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Wilco redescobre sua vertente experimental em “Cousin”

Disco produzido em parceria com a cantora e compositora galesa Cate Le Bon tira banda da zona de conforto para ótimos resultados

Ao longo dos últimos 20 anos, o Wilco se tornou uma entidade autossuficiente ao produzir seus próprios álbuns em um estúdio particular – The Loft, em Chicago – e lançá-los através de um selo criado para atender suas necessidades. Nesse período, eles refinaram sua sonoridade para algo capaz de soar inovador mesmo quando não estava particularmente fora de sua zona de conforto.

A última pessoa fora do círculo envolvido no Loft a trabalhar com a banda em uma posição criativa foi Jim O’Rourke, que mixou a obra-prima “Yankee Hotel Foxtrot” (2002) e produziu o excelente “A Ghost is Born” (2004). Desde então, o grupo parecia decidido a criar um universo particular em torno de sua formação mais estável, surgida nos anos após esses dois discos.

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Isso mudou em “Cousin”. Após um retorno triunfal à sonoridade alt-country do início da carreira em “Cruel Country” (2022), o Wilco chamou a cantora e compositora avant-pop galesa Cate Le Bon para trabalhar com o grupo no sucessor na produção.

Le Bon é uma “artist’s artist”, como os anglófonos costumam dizer. Apesar de desconhecida do público geral, quem está familiarizado com seu trabalho geralmente é muito fã — e nesse grupo estão incluídos provavelmente seus artistas alternativos preferidos. Tal apreciação a levou a produzir para vários contemporâneos, incluindo Devendra Banhart, Kurt Vile, Deerhunter e agora o Wilco.

O resultado dessa parceria é “Cousin”, o primeiro disco do Wilco em muito tempo que soa fora da zona de conforto da banda — em um bom sentido. Os arranjos evocam a sonoridade suntuosa de “Summerteeth” (1999) sem parecer uma cópia. Teclados, sintetizadores, pedal steels e a guitarra de Nels Cline são empregados todos como elementos texturais do som, capazes de levantar as canções em contraponto à voz quieta de Jeff Tweedy.

Certa vez, uma amiga argumentou que os momentos mais belos do grupo ocorrem quando os arranjos atingem seu ápice de caos e barulho enquanto Tweedy permanece calmo, como se a música refletisse o estado interior do vocalista. Tal teoria está exposta em grande estilo nesse álbum.

Apesar de cantar em tom de voz tranquilo, o frontman mostra um mundo em conflito em suas letras. “Cousin” parece um reflexo dos últimos sete anos e da discórdia surgida em meio ao avanço da extrema direita no planeta.

Tweedy escreve sobre tiroteios em massa (“10 Dead”) e brigas conjugais (“Infinite Surprise”, talvez a melhor da tracklist) e familiares (a faixa-título) de modo a expor como as divisões sempre existiram entre nós — só bastou um empurrão para certas pessoas sentirem a confiança de expressarem seus piores instintos.

Contudo, o momento mais revelador de “Cousin” vem durante “Pittsburgh”. Aqui, Jeff parece começar a cantar uma letra romântica que acaba se revelando algo mais existencial, com o líder do Wilco examinando a si mesmo e sua carreira nos versos:

“I’ve always been afraid to sing
That’s a little thing
Somehow, that’s all I do
Strange as that seems
I’ve outlived
My dreams”

“Sempre tive medo de cantar
Isso é uma coisinha
De alguma forma, isso é tudo que eu faço
Por mais estranho que isso pareça
Eu sobrevivi
Aos meus sonhos”

Nos últimos anos, Jeff Tweedy se tornou uma figura quase emérita da cena alternativa americana. Escreveu um livro focado no seu processo de composição e iniciou uma newsletter na qual mostra covers e canções inacabadas, além de discutir os aspectos mais granulares do que pode acabar se tornando algo mecânico. Quando se é um músico profissional, encarregado do ganha pão de várias outras pessoas, é fácil perder perspectiva do poder da arte.

Em “Cousin”, seja na decisão de sair da zona de conforto para reencontrar o experimentalismo que os alavancou ao estrelato, ou até mesmo nas letras, o Wilco parece continuar mantendo essa perspectiva quase 30 anos de carreira adentro.

*Ouça “Cousin” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

*O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

Wilco — “Cousin”

01. Infinite Surprise
02. Ten Dead
03. Levee
04. Evicted
05. Sunlight Ends
06. A Bowl And A Pudding
07. Cousin
08. Pittsburgh
09. Soldier Child
10. Meant To Be

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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A última pessoa fora do círculo envolvido no Loft a trabalhar com a banda em uma posição criativa foi Jim O’Rourke, que mixou a obra-prima “Yankee Hotel Foxtrot” (2002) e produziu o excelente “A Ghost is Born” (2004). Desde então, o grupo parecia decidido a criar um universo particular em torno de sua formação mais estável, surgida nos anos após esses dois discos.

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Isso mudou em “Cousin”. Após um retorno triunfal à sonoridade alt-country do início da carreira em “Cruel Country” (2022), o Wilco chamou a cantora e compositora avant-pop galesa Cate Le Bon para trabalhar com o grupo no sucessor na produção.

Le Bon é uma “artist’s artist”, como os anglófonos costumam dizer. Apesar de desconhecida do público geral, quem está familiarizado com seu trabalho geralmente é muito fã — e nesse grupo estão incluídos provavelmente seus artistas alternativos preferidos. Tal apreciação a levou a produzir para vários contemporâneos, incluindo Devendra Banhart, Kurt Vile, Deerhunter e agora o Wilco.

O resultado dessa parceria é “Cousin”, o primeiro disco do Wilco em muito tempo que soa fora da zona de conforto da banda — em um bom sentido. Os arranjos evocam a sonoridade suntuosa de “Summerteeth” (1999) sem parecer uma cópia. Teclados, sintetizadores, pedal steels e a guitarra de Nels Cline são empregados todos como elementos texturais do som, capazes de levantar as canções em contraponto à voz quieta de Jeff Tweedy.

Certa vez, uma amiga argumentou que os momentos mais belos do grupo ocorrem quando os arranjos atingem seu ápice de caos e barulho enquanto Tweedy permanece calmo, como se a música refletisse o estado interior do vocalista. Tal teoria está exposta em grande estilo nesse álbum.

Apesar de cantar em tom de voz tranquilo, o frontman mostra um mundo em conflito em suas letras. “Cousin” parece um reflexo dos últimos sete anos e da discórdia surgida em meio ao avanço da extrema direita no planeta.

Tweedy escreve sobre tiroteios em massa (“10 Dead”) e brigas conjugais (“Infinite Surprise”, talvez a melhor da tracklist) e familiares (a faixa-título) de modo a expor como as divisões sempre existiram entre nós — só bastou um empurrão para certas pessoas sentirem a confiança de expressarem seus piores instintos.

Contudo, o momento mais revelador de “Cousin” vem durante “Pittsburgh”. Aqui, Jeff parece começar a cantar uma letra romântica que acaba se revelando algo mais existencial, com o líder do Wilco examinando a si mesmo e sua carreira nos versos:

“I’ve always been afraid to sing
That’s a little thing
Somehow, that’s all I do
Strange as that seems
I’ve outlived
My dreams”

“Sempre tive medo de cantar
Isso é uma coisinha
De alguma forma, isso é tudo que eu faço
Por mais estranho que isso pareça
Eu sobrevivi
Aos meus sonhos”

Nos últimos anos, Jeff Tweedy se tornou uma figura quase emérita da cena alternativa americana. Escreveu um livro focado no seu processo de composição e iniciou uma newsletter na qual mostra covers e canções inacabadas, além de discutir os aspectos mais granulares do que pode acabar se tornando algo mecânico. Quando se é um músico profissional, encarregado do ganha pão de várias outras pessoas, é fácil perder perspectiva do poder da arte.

Em “Cousin”, seja na decisão de sair da zona de conforto para reencontrar o experimentalismo que os alavancou ao estrelato, ou até mesmo nas letras, o Wilco parece continuar mantendo essa perspectiva quase 30 anos de carreira adentro.

*Ouça “Cousin” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

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Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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