Quando Marlon Brando recusou Oscar e mandou ativista indígena em seu lugar

Decisão do ator gerou misto de elogios com críticas e se tornou um dos momentos mais marcantes e polêmicos da história da premiação

Ganhar um Oscar é algo que qualquer pessoa que trabalhe na indústria cinematográfica deseja. Afinal, estamos falando da premiação mais cobiçada e importante do cinema. No entanto, ocorreram alguns casos de pessoas que recusaram o prêmio. Entre elas, está um ator lendário de Hollywood: Marlon Brando.

Em 1973, o astro venceu na categoria de Melhor Ator por conta de um dos personagens mais famosos — senão o mais — de sua carreira. No entanto, sua preocupação com causas sociais fez com que ele recusasse o prêmio. Em seu lugar, enviou uma ativista indígena, em um ato que dividiu muitas opiniões na época.

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Marlon Brando, ativista de causas sociais

Por mais que fosse um ator renomado, Marlon Brando não dava muita bola para a profissão que escolheu. Segundo William J. Mann, biógrafo de Brando, afirmou (via Collider) que o astro se preocupava mais com questões sociopolíticas e justiça social do que com seu trabalho.

O artista falecido em 2004 dizia que, para ele, “atuar não era uma vocação importante na vida enquanto o mundo enfrentava tanto problemas” e que apenas continuou no ramo por ter feito uma promessa para a mãe, Dodie, antes de sua morte.

Em 1955, Marlon Brando ganhou seu primeiro Oscar de Melhor Ator por sua atuação em “Sindicato de Ladrões”. No entanto, anos depois, revelou que foi um “erro de julgamento” e “bobeira” ter aceitado o prêmio, por considerar que seria uma grande hipocrisia de sua parte.

Ou seja: ficou claro que se Brando fosse novamente escolhido, certamente não aceitaria o prêmio. E foi justamente o que aconteceu 18 anos mais tarde.

Sacheen Littlefeather e o Oscar

Em 1972, Marlon Brando deu vida ao inesquecível Don Vito Corleone no clássico “O Poderoso Chefão”. Por conta de sua atuação, foi indicado ao Oscar de Melhor Ator no ano seguinte.

Na véspera da cerimônia, que ocorreu em março de 1973, já circulava a informação de que Brando não faria a mínima questão de participar e que mandaria uma pessoa “misteriosa” para representá-lo na ocasião.

Quando foi anunciado que o astro venceu o Oscar, as câmeras logo apontaram para uma jovem indígena, de longos cabelos morenos e vestida de acordo com suas tradições. Se tratava de Sacheen Littlefeather, ativista dos nativos americanos.

A jovem aceitou o Oscar silenciosamente e em seguida, revelou que Brando recusou o prêmio e fez um discurso no qual criticou a indústria cinematográfica pela forma que sempre tratou e retratou os indígenas do país. A fala de Sacheen Littlefeather gerou um misto de aplausos com vaias na cerimônia — com direito a seguranças tendo de segurar o veterano ator John Wayne, irritado com o momento.

O discurso de Littlefeather entrou pra história e se tornou um dos momentos mais marcantes e polêmicos da história do prêmio máximo do cinema. Originalmente, a ativista leria uma declaração de 15 páginas, mas foi interrompida com apenas 60 segundos. Confira abaixo.

As consequências para o ator e a ativista

A atitude de Marlon Brando, claro, continuou repercutindo por bastante tempo. Algumas pessoas o elogiaram pela decisão, como o igualmente renomado colega Jack Nicholson, mas muitos continuaram o criticando — especialmente alguns veículos de mídia, que o chamou de “covarde” e disse que ele deveria se retirar da vida pública.

Alguns meses depois, Brando se justificou para o programa “The Dick Cavett Show” (via Open Culture). O astro disse que nunca gostou da forma que a indústria cinematográfica do país sempre retratou os nativos americanos e outras etnias.

“Eu não acho que as pessoas, no geral, percebem o que a indústria dos filmes fez com os indígenas americanos. Na verdade, com todos os grupos étnicos.”

Brando também criticou o que chamou de “interpretações bobas do comportamento humano” nos programas de TV dos Estados Unidos e citou um em específico.

“As crianças indígenas veem os indígenas representados como selvagens, feios, desagradáveis, cruéis, traiçoeiros e bêbados.”

Pouco tempo após a cerimônia, Brando considerou visitar a ocupação de Wounded Knee, cidade que foi tomada por indígenas revoltados com o tratamento dados a eles. No entanto, por conta da repercussão do que aconteceu no Oscar, recebeu a recomendação de amigos para não ir.

Apesar do acontecido, Brando conseguiu continuar com sua renomada carreira de ator. O ator faleceu em 2004, aos 80 anos.

Sacheen Littlefeather acabou ficando conhecida nos Estados Unidos, mas não demorou muito para ver seu nome envolvido em outra polêmica: suas irmãs afirmaram que a família não tinha qualquer descendência indígena e que baseou sua história de vida na de seu pai, que teve uma infância abusiva e pobre.

Além disso, a própria ativista reconheceu que tinha alguns problemas de saúde mental, o que colocou ainda mais dúvidas em toda a narrativa que apresentou.

Sacheen Littlefeather morreu em 2022 aos 75 anos. A causa exata não foi revelada, mas a ativista lutava contra um câncer de mama desde 2018. Pouco antes de partir, recebeu um pedido de desculpas oficial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, por conta das consequências de seu famoso discurso.

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Augusto Ikeda
Augusto Ikedahttp://www.igormiranda.com.br
Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atua no mercado desde 2013 e já realizou trabalhos como assessor de imprensa, redator, repórter web e analista de marketing. É fã de esportes, tecnologia, música e cultura pop, mas sempre aberto a adquirir qualquer tipo de conhecimento.

1 COMENTÁRIO

  1. Não sei se algum historiador do cinema americano notou, mas os chamados filmes de faroeste, que tomaram a imaginação de tantas gerações entre os anos 30 e 60 do século XX, passaram justamente a ter uma enorme queda de produção (e hj praticamente não mais existem) depois justamente desse imbróglio no Oscar de Marlon Brando e o subsequente caso de Wounded Knee, começo dos anos 70. Na verdade o único grande sucesso no gênero faroeste após essa era foi um filme defendendo os índios, Dancing with Wolves, com Kevin Kostner, em 1990. Muito pouca coisa foi feita de lá pra cá.

    Já que quase todo filme de faroeste era cowboy matando índio, será que isso causou alguma espécie de mea culpa?

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