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Como “GN’R Lies” se tornou crucial para o Guns N’ Roses

Apesar das polêmicas envolvendo uma de suas faixas, mini álbum lançado como um paliativo foi sucesso em todo o mundo

Estamos em 1988. Com o disco de estreia do Guns N’ Roses, “Appetite for Destruction” (1987), mantendo uma sólida terceira posição na Billboard 200, a Geffen Records sentiu a necessidade de manter a banda em evidência enquanto ela trabalhava no álbum seguinte. Daí veio a ideia, atribuída ao então empresário Doug Goldstein, de lançar um paliativo.

Considerando que “Live?!*@ Like a Suicide” (1986) — que marcou a estreia do Guns em vinil —, estava esgotado, e em resposta à crescente especulação no mercado paralelo, onde os preços da peça atingiam valores astronômicos, a gravadora optou por relançar as quatro faixas do EP como lado A do que seria um mini álbum.

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Já o lado B foi concebido a partir de uma única sessão de gravação que o produtor Mike Clink mais tarde descreveria como “um desses momentos mágicos nos anais do rock ‘n’ roll”.

Assim surge a história por trás de “GN’R Lies”.

Nem independente, tampouco ao vivo

Lançado em 24 de dezembro de 1986, o agora lendário EP “Live?!*@ Like a Suicide” contém duas composições próprias e dois covers do repertório ao vivo do Guns N’ Roses na época que não seriam selecionados para inclusão no vindouro “Appetite for Destruction”.

As composições próprias eram “Reckless Life” – resgatada junto ao espólio do Hollywood Rose, o grupo pré-Guns que contava com o vocalista Axl Rose e o guitarrista Izzy Stradlin em sua formação — e “Move to the City”, coassinada por Del James, então frequente colaborador da banda.

Os covers, “Mama Kin” do Aerosmith e “Nice Boys (Don’t Play Rock ‘N’ Roll)” — listada apenas como “Nice Boys” — do australiano Rose Tattoo.

Parecia ser um EP independente, mas, na verdade, não era, conforme o guitarrista Slash conta em sua autobiografia homônima (Ediouro, 2008):

“Tivemos a ideia de lançar o EP sob o nosso próprio selo, o qual insistimos que fosse financiado pela Geffen (…) Chamamos o selo de Uzi Suicide, e o EP de ‘Live?!*@ Like a Suicide’.”

Tampouco era ao vivo, apesar do título. De acordo com o baixista Duff McKagan em “É Tão Fácil (E Outras Mentiras)” (Rocco, 2012):

“O barulho de multidão nesse disco vem de gravações de um festival de rock dos anos 1970 chamado Texxas Jam. Achamos que seria engraçado colocar uma enorme multidão de estádio ao fundo num momento em que tínhamos sorte de estar tocando para algumas centenas.”

A ideia de lançar em edição limitada de 10 mil cópias partiu da Geffen, que enxergou o produto, basicamente, como uma oferta temporária para satisfazer os fãs da banda em Los Angeles.

Dado que o EP foi lançado com muito pouco em termos de promoção, dependendo fortemente do boca a boca, o fato de que toda a prensagem esgotou em quatro semanas foi um prenúncio do tamanho que o Guns atingiria.

Jornada acústica rumo às paradas

Além das quatro músicas de “Live?!*@ Like a Suicide”, o mini álbum iria conter quatro faixas inéditas, todas acústicas: “Patience”, “Used to Love Her” e “One in a Million” — que foram escritas e gravadas em uma única tarde no Rumbo Studios —, além da versão original em ritmo lento de “You’re Crazy”, de “Appetite for Destruction”.

Várias outras músicas foram gravadas durante a sessão produzida por Mike Clink, mas acabaram ficando de fora do mini álbum. Entre elas estavam “Cornshucker”, de Duff, e “Crash Diet”, o relato de Axl sobre o acidente de carro envolvendo Vince Neil, do Mötley Crüe, que resultou na morte de Razzle, o baterista do Hanoi Rocks, em 1984. Coescrita por West Arkeen, colaborador de longa data da banda morto em 1997, esta última nunca foi oficialmente lançada pelo Guns, mas tanto Wildside quanto Asphalt Ballet gravaram-na.

Único single extraído do trabalho, “Patience” traz Duff fazendo um terceiro violão e não conta com a participação do baterista Steven Adler. Em seu livro “Meu Apetite por Destruição” (Edições Ideal, 2015), ele diz que realmente achava que era uma ótima ideia mantê-la sem bateria:

“Sou muito maduro quando se diz respeito à interpretação artística. Não tenho ego quanto à bateria. Se ela não cai bem, sem problemas. Dá para imaginar Charlie Watts, dos Rolling Stones, tentando colocar bateria em ‘Lady Jane’?”

Apesar de “Patience” ter sido um grande sucesso, atingindo a 4ª posição na Billboard e fazendo história com seu videoclipe gravado no mesmo Ambassador Hotel onde Robert F. Kennedy foi assassinado em 1968 — além de ter sido incluída na trilha sonora da telenovela “Que Rei Sou Eu?” (1989) da Rede Globo no Brasil —, na época, foi outra música que verdadeiramente projetou o Guns nos holofotes.

A controvérsia de “One in a Million”

Oitava e última faixa da tracklist, “One in a Million”, gerou grande controvérsia devido à sua letra, escrita por Axl; especialmente em razão do uso de termos ofensivos que incentivavam o racismo e a homofobia. A polêmica começa nos versos que abrem a segunda estrofe: “Police and n*ggers, that’s right / Get out of my way / Don’t need to buy none of your gold chains today” (“Policiais e cr*oulos, está certo / Saiam do meu caminho / Não quero comprar nenhuma de suas correntes de ouro hoje”).

Por mais que o vocalista diga ter empregado o termo “cr*oulo” no mesmo contexto que John Lennon o usou na canção “Woman is the N*gger of the World”, alguns dos demais integrantes se sentiram desconfortáveis. Pudera: a mãe de Slash, Ola, era negra, e uma das irmãs de Duff, Carol, era casada com um afro-americano.

Embora reconheça que “a arte é mal interpretada o tempo todo”, o baixista expressou seu incômodo:

“A imprensa nos rotulava como a banda da casa de David Duke [então líder da Ku Klux Klan]. Ouvi falar que a KKK — ou alguma facção, pelo menos — começou a usar a canção como um grito de guerra (…) Nunca diferenciei a pele negra da pele branca (…) E agora eu me preocupava com o que minha família poderia pensar de mim e da minha banda com toda a polêmica girando em torno da música.”

Por outro lado, Duff nunca pensou que o colega tivesse opiniões racistas.

“Nunca houve qualquer suspeita quanto a isso. Percebi que a letra representava uma observação em terceira pessoa sobre o que a América da era Reagan se tornara: uma nação de acusadores, uma terra de medo.”

Mas a polêmica não para por aí: “Immigrants and f*ggots / They make no sense to me / They come to our country and think they’ll do as they please / Like start some mini-Iran or spread some f*cking disease” (“Imigrantes e b*chas / Não fazem sentido para mim / Eles vêm para nosso país e acham que podem fazer o que quiser / Como começar um mini Irã ou disseminar doenças horríveis”), canta Axl na quarta estrofe. Foi o suficiente para o Guns ter sua participação num show beneficente de apoio à pesquisa da Aids em Nova York cancelada.

Sobre o termo “b*cha”, Rose mais tarde contaria à revista Interview:

“Talvez eu tenha um problema de homofobia… Talvez eu tivesse 2 anos e tenha sido enrabado pelo meu pai, e isso causou um problema desde então. Mas, tirando isso, não sei se tenho alguma homofobia.”

Ciente do passado do vocalista, Steven meio que o defende:

“Eu achava que era uma ótima música, que precisava de palavras fortes. Ela expressava um sentimento forte que precisava ser entregue sem dar nenhum alívio. Eu sabia que as palavras não eram direcionadas à maioria dos negros, gays ou imigrantes. Ela simplesmente descrevia os canalhas do mundo (…) A música explicava a m*rda pela qual Axl, um caipira ingênuo de Indiana, tinha passado.”

Em relação ao que é disparado contra os imigrantes, o baterista acrescenta:

“Eu achava que ele queria dizer: ‘Olha como o Irã está f*dido. Não traga essa m*rda pra cá’. Essa era a minha interpretação.”

Desculpas impressas e vingança contra os tabloides

À época, a intransigência de Axl Rose quanto à letra considerada um ataque às minorias acabaria resultando em uma das soluções mais surpreendentes e estranhas da história do rock e da indústria fonográfica. Antecipando a controvérsia em torno de “One in a Million”, a solução que o departamento jurídico da Geffen encontrou foi solicitar ao vocalista que redigisse um pedido de desculpas. Ele prontamente o fez, expressando:

“Já foi injustamente incomodado por alguém com uma arma e um distintivo? Esteve num posto de gasolina ou numa loja de conveniência e foi tratado como se seu lugar não fosse ali, por um indivíduo que mal fala inglês? Tomara que não, mas você já foi assediado por um homossexual? Alguns supostos religiosos tentaram surrupiar seu dinheiro suado? Essa música é muito simples. Minhas desculpas àqueles que podem se ofender com ela.”

Onde tal pedido de desculpas foi impresso? Exatamente, na capa do disco.

Ainda ressentidos com as manchetes sensacionalistas envolvendo bebida, drogas e libertinagem que marcaram a recepção pela imprensa inglesa na primeira visita do Guns N’ Roses a Londres no ano anterior, a banda buscou vingança ao lançar o mini álbum com uma capa que satirizava os tabloides britânicos. Em meio a manchetes extravagantes — incluindo a notória “Man sues ex-wife: ‘She took my sperm without permission’” (“Homem processa ex-mulher: ‘Ela pegou o meu esperma sem minha permissão’”) —, lá estava o pedido de desculpas de Axl.

A capa inclui ainda o que era para ser o título original do mini álbum: “Lies! The Sex, The Drugs, The Violence, The Shocking Truth” (“Mentiras! O Sexo, As Drogas, A Violência, A Verdade Chocante”). No entanto, Al Coury, chefe da equipe de promoções da gravadora, prevendo possíveis complicações logísticas, optou por vetá-lo, reduzindo-o para “GN’R Lies”.

Triunfo global

Apesar da controversa “One in a Million” ter suscitado tentativas de boicote, “GN’R Lies”, lançado em 29 de novembro de 1988 nos Estados Unidos e no mês seguinte no Reino Unido, vendeu mais de 12 milhões de cópias em todo o mundo.

Ficando entre os cinco primeiros na Billboard uma semana depois de ter sido lançado, o disco fez do Guns N’ Roses a primeira banda desde os Beatles a ter dois títulos no Top 5 da parada americana; feito crucial para manter o grupo em evidência.

Guns N’ Roses — “GN’R Lies”

  • Lançado em 29 de novembro de 1988 pela Geffen
  • Produzido por Guns N’ Roses e Mike Clink

Faixas:

  1. Reckless Life
  2. Nice Boys (cover do Rose Tattoo)
  3. Move to the City
  4. Mama Kin (cover do Aerosmith)
  5. Patience
  6. Used to Love Her
  7. You’re Crazy
  8. One in a Million

Músicos:

  • W. Axl Rose (vocais, piano)
  • Slash (guitarra solo, backing vocals)
  • Izzy Stradlin (guitarra rítmica, violão, backing vocals)
  • Duff McKagan (baixo, backing vocals)
  • Steven Adler (bateria)

Músicos adicionais:

  • West Arkeen (violão adicional e backing vocals nas faixas 5 a 8)
  • Howard Teman (percussão nas faixas 5 a 8)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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Apesar das polêmicas envolvendo uma de suas faixas, mini álbum lançado como um paliativo foi sucesso em todo o mundo

Estamos em 1988. Com o disco de estreia do Guns N’ Roses, “Appetite for Destruction” (1987), mantendo uma sólida terceira posição na Billboard 200, a Geffen Records sentiu a necessidade de manter a banda em evidência enquanto ela trabalhava no álbum seguinte. Daí veio a ideia, atribuída ao então empresário Doug Goldstein, de lançar um paliativo.

Considerando que “Live?!*@ Like a Suicide” (1986) — que marcou a estreia do Guns em vinil —, estava esgotado, e em resposta à crescente especulação no mercado paralelo, onde os preços da peça atingiam valores astronômicos, a gravadora optou por relançar as quatro faixas do EP como lado A do que seria um mini álbum.

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Já o lado B foi concebido a partir de uma única sessão de gravação que o produtor Mike Clink mais tarde descreveria como “um desses momentos mágicos nos anais do rock ‘n’ roll”.

Assim surge a história por trás de “GN’R Lies”.

Nem independente, tampouco ao vivo

Lançado em 24 de dezembro de 1986, o agora lendário EP “Live?!*@ Like a Suicide” contém duas composições próprias e dois covers do repertório ao vivo do Guns N’ Roses na época que não seriam selecionados para inclusão no vindouro “Appetite for Destruction”.

As composições próprias eram “Reckless Life” – resgatada junto ao espólio do Hollywood Rose, o grupo pré-Guns que contava com o vocalista Axl Rose e o guitarrista Izzy Stradlin em sua formação — e “Move to the City”, coassinada por Del James, então frequente colaborador da banda.

Os covers, “Mama Kin” do Aerosmith e “Nice Boys (Don’t Play Rock ‘N’ Roll)” — listada apenas como “Nice Boys” — do australiano Rose Tattoo.

Parecia ser um EP independente, mas, na verdade, não era, conforme o guitarrista Slash conta em sua autobiografia homônima (Ediouro, 2008):

“Tivemos a ideia de lançar o EP sob o nosso próprio selo, o qual insistimos que fosse financiado pela Geffen (…) Chamamos o selo de Uzi Suicide, e o EP de ‘Live?!*@ Like a Suicide’.”

Tampouco era ao vivo, apesar do título. De acordo com o baixista Duff McKagan em “É Tão Fácil (E Outras Mentiras)” (Rocco, 2012):

“O barulho de multidão nesse disco vem de gravações de um festival de rock dos anos 1970 chamado Texxas Jam. Achamos que seria engraçado colocar uma enorme multidão de estádio ao fundo num momento em que tínhamos sorte de estar tocando para algumas centenas.”

A ideia de lançar em edição limitada de 10 mil cópias partiu da Geffen, que enxergou o produto, basicamente, como uma oferta temporária para satisfazer os fãs da banda em Los Angeles.

Dado que o EP foi lançado com muito pouco em termos de promoção, dependendo fortemente do boca a boca, o fato de que toda a prensagem esgotou em quatro semanas foi um prenúncio do tamanho que o Guns atingiria.

Jornada acústica rumo às paradas

Além das quatro músicas de “Live?!*@ Like a Suicide”, o mini álbum iria conter quatro faixas inéditas, todas acústicas: “Patience”, “Used to Love Her” e “One in a Million” — que foram escritas e gravadas em uma única tarde no Rumbo Studios —, além da versão original em ritmo lento de “You’re Crazy”, de “Appetite for Destruction”.

Várias outras músicas foram gravadas durante a sessão produzida por Mike Clink, mas acabaram ficando de fora do mini álbum. Entre elas estavam “Cornshucker”, de Duff, e “Crash Diet”, o relato de Axl sobre o acidente de carro envolvendo Vince Neil, do Mötley Crüe, que resultou na morte de Razzle, o baterista do Hanoi Rocks, em 1984. Coescrita por West Arkeen, colaborador de longa data da banda morto em 1997, esta última nunca foi oficialmente lançada pelo Guns, mas tanto Wildside quanto Asphalt Ballet gravaram-na.

Único single extraído do trabalho, “Patience” traz Duff fazendo um terceiro violão e não conta com a participação do baterista Steven Adler. Em seu livro “Meu Apetite por Destruição” (Edições Ideal, 2015), ele diz que realmente achava que era uma ótima ideia mantê-la sem bateria:

“Sou muito maduro quando se diz respeito à interpretação artística. Não tenho ego quanto à bateria. Se ela não cai bem, sem problemas. Dá para imaginar Charlie Watts, dos Rolling Stones, tentando colocar bateria em ‘Lady Jane’?”

Apesar de “Patience” ter sido um grande sucesso, atingindo a 4ª posição na Billboard e fazendo história com seu videoclipe gravado no mesmo Ambassador Hotel onde Robert F. Kennedy foi assassinado em 1968 — além de ter sido incluída na trilha sonora da telenovela “Que Rei Sou Eu?” (1989) da Rede Globo no Brasil —, na época, foi outra música que verdadeiramente projetou o Guns nos holofotes.

A controvérsia de “One in a Million”

Oitava e última faixa da tracklist, “One in a Million”, gerou grande controvérsia devido à sua letra, escrita por Axl; especialmente em razão do uso de termos ofensivos que incentivavam o racismo e a homofobia. A polêmica começa nos versos que abrem a segunda estrofe: “Police and n*ggers, that’s right / Get out of my way / Don’t need to buy none of your gold chains today” (“Policiais e cr*oulos, está certo / Saiam do meu caminho / Não quero comprar nenhuma de suas correntes de ouro hoje”).

Por mais que o vocalista diga ter empregado o termo “cr*oulo” no mesmo contexto que John Lennon o usou na canção “Woman is the N*gger of the World”, alguns dos demais integrantes se sentiram desconfortáveis. Pudera: a mãe de Slash, Ola, era negra, e uma das irmãs de Duff, Carol, era casada com um afro-americano.

Embora reconheça que “a arte é mal interpretada o tempo todo”, o baixista expressou seu incômodo:

“A imprensa nos rotulava como a banda da casa de David Duke [então líder da Ku Klux Klan]. Ouvi falar que a KKK — ou alguma facção, pelo menos — começou a usar a canção como um grito de guerra (…) Nunca diferenciei a pele negra da pele branca (…) E agora eu me preocupava com o que minha família poderia pensar de mim e da minha banda com toda a polêmica girando em torno da música.”

Por outro lado, Duff nunca pensou que o colega tivesse opiniões racistas.

“Nunca houve qualquer suspeita quanto a isso. Percebi que a letra representava uma observação em terceira pessoa sobre o que a América da era Reagan se tornara: uma nação de acusadores, uma terra de medo.”

Mas a polêmica não para por aí: “Immigrants and f*ggots / They make no sense to me / They come to our country and think they’ll do as they please / Like start some mini-Iran or spread some f*cking disease” (“Imigrantes e b*chas / Não fazem sentido para mim / Eles vêm para nosso país e acham que podem fazer o que quiser / Como começar um mini Irã ou disseminar doenças horríveis”), canta Axl na quarta estrofe. Foi o suficiente para o Guns ter sua participação num show beneficente de apoio à pesquisa da Aids em Nova York cancelada.

Sobre o termo “b*cha”, Rose mais tarde contaria à revista Interview:

“Talvez eu tenha um problema de homofobia… Talvez eu tivesse 2 anos e tenha sido enrabado pelo meu pai, e isso causou um problema desde então. Mas, tirando isso, não sei se tenho alguma homofobia.”

Ciente do passado do vocalista, Steven meio que o defende:

“Eu achava que era uma ótima música, que precisava de palavras fortes. Ela expressava um sentimento forte que precisava ser entregue sem dar nenhum alívio. Eu sabia que as palavras não eram direcionadas à maioria dos negros, gays ou imigrantes. Ela simplesmente descrevia os canalhas do mundo (…) A música explicava a m*rda pela qual Axl, um caipira ingênuo de Indiana, tinha passado.”

Em relação ao que é disparado contra os imigrantes, o baterista acrescenta:

“Eu achava que ele queria dizer: ‘Olha como o Irã está f*dido. Não traga essa m*rda pra cá’. Essa era a minha interpretação.”

Desculpas impressas e vingança contra os tabloides

À época, a intransigência de Axl Rose quanto à letra considerada um ataque às minorias acabaria resultando em uma das soluções mais surpreendentes e estranhas da história do rock e da indústria fonográfica. Antecipando a controvérsia em torno de “One in a Million”, a solução que o departamento jurídico da Geffen encontrou foi solicitar ao vocalista que redigisse um pedido de desculpas. Ele prontamente o fez, expressando:

“Já foi injustamente incomodado por alguém com uma arma e um distintivo? Esteve num posto de gasolina ou numa loja de conveniência e foi tratado como se seu lugar não fosse ali, por um indivíduo que mal fala inglês? Tomara que não, mas você já foi assediado por um homossexual? Alguns supostos religiosos tentaram surrupiar seu dinheiro suado? Essa música é muito simples. Minhas desculpas àqueles que podem se ofender com ela.”

Onde tal pedido de desculpas foi impresso? Exatamente, na capa do disco.

Ainda ressentidos com as manchetes sensacionalistas envolvendo bebida, drogas e libertinagem que marcaram a recepção pela imprensa inglesa na primeira visita do Guns N’ Roses a Londres no ano anterior, a banda buscou vingança ao lançar o mini álbum com uma capa que satirizava os tabloides britânicos. Em meio a manchetes extravagantes — incluindo a notória “Man sues ex-wife: ‘She took my sperm without permission’” (“Homem processa ex-mulher: ‘Ela pegou o meu esperma sem minha permissão’”) —, lá estava o pedido de desculpas de Axl.

A capa inclui ainda o que era para ser o título original do mini álbum: “Lies! The Sex, The Drugs, The Violence, The Shocking Truth” (“Mentiras! O Sexo, As Drogas, A Violência, A Verdade Chocante”). No entanto, Al Coury, chefe da equipe de promoções da gravadora, prevendo possíveis complicações logísticas, optou por vetá-lo, reduzindo-o para “GN’R Lies”.

Triunfo global

Apesar da controversa “One in a Million” ter suscitado tentativas de boicote, “GN’R Lies”, lançado em 29 de novembro de 1988 nos Estados Unidos e no mês seguinte no Reino Unido, vendeu mais de 12 milhões de cópias em todo o mundo.

Ficando entre os cinco primeiros na Billboard uma semana depois de ter sido lançado, o disco fez do Guns N’ Roses a primeira banda desde os Beatles a ter dois títulos no Top 5 da parada americana; feito crucial para manter o grupo em evidência.

Guns N’ Roses — “GN’R Lies”

  • Lançado em 29 de novembro de 1988 pela Geffen
  • Produzido por Guns N’ Roses e Mike Clink

Faixas:

  1. Reckless Life
  2. Nice Boys (cover do Rose Tattoo)
  3. Move to the City
  4. Mama Kin (cover do Aerosmith)
  5. Patience
  6. Used to Love Her
  7. You’re Crazy
  8. One in a Million

Músicos:

  • W. Axl Rose (vocais, piano)
  • Slash (guitarra solo, backing vocals)
  • Izzy Stradlin (guitarra rítmica, violão, backing vocals)
  • Duff McKagan (baixo, backing vocals)
  • Steven Adler (bateria)

Músicos adicionais:

  • West Arkeen (violão adicional e backing vocals nas faixas 5 a 8)
  • Howard Teman (percussão nas faixas 5 a 8)

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