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Como o Metallica transformou luto e misantropia em “…And Justice for All”

História do álbum envolve a substituição de baixista mais infame em todos os tempos da indústria musical, graças a mixagem que beirou o bullying

Quando parecia que o Metallica estava com a faca e o queijo na mão, donos de seu próprio destino após gravar um dos melhores discos de metal da história, o destino lhes pregou uma peça desgraçada.

Um acidente de ônibus custou a vida do baixista Cliff Burton, um dos principais responsáveis pela sonoridade da banda, com seu estilo único e de tocar o instrumento.

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A partir daí, o Metallica precisou não apenas lidar com a perda de um companheiro e amigo. James Hetfield (voz e guitarra), Lars Ulrich (bateria) e Kirk Hammett (guitarra) precisavam encontrar uma maneira de remodelar seu som, mantendo os elementos responsáveis por torná-los um dos grupos mais importantes de metal da década de 1980.

Eles responderam com um álbum que olha para o mundo à sua volta com desdém e decepção. E esse mundo devolveu esse sentimento com adoração.

Essa é a história de “…And Justice for All”.

Tragédia

O álbum “Master of Puppets”, lançado pelo Metallica em 1986, era a estreia da banda em uma gravadora major, Elektra Records, e ajudou eles a cimentar sua posição como reis do movimento thrash metal, atingindo a 29a posição nas paradas americanas. 

O grupo então iniciou uma turnê como abertura de Ozzy Osbourne, na qual eram expostos quase toda noite a uma geração de metaleiros jovens impressionáveis, e o impacto dessas performances seria sentido por décadas.

No livro “Metallica: A Biografia”, escrito por Mick Wall, o empresário de turnê do grupo, Bobby Schneider, descreveu o clima nesses shows:

“Foi o verdadeiro sinal. Quero dizer, eu vi quando estava na Europa. Vi a reação fanática, e eles estavam vendendo ingressos, no entanto eram só 2 mil lugares. Mas quando abriram para Ozzy, vi o que estava para acontecer.”

Em 26 de setembro daquele ano, o grupo estava no meio de sua turnê europeia, apelidada de “Damage, Inc”. Eles tinham acabado de fazer um show na cidade sueca de Solnahallen e a próxima parada era na Dinamarca, terra natal de Lars Ulrich e uma segunda casa para a banda. Eles fariam uma viagem de ônibus noite adentro — e uma briga entre os integrantes começou por causa de em qual leito dormir.

Kirk Hammett e Cliff Burton eram colegas de quarto habituais durante as turnês. O baixista queria ocupar a cama onde o guitarrista estava dormindo a maior parte do tempo nessa passagem pela Suécia, perto da janela, por estar sentindo dores nas costas. Para resolver a questão, um jogo simples de quem puxava a carta mais alta.

Burton puxou o ás de espadas, vencendo e ganhando o direito de dormir onde queria. Em entrevista ao “Behind the Music” da VH1 (transcrição via Ultimate Classic Rock), Hammett lembrou sua reação:

“Eu disse: ‘Ótimo, pega a minha cama. Eu durmo na frente; provavelmente é melhor mesmo’.”

Por volta de 7 horas da manhã, perto de Dörarp, um vilarejo com menos de 200 habitantes, os integrantes do Metallica foram acordados subitamente pelo movimento desenfreado do ônibus. O motorista disse às autoridades, posteriormente, que perdeu o controle do veículo após derrapar numa parte congelada da pista.

Em um desses movimentos bruscos, o ônibus tombou, caindo de lado. Imediatamente, todo mundo começou a assegurar a segurança um do outro. Só um problema: ninguém conseguia encontrar Cliff Burton.

Ele havia sido jogado para fora da janela do ônibus enquanto este virava e recebeu todo o impacto do veículo caindo em cima dele. Relatos sobre a morte do baixista contam versões diferentes – uma superando a outra em termos de detalhes escabrosos –, mas uma coisa é certa: Cliff Burton faleceu naquele local.

James Hetfield, furioso com o motorista por retirar um cobertor do corpo de Cliff Burton para dar a um dos sobreviventes, andou pela estrada de meia e cuecas procurando a parte congelada citada como causa do acidente. Ele diz até hoje que não encontrou nada.

A morte de Cliff Burton caiu como uma bomba na cena thrash inteira. Todos os principais nomes tinham algum tipo de relação com o baixista e nos anos subsequentes elogiavam não só sua musicalidade, mas seu senso de perspectiva em meio à ascensão do grupo.

Em “Metallica: A Biografia”, o jornalista inglês Malcolm Dome é citado falando:

“Cliff tinha uma grande personalidade. Se estivesse vivo, poderia ter conduzido o Metallica por alguns caminhos bem interessantes, ele tinha a cabeça aberta, era o cara em quem os demais se inspiravam porque era um pouco mais velho, mais maduro e seguro. Do jeito dele, era o líder da banda. Embora Lars e James fossem os donos do grupo, estava claro que Cliff era o cara a quem podiam recorrer quando precisavam de conselhos. Era ele quem dizia: ‘não acho que devamos fazer assim, devíamos fazer assado’. Ele não parecia pertencer a uma banda de thrash, e era essa a questão — ele não sentia a obrigação de se adaptar.”

Muitas pessoas viam nisso o fim do Metallica. Eles começaram a procurar um substituto no dia seguinte ao enterro.

Metallica indo em frente

A mentalidade imediata de James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett era que Cliff Burton não gostaria de ver o grupo acabar. Seus empresários lhes aconselharam a apresentar uma frente unida, mostrando como seria possível eles transformarem essa tragédia em combustível para a ascensão do Metallica a um status não apenas de pioneiros ou banda de abertura, mas de grandes artistas.

Precisavam continuar por Cliff. Precisavam se estabelecer como uma grande banda, a maior banda, por Cliff. É o que seu finado companheiro merecia. Em uma entrevista para a Sounds três meses depois da morte do baixista, Lars Ulrich deixa isso bem claro:

“Não entendo como alguém que conhecesse bem o Metallica pudesse pensar que iríamos desistir. A questão não era: ‘Vamos empacotar as nossas coisas ou não?’. Era: ‘Em quanto tempo podemos colocar a coisa toda novamente de pé?’.Tínhamos de fazer isso por Cliff… Se ele soubesse que estávamos de braços cruzados em San Francisco, com pena de nós mesmos, ele chutaria nossos traseiros e diria para botarmos o pé na estrada de novo e continuar de onde tínhamos parado.”

A banda se estabeleceu novamente em San Francisco e começou a procura por um novo baixista. Bobby Schneider guiou os três integrantes em meio ao luto coletivo e os porres homéricos que vinham junto a isso. 

A ideia era: o Metallica tinha cinco semanas até começar sua turnê japonesa. Eles queriam um baixista jovem e ambicioso, sem bagagem de outra banda. Eles não queriam alguém conhecido por outro projeto. Era para ele ser o cara do Metallica.

Três semanas de testes depois, eles encontraram quem se encaixava nesse perfil. Jason Curtis Newsted foi o último a ser testado de uma lista contendo nomes do calibre de Greg Christian (Testament), Gene Gilfen (Blind Illusion), Mel Sanchez (Abattoir), Mike Jastremski (Heathen), Troy Gregory (The Dirtbombs) e até mesmo Les Claypool (Primus).

Bobby Schneider apanhou Newsted no aeroporto de San Francisco – ele morava no Arizona – e no meio da empolgação de estar prestes a fazer o teste, o baixista percebeu que havia esquecido seu amplificador no setor de bagagens. Entre voltar para pegar o equipamento e ir até o local onde a banda estava ensaiando, chegou atrasado.

Contudo, ele estava preparado. Newsted era filho de uma professora de piano e começou a tocar guitarra aos nove anos de idade, mudando para o baixo apenas aos 14. Quando fez o teste para o Metallica, Jason já tinha 23 — e havia decorado o setlist da banda, tendo passado o tempo inteiro desde o convite inicial da audição estudando com afinco o repertório.

Como Bobby Schneider descreveu em “Metallica: A Biografia”:

“Jason tinha o espírito. Era capaz de comer, cag#r e dormir Metallica. Era o sonho dele.”

Quanto à família de Cliff Burton, Newsted disse no mesmo livro:

“Eles foram os primeiros a me aceitar. Os pais dele, em especial. Vieram me conhecer no dia em que entrei para a banda. A mãe me abraçou por um tempo, não queria me soltar. Disse no meu ouvido: ‘você deve ser a escolha certa, pois esses caras sabem o que estão fazendo’ e me desejou sorte. Um casal muito afetuoso, maravilhoso.”

Mister J Newkid

Os pais de Cliff Burton foram provavelmente os únicos que lhe deram algum tipo de carinho nessa época. Seus companheiros do Flotsam and Jetsam, sua então banda, ficaram furiosos com sua saída. 

Quanto ao Metallica, deu-se início a um dos casos mais notórios de bullying e trotes de mau gosto na história do rock. Mick Wall descreveu sobre o que o baixista passou começando na turnê japonesa do grupo no livro “Metallica: A Biografia”:

“O que Jason mais tarde definiu como ‘trotes e vários testes emocionais’ incluíam brincadeiras como dizer, toda vez que o apresentavam a alguém, que ele era gay; pedidos de refeições e bebidas para o seu quarto; invasões ao quarto de hotel dele às quatro da madrugada, gritando: ‘levanta, seu p#to, hora de beber, sua b#cha!’, batendo na porta até que as dobradiças quase se soltassem. Diziam: ‘você devia ter aberto a porta, vi#do!’, arrancavam o colchão da cama com Jason ainda deitado sobre ele e empilhavam tudo que estivesse no quarto — TV, cadeiras, mesa — em cima dele. Quinze anos depois, falando para a Playboy, Jason ainda se encolhia diante da lembrança: ‘Eles jogavam as minhas roupas, as minhas fitas cassete, meus sapatos, pela janela. Espalhavam creme de barbear no espelho; pasta de dente em todos os lugares. Devastação pura. Saíam correndo pela porta, gritando: ‘bem-vindo à banda, cara!’’. O único motivo que fez com que aturasse foi ‘porque o Metallica era o meu sonho se tornando realidade, cara. Eu com certeza estava frustrado, de saco cheio e com a sensação de que não gostavam de mim’.”

Tudo que Jason Newsted fazia parecia irritar os membros do Metallica, especialmente James e Lars. Uma coisa acima de tudo pairava na mente dos dois como o maior descontentamento de todos: por que ele não podia ser o Cliff?

Em “Metallica: A Biografia”, Ulrich admitiu o erro, dizendo:

“Foi difícil. Com certeza, é inquestionável que não fomos justos com Jason. Mas, também, não éramos capazes de agir de modo diferente, tínhamos 22 anos e não sabíamos lidar com esse tipo de coisa. Não sabíamos como enfrentar situações assim, a não ser mergulhando numa garrafa de vodca. Não fomos acolhedores. Com certeza, grande parte da culpa é nossa.”

Após a turnê japonesa, voltaram aos Estados Unidos para uma série de shows no país, seguido de uma nova passagem pela Europa. Fizeram ainda uma última homenagem ao finado integrante com o VHS “Cliff ‘Em All”, composto de imagens capturadas por fãs, clipes da banda e imagens de bastidores. 

O lançamento se provou não só um sucesso de vendas, sendo certificado platina nos EUA, mas também antecipou uma linguagem visual que a MTV ia desenvolver com seus programas nos anos 1990.

Agora, a questão era: como o Metallica soaria em estúdio com Newsted ao invés de Cliff Burton? “The $5.98 E.P. – Garage Days Re-Revisited”, lançado pelo grupo em agosto de 1987, mostrou uma banda exorcizando seu luto por meio de nostalgia. 

Covers de artistas que serviram de influência formativa mostravam Hetfield, Ulrich e Hammett tocando como se nada tivesse acontecido (mesmo quando ocorreu sim), enquanto Newsted tentava não pisar nos calos de ninguém, fazendo o arroz com feijão.

Apesar disso, os outros integrantes deixaram clara a posição dele ao lhe creditarem no trabalho como Mister J Newkid. E só ia piorar a partir dali.

Produtor errado

No segundo semestre de 1987, começaram os planos para o quarto álbum de estúdio do Metallica. Como sempre, James Hetfield e Lars Ulrich começaram a burilar as míticas “riff tapes” produzidas pelo guitarrista, tentando formar um quebra-cabeças musical.

A expectativa da indústria musical era que o Metallica continuaria a sonoridade de “Master of Puppets”, afinal, tinha feito muito dinheiro para eles. Entretanto, Ulrich estava apaixonado pelo som do Guns N’ Roses e tentava convencer Hetfield que uma guinada mais mainstream era o caminho a seguir, chegando a considerar chamar o álbum de “Wild Chicks, Fast Cars and Lots of Drugs” (“Garotas selvagens, carros velozes e muitas drogas”).

Quando ficou aparente que Flemming Rasmussen (produtor dos dois discos anteriores do Metallica) não teria disponibilidade no cronograma adequado para o grupo, Ulrich foi além na sua fascinação com o Guns e sugeriu a contratação de Mike Clink. O profissional comandou as sessões da estreia da banda de Los Angeles, “Appetite for Destruction”.

As gravações para o que seria “…And Justice for All” estavam marcadas para os primeiros três meses de 1988. Antes mesmo de começarem, Clink percebeu um conflito ideológico. O produtor era um veterano da indústria, tendo trabalhado com bandas super radiofônicas como Heart, Jefferson Starship e Survivor antes do Guns. Ele também estava acostumado a fomentar um clima solto no estúdio, em que a música soava como se fosse gravada ao vivo.

Esse não era o método do Metallica. Quando foi contratado, ficou claro para Clink que era para fazer do jeito deles – e ele só descobriria qual é na hora. 

Adicione a isso o fato da postura de Hetfield, que não gostava do disco do Guns N’ Roses e tratava a contratação de Clink como um capricho passageiro de Ulrich. O frontman logo começou a subir pelas paredes de frustração com as sessões.

Em uma entrevista para “Metallica: A Biografia”, Mike Clink deu seu raciocínio sobre o que não deu certo entre ele e o grupo:

“Por mais que acredite que eles queriam que eu colocasse a minha mágica nas músicas, acho que estavam acostumados a fazer as coisas sozinhos e do jeito deles. Sempre senti que era o cara reserva, esperando Flemming estar disponível, ou que eles o convencessem a trabalhar no álbum porque, naquele momento, as coisas não estavam dando certo… eles ficavam putos por alguém dizer o que tinham de fazer. Acho que a culpa foi tanto minha quanto deles. Tinha acabado de fazer o disco do Guns N’ Roses, do meu jeito, como eu mandava. E meio que me deparei com uma parede, o que foi difícil para mim”. 

Clink também comentou nessa entrevista como sentia que a necessidade de continuidade no processo para o grupo era importante especialmente dada a perda de Cliff Burton. A realidade do Metallica havia mudado de maneira drástica há menos de seis meses — e qualquer coisa, o quão insignificante fosse, era vista na mesma dimensão.

Ao final de apenas três semanas, Lars Ulrich, o homem que tinha batido o pé pela contratação de Mike Clink, estava no telefone com Flemming Rasmussen, implorando para o produtor remanejar sua agenda e trabalhar com o Metallica. Entretanto, a mesma máxima foi dada: não queriam fazer outro “Master of Puppets”. O novo disco era para ser mais direto e agressivo possível esteticamente falando, ainda que mais rebuscado em arranjos e flertando até com o progressivo.

Nada grave

Isso incluiu uma falta completa de baixo na mixagem final. Por muitos anos, fãs argumentaram que essa foi mais uma das inúmeras peças pregadas pela banda pra cima de Jason Newsted, mas o baixista foi creditado não só no instrumento, mas como coautor em “Blackened”.

Em entrevista de 2008 para a Guitar World (via Rolling Stone), Hetfield explicou o porquê dessa decisão:

“O baixo ficou apagado por duas razões. Primeiro, Jason tendia a dobrar minhas partes de guitarra, então era difícil dizer onde minha guitarra começava e seu baixo parava. Além disso, o meu timbre em ‘Justice’ focava muito nos agudos e graves, com poucos médios, consumindo todas as frequências mais baixas. Jason e eu estávamos sempre lutando pelo mesmo espaço na mixagem”.

Falando à Metal Exiles (via Rolling Stone) em 2013, Newsted falou sobre sua inexperiência em gravar discos naquela época:

“Quando gravei ‘…And Justice for All’, eu só tinha gravado uma vez, em ‘Doomsday’ do Flotsam and Jetsam (esquecendo-se de ‘Garage Days’). […] Para ‘…And Justice’, entrei em estúdio com um engenheiro assistente e ninguém mais, nenhum outro membro da banda. […] Fiz o mesmo do disco do Flotsam: gravei minhas partes e fui para casa. Não tinha ninguém para trabalhar em cima das partes. Como baixista do Flotsam, não entendia muito de tocar as linhas, só sabia sobre tocar bem rápido como se fosse uma guitarra – basicamente, todos tocando a mesma coisa como uma parede sonora. Então, ficou tudo na mesma frequência: meu baixo e a guitarra de James brigando pela mesma frequência. Se eu soubesse naquela época o que sei hoje em dia, teria sido diferente, mas tornou-se um clássico do mesmo jeito.”

Mesmo assim, o baixista admitiu à Guitar World em 2021 que não foi tão diplomático na época que o disco saiu:

“Eu fiquei p#to! Tá de brincadeira? Eu tava pronto pra enforcar alguém, cara! Não, eu tava fora de si, porque achei mesmo que tinha mandado bem. E eu pensei que tinha tocado como era para eu tocar.”

A sonoridade de “…And Justice for All” desde hoje é comentada por ser seca, despida de efeitos, com bateria, vocais e guitarras todos no talo. O disco pode ter se tornado um clássico, mas até hoje existem fãs travando uma guerra eterna sobre a mixagem do álbum e se vale a pena abrir mão de qualidade para atingir um objetivo estético: nesse caso, agressividade pura.

Johnny vai à guerra

A sonoridade incrivelmente agressiva era refletida nas letras. Os anos 80 foram uma década onde, embora os Estados Unidos não tivessem participado de nenhum conflito armado de longo prazo, havia sempre o espectro de guerra nuclear pairando no ar, tamanhas eram as tensões ao final da Guerra Fria.

Além disso, o noticiário internacional era cheio de histórias sobre combate em outros países: seja a Guerra Irã-Iraque, a invasão soviética do Afeganistão, a guerra civil no Líbano, sem falar do legado sombrio do Vietnã na sociedade americana.

Tudo em “…And Justice for All” era filtrado através das lentes de guerra, fossem questões ambientais, corrupção ou até o interesse desenvolvido por James Hetfield na Lista Negra dos anos 1950, na qual várias figuras foram perseguidas pelo governo americano por associações a organizações comunistas.

O vocalista e guitarrista também extravasou contra seus pais – praticantes da Ciência Cristã – em “Dyers Eve”. Fez ainda uma tentativa de discutir temas relacionados à liberdade de expressão e direitos civis em “Eye of the Beholder”, vista como Lars Ulrich como a pior música do Metallica.

Entretanto, a faixa que marcou esse período da banda foi “One”. Seja por sua qualidade, sua longevidade ou pelo fato de ter rendido o primeiro videoclipe da carreira do Metallica.

Baseada no romance “Johnny Vai à Guerra”, escrito por Dalton Trumbo – uma das vítimas mais notórias da Lista Negra – em 1939, a canção é a composição mais ambiciosa feita pelo Metallica até ali. Oito minutos contando a história de um soldado que, ao pisar em uma mina terrestre, perde as pernas, braços e os cinco sentidos, só tendo sua mente à deriva. 

A comparação imediata a se fazer é com “Tommy”, ópera rock do The Who, mas “One” é uma criatura implacável, que passa sua duração completa quase sendo consumida por sua própria fúria. É uma das melhores coisas que o Metallica já gravou.

O clipe de “One” foi um marco na carreira do Metallica. A banda até então adotava uma postura de não lançar vídeos, preferindo que a música fosse o meio principal com o qual fãs interagissem com a obra da banda.

O jeito encontrado foi fazer três versões do clipe: uma na duração completa da canção, na qual a banda toca em um galpão deserto, com a performance intercalada por clipes da adaptação cinematográfica de “Johnny vai à guerra”; e duas mais curtas, com uma mantendo o formato híbrido e outra contendo apenas a performance do Metallica.

Quando o disco saiu nos Estados Unidos, em 7 de setembro de 1988, a sonoridade abrasiva e letras misantrópicas que rádios e indústria musical consideravam anticomerciais tiveram, na verdade, enorme sucesso.

“…And Justice for All” chegou à sexta posição da Billboard 200, a melhor na carreira da banda até então, e permaneceu nas paradas americanas por 83 semanas. O álbum recebeu disco de platina nove semanas após seu lançamento, tendo vendido 1,7 milhão de cópias até o final de 1988.

O lançamento de “One” como single e clipe, em janeiro de 1989, provou ser o momento em que a banda se tornou um sucesso de rádio assim como vendas. Foi parte do primeiro grupo de indicados ao Grammy de Melhor Performance de Metal, categoria estreante na maior cerimônia de prêmios da indústria musical em 1989.

Eles perderam para o Jethro Tull. A piada sobre isso existe até hoje.

Entretanto, eles persistiram além desse novo revés e apenas se tornaram talvez a banda de rock mais popular dos últimos 40 anos a partir dali.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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Como o Metallica transformou luto e misantropia em “…And Justice for All”

História do álbum envolve a substituição de baixista mais infame em todos os tempos da indústria musical, graças a mixagem que beirou o bullying

Quando parecia que o Metallica estava com a faca e o queijo na mão, donos de seu próprio destino após gravar um dos melhores discos de metal da história, o destino lhes pregou uma peça desgraçada.

Um acidente de ônibus custou a vida do baixista Cliff Burton, um dos principais responsáveis pela sonoridade da banda, com seu estilo único e de tocar o instrumento.

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A partir daí, o Metallica precisou não apenas lidar com a perda de um companheiro e amigo. James Hetfield (voz e guitarra), Lars Ulrich (bateria) e Kirk Hammett (guitarra) precisavam encontrar uma maneira de remodelar seu som, mantendo os elementos responsáveis por torná-los um dos grupos mais importantes de metal da década de 1980.

Eles responderam com um álbum que olha para o mundo à sua volta com desdém e decepção. E esse mundo devolveu esse sentimento com adoração.

Essa é a história de “…And Justice for All”.

Tragédia

O álbum “Master of Puppets”, lançado pelo Metallica em 1986, era a estreia da banda em uma gravadora major, Elektra Records, e ajudou eles a cimentar sua posição como reis do movimento thrash metal, atingindo a 29a posição nas paradas americanas. 

O grupo então iniciou uma turnê como abertura de Ozzy Osbourne, na qual eram expostos quase toda noite a uma geração de metaleiros jovens impressionáveis, e o impacto dessas performances seria sentido por décadas.

No livro “Metallica: A Biografia”, escrito por Mick Wall, o empresário de turnê do grupo, Bobby Schneider, descreveu o clima nesses shows:

“Foi o verdadeiro sinal. Quero dizer, eu vi quando estava na Europa. Vi a reação fanática, e eles estavam vendendo ingressos, no entanto eram só 2 mil lugares. Mas quando abriram para Ozzy, vi o que estava para acontecer.”

Em 26 de setembro daquele ano, o grupo estava no meio de sua turnê europeia, apelidada de “Damage, Inc”. Eles tinham acabado de fazer um show na cidade sueca de Solnahallen e a próxima parada era na Dinamarca, terra natal de Lars Ulrich e uma segunda casa para a banda. Eles fariam uma viagem de ônibus noite adentro — e uma briga entre os integrantes começou por causa de em qual leito dormir.

Kirk Hammett e Cliff Burton eram colegas de quarto habituais durante as turnês. O baixista queria ocupar a cama onde o guitarrista estava dormindo a maior parte do tempo nessa passagem pela Suécia, perto da janela, por estar sentindo dores nas costas. Para resolver a questão, um jogo simples de quem puxava a carta mais alta.

Burton puxou o ás de espadas, vencendo e ganhando o direito de dormir onde queria. Em entrevista ao “Behind the Music” da VH1 (transcrição via Ultimate Classic Rock), Hammett lembrou sua reação:

“Eu disse: ‘Ótimo, pega a minha cama. Eu durmo na frente; provavelmente é melhor mesmo’.”

Por volta de 7 horas da manhã, perto de Dörarp, um vilarejo com menos de 200 habitantes, os integrantes do Metallica foram acordados subitamente pelo movimento desenfreado do ônibus. O motorista disse às autoridades, posteriormente, que perdeu o controle do veículo após derrapar numa parte congelada da pista.

Em um desses movimentos bruscos, o ônibus tombou, caindo de lado. Imediatamente, todo mundo começou a assegurar a segurança um do outro. Só um problema: ninguém conseguia encontrar Cliff Burton.

Ele havia sido jogado para fora da janela do ônibus enquanto este virava e recebeu todo o impacto do veículo caindo em cima dele. Relatos sobre a morte do baixista contam versões diferentes – uma superando a outra em termos de detalhes escabrosos –, mas uma coisa é certa: Cliff Burton faleceu naquele local.

James Hetfield, furioso com o motorista por retirar um cobertor do corpo de Cliff Burton para dar a um dos sobreviventes, andou pela estrada de meia e cuecas procurando a parte congelada citada como causa do acidente. Ele diz até hoje que não encontrou nada.

A morte de Cliff Burton caiu como uma bomba na cena thrash inteira. Todos os principais nomes tinham algum tipo de relação com o baixista e nos anos subsequentes elogiavam não só sua musicalidade, mas seu senso de perspectiva em meio à ascensão do grupo.

Em “Metallica: A Biografia”, o jornalista inglês Malcolm Dome é citado falando:

“Cliff tinha uma grande personalidade. Se estivesse vivo, poderia ter conduzido o Metallica por alguns caminhos bem interessantes, ele tinha a cabeça aberta, era o cara em quem os demais se inspiravam porque era um pouco mais velho, mais maduro e seguro. Do jeito dele, era o líder da banda. Embora Lars e James fossem os donos do grupo, estava claro que Cliff era o cara a quem podiam recorrer quando precisavam de conselhos. Era ele quem dizia: ‘não acho que devamos fazer assim, devíamos fazer assado’. Ele não parecia pertencer a uma banda de thrash, e era essa a questão — ele não sentia a obrigação de se adaptar.”

Muitas pessoas viam nisso o fim do Metallica. Eles começaram a procurar um substituto no dia seguinte ao enterro.

Metallica indo em frente

A mentalidade imediata de James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett era que Cliff Burton não gostaria de ver o grupo acabar. Seus empresários lhes aconselharam a apresentar uma frente unida, mostrando como seria possível eles transformarem essa tragédia em combustível para a ascensão do Metallica a um status não apenas de pioneiros ou banda de abertura, mas de grandes artistas.

Precisavam continuar por Cliff. Precisavam se estabelecer como uma grande banda, a maior banda, por Cliff. É o que seu finado companheiro merecia. Em uma entrevista para a Sounds três meses depois da morte do baixista, Lars Ulrich deixa isso bem claro:

“Não entendo como alguém que conhecesse bem o Metallica pudesse pensar que iríamos desistir. A questão não era: ‘Vamos empacotar as nossas coisas ou não?’. Era: ‘Em quanto tempo podemos colocar a coisa toda novamente de pé?’.Tínhamos de fazer isso por Cliff… Se ele soubesse que estávamos de braços cruzados em San Francisco, com pena de nós mesmos, ele chutaria nossos traseiros e diria para botarmos o pé na estrada de novo e continuar de onde tínhamos parado.”

A banda se estabeleceu novamente em San Francisco e começou a procura por um novo baixista. Bobby Schneider guiou os três integrantes em meio ao luto coletivo e os porres homéricos que vinham junto a isso. 

A ideia era: o Metallica tinha cinco semanas até começar sua turnê japonesa. Eles queriam um baixista jovem e ambicioso, sem bagagem de outra banda. Eles não queriam alguém conhecido por outro projeto. Era para ele ser o cara do Metallica.

Três semanas de testes depois, eles encontraram quem se encaixava nesse perfil. Jason Curtis Newsted foi o último a ser testado de uma lista contendo nomes do calibre de Greg Christian (Testament), Gene Gilfen (Blind Illusion), Mel Sanchez (Abattoir), Mike Jastremski (Heathen), Troy Gregory (The Dirtbombs) e até mesmo Les Claypool (Primus).

Bobby Schneider apanhou Newsted no aeroporto de San Francisco – ele morava no Arizona – e no meio da empolgação de estar prestes a fazer o teste, o baixista percebeu que havia esquecido seu amplificador no setor de bagagens. Entre voltar para pegar o equipamento e ir até o local onde a banda estava ensaiando, chegou atrasado.

Contudo, ele estava preparado. Newsted era filho de uma professora de piano e começou a tocar guitarra aos nove anos de idade, mudando para o baixo apenas aos 14. Quando fez o teste para o Metallica, Jason já tinha 23 — e havia decorado o setlist da banda, tendo passado o tempo inteiro desde o convite inicial da audição estudando com afinco o repertório.

Como Bobby Schneider descreveu em “Metallica: A Biografia”:

“Jason tinha o espírito. Era capaz de comer, cag#r e dormir Metallica. Era o sonho dele.”

Quanto à família de Cliff Burton, Newsted disse no mesmo livro:

“Eles foram os primeiros a me aceitar. Os pais dele, em especial. Vieram me conhecer no dia em que entrei para a banda. A mãe me abraçou por um tempo, não queria me soltar. Disse no meu ouvido: ‘você deve ser a escolha certa, pois esses caras sabem o que estão fazendo’ e me desejou sorte. Um casal muito afetuoso, maravilhoso.”

Mister J Newkid

Os pais de Cliff Burton foram provavelmente os únicos que lhe deram algum tipo de carinho nessa época. Seus companheiros do Flotsam and Jetsam, sua então banda, ficaram furiosos com sua saída. 

Quanto ao Metallica, deu-se início a um dos casos mais notórios de bullying e trotes de mau gosto na história do rock. Mick Wall descreveu sobre o que o baixista passou começando na turnê japonesa do grupo no livro “Metallica: A Biografia”:

“O que Jason mais tarde definiu como ‘trotes e vários testes emocionais’ incluíam brincadeiras como dizer, toda vez que o apresentavam a alguém, que ele era gay; pedidos de refeições e bebidas para o seu quarto; invasões ao quarto de hotel dele às quatro da madrugada, gritando: ‘levanta, seu p#to, hora de beber, sua b#cha!’, batendo na porta até que as dobradiças quase se soltassem. Diziam: ‘você devia ter aberto a porta, vi#do!’, arrancavam o colchão da cama com Jason ainda deitado sobre ele e empilhavam tudo que estivesse no quarto — TV, cadeiras, mesa — em cima dele. Quinze anos depois, falando para a Playboy, Jason ainda se encolhia diante da lembrança: ‘Eles jogavam as minhas roupas, as minhas fitas cassete, meus sapatos, pela janela. Espalhavam creme de barbear no espelho; pasta de dente em todos os lugares. Devastação pura. Saíam correndo pela porta, gritando: ‘bem-vindo à banda, cara!’’. O único motivo que fez com que aturasse foi ‘porque o Metallica era o meu sonho se tornando realidade, cara. Eu com certeza estava frustrado, de saco cheio e com a sensação de que não gostavam de mim’.”

Tudo que Jason Newsted fazia parecia irritar os membros do Metallica, especialmente James e Lars. Uma coisa acima de tudo pairava na mente dos dois como o maior descontentamento de todos: por que ele não podia ser o Cliff?

Em “Metallica: A Biografia”, Ulrich admitiu o erro, dizendo:

“Foi difícil. Com certeza, é inquestionável que não fomos justos com Jason. Mas, também, não éramos capazes de agir de modo diferente, tínhamos 22 anos e não sabíamos lidar com esse tipo de coisa. Não sabíamos como enfrentar situações assim, a não ser mergulhando numa garrafa de vodca. Não fomos acolhedores. Com certeza, grande parte da culpa é nossa.”

Após a turnê japonesa, voltaram aos Estados Unidos para uma série de shows no país, seguido de uma nova passagem pela Europa. Fizeram ainda uma última homenagem ao finado integrante com o VHS “Cliff ‘Em All”, composto de imagens capturadas por fãs, clipes da banda e imagens de bastidores. 

O lançamento se provou não só um sucesso de vendas, sendo certificado platina nos EUA, mas também antecipou uma linguagem visual que a MTV ia desenvolver com seus programas nos anos 1990.

Agora, a questão era: como o Metallica soaria em estúdio com Newsted ao invés de Cliff Burton? “The $5.98 E.P. – Garage Days Re-Revisited”, lançado pelo grupo em agosto de 1987, mostrou uma banda exorcizando seu luto por meio de nostalgia. 

Covers de artistas que serviram de influência formativa mostravam Hetfield, Ulrich e Hammett tocando como se nada tivesse acontecido (mesmo quando ocorreu sim), enquanto Newsted tentava não pisar nos calos de ninguém, fazendo o arroz com feijão.

Apesar disso, os outros integrantes deixaram clara a posição dele ao lhe creditarem no trabalho como Mister J Newkid. E só ia piorar a partir dali.

Produtor errado

No segundo semestre de 1987, começaram os planos para o quarto álbum de estúdio do Metallica. Como sempre, James Hetfield e Lars Ulrich começaram a burilar as míticas “riff tapes” produzidas pelo guitarrista, tentando formar um quebra-cabeças musical.

A expectativa da indústria musical era que o Metallica continuaria a sonoridade de “Master of Puppets”, afinal, tinha feito muito dinheiro para eles. Entretanto, Ulrich estava apaixonado pelo som do Guns N’ Roses e tentava convencer Hetfield que uma guinada mais mainstream era o caminho a seguir, chegando a considerar chamar o álbum de “Wild Chicks, Fast Cars and Lots of Drugs” (“Garotas selvagens, carros velozes e muitas drogas”).

Quando ficou aparente que Flemming Rasmussen (produtor dos dois discos anteriores do Metallica) não teria disponibilidade no cronograma adequado para o grupo, Ulrich foi além na sua fascinação com o Guns e sugeriu a contratação de Mike Clink. O profissional comandou as sessões da estreia da banda de Los Angeles, “Appetite for Destruction”.

As gravações para o que seria “…And Justice for All” estavam marcadas para os primeiros três meses de 1988. Antes mesmo de começarem, Clink percebeu um conflito ideológico. O produtor era um veterano da indústria, tendo trabalhado com bandas super radiofônicas como Heart, Jefferson Starship e Survivor antes do Guns. Ele também estava acostumado a fomentar um clima solto no estúdio, em que a música soava como se fosse gravada ao vivo.

Esse não era o método do Metallica. Quando foi contratado, ficou claro para Clink que era para fazer do jeito deles – e ele só descobriria qual é na hora. 

Adicione a isso o fato da postura de Hetfield, que não gostava do disco do Guns N’ Roses e tratava a contratação de Clink como um capricho passageiro de Ulrich. O frontman logo começou a subir pelas paredes de frustração com as sessões.

Em uma entrevista para “Metallica: A Biografia”, Mike Clink deu seu raciocínio sobre o que não deu certo entre ele e o grupo:

“Por mais que acredite que eles queriam que eu colocasse a minha mágica nas músicas, acho que estavam acostumados a fazer as coisas sozinhos e do jeito deles. Sempre senti que era o cara reserva, esperando Flemming estar disponível, ou que eles o convencessem a trabalhar no álbum porque, naquele momento, as coisas não estavam dando certo… eles ficavam putos por alguém dizer o que tinham de fazer. Acho que a culpa foi tanto minha quanto deles. Tinha acabado de fazer o disco do Guns N’ Roses, do meu jeito, como eu mandava. E meio que me deparei com uma parede, o que foi difícil para mim”. 

Clink também comentou nessa entrevista como sentia que a necessidade de continuidade no processo para o grupo era importante especialmente dada a perda de Cliff Burton. A realidade do Metallica havia mudado de maneira drástica há menos de seis meses — e qualquer coisa, o quão insignificante fosse, era vista na mesma dimensão.

Ao final de apenas três semanas, Lars Ulrich, o homem que tinha batido o pé pela contratação de Mike Clink, estava no telefone com Flemming Rasmussen, implorando para o produtor remanejar sua agenda e trabalhar com o Metallica. Entretanto, a mesma máxima foi dada: não queriam fazer outro “Master of Puppets”. O novo disco era para ser mais direto e agressivo possível esteticamente falando, ainda que mais rebuscado em arranjos e flertando até com o progressivo.

Nada grave

Isso incluiu uma falta completa de baixo na mixagem final. Por muitos anos, fãs argumentaram que essa foi mais uma das inúmeras peças pregadas pela banda pra cima de Jason Newsted, mas o baixista foi creditado não só no instrumento, mas como coautor em “Blackened”.

Em entrevista de 2008 para a Guitar World (via Rolling Stone), Hetfield explicou o porquê dessa decisão:

“O baixo ficou apagado por duas razões. Primeiro, Jason tendia a dobrar minhas partes de guitarra, então era difícil dizer onde minha guitarra começava e seu baixo parava. Além disso, o meu timbre em ‘Justice’ focava muito nos agudos e graves, com poucos médios, consumindo todas as frequências mais baixas. Jason e eu estávamos sempre lutando pelo mesmo espaço na mixagem”.

Falando à Metal Exiles (via Rolling Stone) em 2013, Newsted falou sobre sua inexperiência em gravar discos naquela época:

“Quando gravei ‘…And Justice for All’, eu só tinha gravado uma vez, em ‘Doomsday’ do Flotsam and Jetsam (esquecendo-se de ‘Garage Days’). […] Para ‘…And Justice’, entrei em estúdio com um engenheiro assistente e ninguém mais, nenhum outro membro da banda. […] Fiz o mesmo do disco do Flotsam: gravei minhas partes e fui para casa. Não tinha ninguém para trabalhar em cima das partes. Como baixista do Flotsam, não entendia muito de tocar as linhas, só sabia sobre tocar bem rápido como se fosse uma guitarra – basicamente, todos tocando a mesma coisa como uma parede sonora. Então, ficou tudo na mesma frequência: meu baixo e a guitarra de James brigando pela mesma frequência. Se eu soubesse naquela época o que sei hoje em dia, teria sido diferente, mas tornou-se um clássico do mesmo jeito.”

Mesmo assim, o baixista admitiu à Guitar World em 2021 que não foi tão diplomático na época que o disco saiu:

“Eu fiquei p#to! Tá de brincadeira? Eu tava pronto pra enforcar alguém, cara! Não, eu tava fora de si, porque achei mesmo que tinha mandado bem. E eu pensei que tinha tocado como era para eu tocar.”

A sonoridade de “…And Justice for All” desde hoje é comentada por ser seca, despida de efeitos, com bateria, vocais e guitarras todos no talo. O disco pode ter se tornado um clássico, mas até hoje existem fãs travando uma guerra eterna sobre a mixagem do álbum e se vale a pena abrir mão de qualidade para atingir um objetivo estético: nesse caso, agressividade pura.

Johnny vai à guerra

A sonoridade incrivelmente agressiva era refletida nas letras. Os anos 80 foram uma década onde, embora os Estados Unidos não tivessem participado de nenhum conflito armado de longo prazo, havia sempre o espectro de guerra nuclear pairando no ar, tamanhas eram as tensões ao final da Guerra Fria.

Além disso, o noticiário internacional era cheio de histórias sobre combate em outros países: seja a Guerra Irã-Iraque, a invasão soviética do Afeganistão, a guerra civil no Líbano, sem falar do legado sombrio do Vietnã na sociedade americana.

Tudo em “…And Justice for All” era filtrado através das lentes de guerra, fossem questões ambientais, corrupção ou até o interesse desenvolvido por James Hetfield na Lista Negra dos anos 1950, na qual várias figuras foram perseguidas pelo governo americano por associações a organizações comunistas.

O vocalista e guitarrista também extravasou contra seus pais – praticantes da Ciência Cristã – em “Dyers Eve”. Fez ainda uma tentativa de discutir temas relacionados à liberdade de expressão e direitos civis em “Eye of the Beholder”, vista como Lars Ulrich como a pior música do Metallica.

Entretanto, a faixa que marcou esse período da banda foi “One”. Seja por sua qualidade, sua longevidade ou pelo fato de ter rendido o primeiro videoclipe da carreira do Metallica.

Baseada no romance “Johnny Vai à Guerra”, escrito por Dalton Trumbo – uma das vítimas mais notórias da Lista Negra – em 1939, a canção é a composição mais ambiciosa feita pelo Metallica até ali. Oito minutos contando a história de um soldado que, ao pisar em uma mina terrestre, perde as pernas, braços e os cinco sentidos, só tendo sua mente à deriva. 

A comparação imediata a se fazer é com “Tommy”, ópera rock do The Who, mas “One” é uma criatura implacável, que passa sua duração completa quase sendo consumida por sua própria fúria. É uma das melhores coisas que o Metallica já gravou.

O clipe de “One” foi um marco na carreira do Metallica. A banda até então adotava uma postura de não lançar vídeos, preferindo que a música fosse o meio principal com o qual fãs interagissem com a obra da banda.

O jeito encontrado foi fazer três versões do clipe: uma na duração completa da canção, na qual a banda toca em um galpão deserto, com a performance intercalada por clipes da adaptação cinematográfica de “Johnny vai à guerra”; e duas mais curtas, com uma mantendo o formato híbrido e outra contendo apenas a performance do Metallica.

Quando o disco saiu nos Estados Unidos, em 7 de setembro de 1988, a sonoridade abrasiva e letras misantrópicas que rádios e indústria musical consideravam anticomerciais tiveram, na verdade, enorme sucesso.

“…And Justice for All” chegou à sexta posição da Billboard 200, a melhor na carreira da banda até então, e permaneceu nas paradas americanas por 83 semanas. O álbum recebeu disco de platina nove semanas após seu lançamento, tendo vendido 1,7 milhão de cópias até o final de 1988.

O lançamento de “One” como single e clipe, em janeiro de 1989, provou ser o momento em que a banda se tornou um sucesso de rádio assim como vendas. Foi parte do primeiro grupo de indicados ao Grammy de Melhor Performance de Metal, categoria estreante na maior cerimônia de prêmios da indústria musical em 1989.

Eles perderam para o Jethro Tull. A piada sobre isso existe até hoje.

Entretanto, eles persistiram além desse novo revés e apenas se tornaram talvez a banda de rock mais popular dos últimos 40 anos a partir dali.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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