Nem o mais otimista dos fãs de esperaria que o Alter Bridge encheria — ainda que não tenha lotado — o Espaço Unimed, casa em São Paulo com capacidade para oito mil pessoas, na segunda passagem da banda pelo Brasil. Na primeira, em 2017, o grupo tocou em dois grandes festivais (Rock in Rio e São Paulo Trip) e fez data solo apenas em Curitiba. A nova visita, numa quarta-feira (8), ficou restrita à capital paulistana — no continente, esticará para Argentina e Chile, com uma performance em cada país.
Mesmo com toda a correria, a suspeita de que talvez não teria público para um local tão grande e a data única no meio da semana — e em meio a uma enxurrada de shows na cidade —, o grupo formado por Myles Kennedy (voz e guitarra), Mark Tremonti (guitarra e voz), Brian Marshall (baixo) e Scott Phillips (bateria) reuniu bom público para o show. E ofereceu o que sabe fazer de melhor para retribuir.
Mas o que o Alter Bridge consegue dar de melhor? Quem conhece um pouco a banda, certamente, sabe que eles não são de fazer show-espetáculo. As interações são raras e muitas execuções são bem próximas do que se ouve nos álbuns. Um grande mérito para um grupo conhecido por sua competência técnica, em especial Kennedy e Tremonti, referências em suas áreas.
A abertura com “Silver Tongue”, pontualmente iniciada às 21h, é prova disso. Ainda que com o som ligeiramente embolado, parecia até playback de tão perfeito, mas não era. Alguns segredos para tal foram se mostrando durante a noite, a começar pela música seguinte, “Addicted to Pain”. Mesmo em uma canção pesada e acelerada, Myles Kennedy andava calmamente pelo palco, como se poupasse energia. Pudera: fazer o que ele faz não é nada fácil. Além de assumir o protagonismo na guitarra diversas vezes, o homem de 53 anos canta muito. Não derrapa nem nas notas mais agudas. Se a voz característica pode irritar alguns, tudo bem; só não pode chamar de desafinado.
Após duas canções pesadas e um “obrigado” em português de Kennedy, “Ghost of Days Gone By” trouxe uma pegada mais harmoniosa que amansou os fãs — mas não os acalmou, já que a execução foi finalizada sob coros de “Alter Bridge! Alter Bridge!” por boa parte da plateia. Em sua primeira interação mais longa, Myles parecia incrédulo. “Uau, ‘what the f#ck’. Isso é incrível, vocês são incríveis”, disse ele, antes de pontuar que aquele momento fez valer a pena toda a longa viagem, com várias horas dentro de aviões e carros.
Com o som menos embolado, “Sin After Sin” mostrou melhor a posição ocupada por cada integrante na amálgama sonora que define o Alter Bridge. Impressiona, especialmente, a consistência oferecida por Mark Tremonti —definitivamente um cara que “joga para o time”, pois não enfia solos desnecessários nas canções e até transfere a Kennedy alguns leads para manter a base pesada. “Broken Wings”, uma balada mais convencional, voltou a colocar melodia em primeiro plano e motivou mais um coro de “Alter Bridge! Alter Bridge!”. Àquela altura, a plateia estava ganha.
Isso permitiu um experimento que já vem rolando há algum tempo: Tremonti assumiu na sequência os vocais de outra lentinha, “Burn It Down”, o que curiosamente levou Kennedy a tocar o solo. Mark é afinado e tem melhorado sua performance diante do microfone; uma pena que sua voz não tenha tanto diferencial, mas vale pelo momento distinto. “Cry of Achilles” promoveu uma volta ao peso, só que com um groove diferente. Foi um dos destaques da noite.
A partir daqui o repertório ficou repleto de momentos bonitos, mas um pouco enjoativos por terem sido em sequência. A interpretação de “Watch Over You” conduzida apenas por Myles, no violão e gogó, é realmente linda. Talvez foi a música mais cantada pelo público, a ponto do frontman jogar um dos refrães para a galera. “In Loving Memory” manteve o formato, mas com Mark no violão. “Blackbird”, com direito a trecho de “Blackbird” dos Beatles na intro, alternou peso com melodia e voltou a ter forte participação da plateia — ainda que seja uma canção repetitiva.
O show ameaçou engrenar de novo com a heavy “Come to Life”, fazendo muita gente pular, mas a nobre tentativa de tocar a esquecida “Lover” pela 13ª vez em toda a carreira sob improviso, após o pedido de um fã, apelou bem mais aos admiradores mais dedicados. Nem tanto pela execução ligeiramente desalinhada — o modesto Myles até brincou que “foi um sh#tshow, mas divertiu e era o que valia” —, mas por ser outra canção lenta num momento importante para o setlist. “Pawns & Kings”, mesmo com seu pedal duplo comendo solto, manteve o grosso da plateia um pouco disperso; só voltou a atrair reações mais calorosas após os gritos finais de Kennedy.
Felizmente, o melhor estava guardado para o final. Quatro das canções mais conhecidas do Alter Bridge foram tocadas em sequência. Começou com “Isolation”, pesada e grudenta, e continuou com “Metalingus”, onde a cozinha de Scott Phillips e Brian Marshall faz muita diferença. Famosa por ter sido a música tema do wrestler Edge na WWE, a faixa aqui foi estendida para um raríssimo momento de interação com o público, em uma daquelas disputas de “qual lado grita mais”. Passada a pausa para o bis, o quarteto retornou com uma bandeira do Brasil, fez todo mundo cantar a quase radiofônica “Open Your Eyes” — inclusive os coros de Myles — e se despediu com a mensagem positiva de “Rise Today”, que versa sobre como o amor pode mudar o mundo.
É inegável que o show do Alter Bridge funciona muito mais para os já “convertidos” ao seu som. As poucas interações e as execuções muito próximas às gravações dos discos tiram um pouco do tempero que dá sabor extra a uma apresentação ao vivo, especialmente àqueles que gostam da banda sem amá-la.
Talvez este seja, junto do fluxo lento do repertório em seu miolo, um dos raros pontos de fragilidade num show tecnicamente perfeito. Em tempos onde tantos vocalistas de hard rock já não conseguem fazer seus trabalhos em alto nível, é um prazer ouvir o já cinquentão Myles Kennedy — também um baita guitarrista — cantando tão bem. Mark Tremonti tem o som da banda em suas mãos, seja nos riffs pesadíssimos a-la James Hetfield, nos dedilhados incrivelmente executados desde os tempos de Creed ou nos solos de timbragem peculiar. Brian Marshall e Scott Phillips formam uma cozinha tão coladinha que raramente são citados separados; eventuais egos à parte, isso é um mérito e tanto.
Em 2024, Tremonti, Marshall e Phillips estarão ocupados com o Creed, recém-reunido para vários shows. O guitarrista também gravará um novo álbum com sua banda solo, que carrega seu sobrenome. Myles Kennedy rodará o mundo com Slash e os Conspirators. O Alter Bridge hibernará por um tempinho, mas certamente a calorosa experiência no Espaço Unimed fará o quarteto sentir saudades deste grupo e de nosso continente.
*Fotos de Gabriel Ramos / @gabrieluizramos. Mais imagens ao fim da página.
Alter Bridge – ao vivo em São Paulo
- Local: Espaço Unimed
- Data: 8 de novembro de 2023
- Turnê: Pawns & Kings
Repertório:
- Silver Tongue
- Addicted to Pain
- Ghost of Days Gone By
- Sin After Sin
- Broken Wings
- Burn It Down (Mark Tremonti nos vocais)
- Cry of Achilles
- Watch Over You (acústica, apenas com Myles Kennedy)
- In Loving Memory (acústica, com Myles Kennedy e Mark Tremonti)
- Blackbird (com Blackbird dos Beatles na introdução)
- Come to Life
- Lover (improvisada)
- Pawns & Kings
- Isolation
- Metalingus
Bis:
- Open Your Eyes
- Rise Today
Veja também:
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Threads | Facebook | YouTube.
Eu estava lá, foi um show incrível.
As vzs me pergunto como apenas 4 rapazes fazem um som desse que em alguns momentos mais parece uma orquestra inteira …eles são geniais .
Alter Bridge é a ponte q te leva as alturas . Obrigada Igor pela matéria do dia .