é a grande surpresa desta tour. A saborosa semibalada do excelente álbum “Apocalyptic Love” (2012) não era tocada ao vivo há 11 anos. É, talvez, um dos melhores exemplos de como funciona a parceria Slash/Myles: impressões digitais de ambos estão nessa composição, anunciada como uma das “deep cuts” da noite por Kennedy.

“Don’t Damn Me”, única do Guns N’ Roses a ser tocada na noite, trouxe Todd Kerns no vocal. Quem esperava ouvir “Nightrain”, como na turnê nacional anterior, ou outra canção mais celebrada do grupo de Axl Rose provavelmente saiu decepcionado — não por falta de aviso, já que o guitarrista disse repetidas vezes que quem quiser escutar Guns deve comprar ingresso para vê-lo na banda em questão. Dilemas à parte, a escolha encaixou bem no clima “garage rock” do show, ainda que também não tenha empolgado o público como esperado.

A essa altura, o grupo concluía sua 15ª música do repertório com apenas 65 minutos de performance. E ainda viria muito mais. “Starlight”, balada que também se tornou clássica, fez o público cantar de forma massiva — e rara nesta noite. Foi seguida, no entanto, da versão estendida de “Wicked Stone” — com um solo de 9 (!) minutos de Slash, no único momento em que esteve do lado esquerdo do palco — e das pouco marcantes “April Fool” e “Fill My World”, ambas oriundas de “4”. É nobre a intenção de promover o novo disco, mas faz menos sentido quando se conclui que poucas dessas canções devem ser mantidas na próxima turnê. Ao menos foi o que aconteceu com o álbum anterior.

Retomada no fim

Felizmente, foi o último desvio de rota, já que alguns dos melhores momentos ficariam para o final. “Doctor Alibi”, em nova interpretação vocal de Kerns, fez parte da plateia sair do chão e vibrar a pedido do baixista, que, curiosamente, exerce função de frontman num jeito mais fluido que o reservado Myles Kennedy. E rolou até um minitrecho de “Jailbreak” (Thin Lizzy) saindo da guitarra de Slash. Ele pensa que eu não ouvi, mas eu ouvi, sim!

A marcante “You’re a Lie” e a grudenta “World On Fire”, duas das melhores canções do projeto solo de Slash, fecharam o set regular. Esta última, aliás, foi estendida para ganhar mais solos e receber a já citada introdução dos músicos. O bis foi iniciado com uma linda versão para “Rocket Man”, hit de Elton John regravado pelo grupo para o documentário “Dublê de Risco” (2018). O guitarrista tocou lap steel, enquanto Brent Fitz foi para o teclado e um roadie chamado James assumiu a bateria. “Anastasia” fechou a noite com uma demonstração de virtuose por parte do protagonista, um músico que não se permitiu ficar ultrapassado e soa ainda mais técnico e sólido nos dias de hoje.

Não fosse por algumas escolhas de repertório, teria sido uma apresentação irretocável. O pecado foi o mesmo do show trazido ao Brasil em 2019: há canções demais do álbum promovido, incluindo algumas pouco marcantes. Por vezes, são até tocadas em sequência. Fica meio protocolar. Nem é preciso encher o setlist de composições do Guns: bastaria dar mais espaço às faixas do disco solo de 2010 e “Apocalyptic Love”, mais consolidadas no imaginário dos fãs, e usá-las com sabedoria no miolo do repertório.

Ainda bem que isso não é o suficiente para ofuscar a experiência como um todo. É nítido e deve ser destacado o respeito de Slash e seus parceiros pela música e por seu público. Riffmaker legítimo, o “dono da noite” envelhece como vinho e a dinâmica entre ele e as vozes agudas de Myles Kennedy e Todd Kerns funciona que é uma beleza, enquanto Brent Fitz e Frank Sidoris ficam confortáveis nos papéis de bons coadjuvantes.

O projeto ganhou uma vida tão própria que foi mantido mesmo após a volta do guitarrista ao Guns N’ Roses. Slash, no fim das contas, só quer tocar rock and roll — algo que se nota facilmente ao analisar sua produtiva carreira nas últimas três décadas. E enquanto ele estiver disposto a fazer isso, eu e muitos outros fãs que encheram o Espaço Unimed pela quarta visita consecutiva estaremos lá para vê-lo.

*A turnê de Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators pelo Brasil continua com apresentações no Rio de Janeiro (01/02) e Porto Alegre (04/02), todos eles com cobertura pelo site IgorMiranda.com.br. Ingressos podem ser adquiridos via Eventim.

Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators — ao vivo em São Paulo

  • Local: Espaço Unimed
  • Data: 31 de janeiro de 2024
  • Turnê: The River is Rising

Repertório – Velvet Chains:

  1. Wasted
  2. Back On the Train
  3. Enemy
  4. Eyes Closed
  5. Stuck Against the Wall
  6. Suspicious Minds (Elvis Presley)
  7. Last Drop
  8. Tattooed

Repertório – Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators:

  1. The River Is Rising
  2. Driving Rain
  3. Halo
  4. Too Far Gone (primeira vez desde 2019)
  5. Back From Cali
  6. Whatever Gets You By
  7. C’est La Vie
  8. Actions Speak Louder Than Words
  9. Always on the Run (Lenny Kravitz, Todd Kerns no vocal)
  10. Bent to Fly
  11. Sugar Cane
  12. Spirit Love
  13. Speed Parade (Slash’s Snakepit)
  14. We Will Roam
  15. Don’t Damn Me (Guns N’ Roses, Todd Kerns no vocal)
  16. Starlight
  17. Wicked Stone
  18. April Fool
  19. Fill My World
  20. Doctor Alibi (Todd Kerns no vocal)
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  1. Isso é do show de São Paulo, né? Pois em BH eu vi outra coisa.
    Slash foi mais vezes do lado esquerdo do palco, as canções foram a maioria berraaadas pelo publico, tanto que várias vezes Myles olhava com espanto para a interação da galera, de tão alto que estavam cantando. Myles foi muito carismático com o público, fazendo agradecimentos, chamando para interação…
    Bom, talvez foi o público que não ajudou a banda e ficar muito empolgada.
    Velvet fez um show bem explosivo, deu conta do recado. Tendo em vista que estão abrindo o show do Slash e é de uma puta responsabilidade aquecer o público para o principal da noite.
    Vale ressaltar que estou falando do show de Belo Horizonte.
    Abração!
    Parabéns pelo site. Muito bom o conteúdo.

    • Oi, Bruno. Obrigado por conferir o texto e deixar seu comentário.
      O texto é, sim, sobre o show em São Paulo. Mas nosso repórter em BH também disse que Slash só foi uma vez ao lado direito do palco – o que não é problema, é só uma observação – https://igormiranda.com.br/2024/01/slash-myles-kennedy-conspirators-show-belo-horizonte-2024-resenha/
      Quanto à falta de interação, pode ter sido algo exclusivo de SP. A galera da frente se empolgou bastante, mas o “miolo” estava mais paradão. Mesmo assim, foram feitos vários elogios à plateia.
      É possível que tenham sido shows bem parecidos e apenas tivemos visões um pouco diferentes, o que é normal. Mas agradeço muito por ter exposto sua visão de forma educada por aqui. Um abraço.

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