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Como The Band saiu da sombra de Bob Dylan em “Music from Big Pink”

Estreia do grupo de apoio fez as principais bandas do planeta mudarem de rumo e Eric Clapton sair do Cream

Bandas de apoio ao longo da história do rock, por melhores e mais importantes que sejam, geralmente servem só pra isso mesmo. São raras as ocasiões onde um grupo conhecido por acompanhar um músico famoso despontam por conta própria. Isso torna a The Band um caso raríssimo.

Inicialmente um grupo de apoio chamado The Hawks, batizados quando acompanhavam o músico Ronnie Hawkins, eles tiveram a oportunidade de serem a banda de Bob Dylan em sua infame turnê elétrica, na qual passou parte de 1965 e 1966 revolucionando como folk e rock eram apresentados ao vivo.

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Como se isso não fosse suficiente, eles também revolucionaram a música americana à sua maneira. Apontaram para um caminho estilístico que foi seguido na época por Beatles, Rolling Stones, Eric Clapton e Crosby, Stills & Nash, além de definir os rumos da década seguinte em termos artísticos.

É hora de explorar a música vinda da casa rosa.

Do Arkansas para o Canadá

Tudo começou em torno de um cantor de rockabilly do Arkansas chamado Ronnie Hawkins. Foi ele quem, em 1957, contratou o adolescente Levon Helm para ser o baterista de sua banda de apoio, The Hawks, quando este ainda estudava no colegial.

Helm se tornou um músico em tempo integral após sua formatura em 1958. As turnês os levaram ao Canadá, onde o guitarrista de 15 anos da The Suedes, a banda de abertura de Hawkins, chamou atenção do cantor. O adolescente foi contratado para a equipe de apoio e não demorou muito tempo para suas composições entrarem para o repertório do disco “Mr. Dynamo” (1959). Tratava-se de Robbie Robertson.

Ao longo dos dois anos seguintes, Robertson e Helm acompanharam Hawkins, tornando-se grandes amigos. Numa entrevista para a Mojo em 2000, o guitarrista caracterizou a dinâmica dos Hawks com o cantor:

“Ronnie nunca se considerou essa incrível entidade musical. Ele sabia que entretia, e pra ele a coisa esperta era se cercar de grandes talentos. Eu escrevi essas canções que ele gravou, e depois disso ele me olhava como alguém com ‘potencial’, como ele dizia. Ele me contratou quando eu tinha 16, e não demorou muito para Levon e eu nos tornarmos meio que o banco musical por trás do que estava acontecendo. Um por um, nós trouxemos esses caras que acabaram se tornando The Band.”

Estabelecido em Toronto, Hawkins começou a adicionar integrantes locais aos Hawks. Entraram no grupo de apoio o baixista Rick Danko, o pianista Richard Manuel e o organista Garth Hudson – este último finalmente convencido a se juntar na condição de poder dizer aos pais estar trabalhando como professor de música dos outros membros. Essa formação foi de 1961 a 1963, período de tempo em que se tornaram reconhecidos como a melhor banda da região.

Esse reconhecimento, de acordo com Robertson à Mojo, acabou contribuindo para eles deixarem Ronnie Hawkins para trás:

“Tocar com Ronnie Hawkins era como treinamento militar. Você trabalhava duro, horas longas, aprendia as regras da estrada e ganhava seu aprendizado das ruas. Eventualmente, ele nos elevou ao ponto da gente estar além da música dele e precisar ir embora. Ele acabou atirando no próprio pé – abençoado seja – ao nos transformar numa banda tão afiada a ponto de precisarmos sair pelo mundo, porque a gente sabia que a visão dele era pra ele, e todos nós éramos mais jovens e musicalmente ambiciosos.”

A banda adicionou o cantor Bruce Bruno à formação e se tornou Levon & The Hawks. Eles chegaram a lançar um single sob o nome de Canadian Squires, mas a grande chance deles apareceu em 1965, quando receberam uma oferta para acompanharem Bob Dylan em turnê.

O problema era: eles não conheciam a música dele direito, como Robbie Robertson contou à Mojo:

“Nós ficamos um pouco envergonhados por não saber quase nada sobre sua música! Nós não curtimos muito folk, a gente tocava rock’n’roll, blues e rhythm & blues. Então acho que a gente pegou alguns de seus discos… eu lembro que gostamos da canção ‘Oxford Town’, porque era country blues do Mississippi, algo que a gente conhecia, mas a coisa toda dele não estava no nosso radar. Então, bem na época que a gente estava encontrando com ele, ele estava lançando ‘Like A Rolling Stone, então foi uma questão de minutos desse cara ser obscuro para estar ouvindo sobre ele em tudo quanto é lugar.”

Inicialmente, apenas Robertson e Helm foram contratados para tocar com Dylan, mas os dois imediatamente se prontificaram para trazer os companheiros de The Hawks para o grupo.

A turnê que se seguiu foi talvez a mais infame da história do rock. Em todo show, Dylan desafiava as expectativas do público sobre a estética de um cantor folk: se apresentava sozinho na primeira metade e era acompanhado pela agora batizada The Band na segunda. 

A reação de uma parcela mais tradicionalista do público a esses shows foi extremamente negativa, o que acabou sendo demais para Levon Helm. O baterista deixou o grupo ao final de 1965, antes da turnê mundial.

Levon descreveu à Mojo sua decisão de maneira simples:

“Era nada divertido, indo de um lugar ao outro com pessoas te encarando, te vaiando, ninguém querendo nada com você, nada legal acontecendo. Não era como se pessoas estivessem vindo até mim e colocando dinheiro no meu bolso, ou como se eu tivesse um monte de garotas em cima de mim. Era um porre, um pé no saco.”

Robertson tentou fazer o amigo ficar. Porém, Helm preferiu trabalhar em plataformas de petróleo no Golfo do México em vez de tocar com Bob Dylan.

A casa rosa

A turnê mundial de Bob Dylan teve um fim abrupto em 29 de julho de 1966, após o cantor sofrer um acidente de moto e entrar em reclusão com a mulher e os filhos na cidade de Woodstock, no estado americano de Nova York.

Na época, a banda morava no Chelsea Hotel, em Nova York, ainda sob salário. Rick Danko contou no livro de memórias de Levon Helm, “This Wheel’s on Fire” (via Rolling Stone), que isso não era uma situação ideal:

“A gente não sabia o que fazer. Éramos músicos da estrada sem estrada para percorrer. A gente ainda queria gravar, então começamos a procurar por um lugar onde ensaiar.”

Calhou que o lugar seria no interior de Nova York. Quando fevereiro de 1967 chegou, os integrantes foram chamados para Woodstock por Dylan, que queria trabalhar em material novo.

Robbie Robertson se mudou para uma casa na cidade com uma mulher que havia conhecido durante a turnê, enquanto Rick Danko, Richard Manuel e Garth Hudson alugaram um casarão perto da cidade de West Saugerties com uma fachada pintada de rosa. Eles montaram um estúdio de gravação caseiro no porão da apelidada “Big Pink”.

A realidade das gravações estarem sendo feitas num porão sem isolamento acústico alterou a maneira como os músicos tocavam. Eles baixaram o volume e começaram a preferir mais instrumentos acústicos tradicionais, como rabecas e bandolins. Além disso, Robertson começou a deixar solos para trás, se inspirando em guitarristas como Curtis Mayfield.

Roberton conta à Mojo que esta foi uma mudança natural:

“Era outra sensibilidade completamente diferente, outra dinâmica completamente diferente, outra emoção completamente diferente, outra coisa completamente diferente. Ao mesmo tempo, para ser honesto, era completamente instintual. Nada disso foi planejado, não era tipo: ‘ano passado a gente tocou bem alto, esse ano tocamos baixo’. Não tinha método nessa loucura, era só o que parecia a coisa certa a fazer.”

Em agosto de 1967, após a banda conseguir assinar um contrato com a Capitol graças a Albert Grossman, empresário de Dylan, Levon Helm foi convencido a deixar os campos de petróleo e retornar ao grupo. Foi ali que começou o período mais prolífico no porão da casa rosa: Robertson, Manuel e Danko se transformaram em compositores de respeito e o grupo ofrmou uma identidade própria.

A chave para essa identidade, Levon disse à Mojo, eram as harmonias vocais:

“A gente tinha todo o tempo que queríamos para praticar harmonias de Staple Singers, velhos standards, bagunçar tudo. Richard conseguia cantar tudo, da nota mais aguda à mais grave, e aí ele nos mostrava outra canção, e a gente se prontificava a tentar.”

Robertson, por sua vez, falou sobre as harmonias e como a voz de cada integrante mantinha sua qualidade especial:

“A ideia de todo mundo tentando cantar perfeitamente em harmonia e sincronia não combinava com a música, teria deixado polido de um jeito cafona. Os vocais que a gente admirava eram coisas como o cara cantando harmonia com Sam Cooke em ‘Bring It on Home to Me’ – ele está cantando com Sam, mas não está tentando fazer algo que soa como The Four Freshmen. Isso impressionou a gente.”

No meio dessa exploração sonora das vozes dos integrantes, surgiu uma música que viria a definir The Band para o resto da história. “The Weight”, escrita por Robbie Robertson, havia sido inspirada pela leitura de roteiros cinematográficos pelo guitarrista no período, especificamente dos filmes “O Sétimo Selo”, dirigido por Ingmar Bergman, além de “Nazarin” e “Viridiana”, do surrealista Luis Buñuel.

Em entrevista para o Wall Street Journal, Robertson contou sobre escrever a canção:

“Nosso baterista e cantor Levon Helm havia retornado após passar quase dois anos longe da indústria musical. Eu queria escrever uma canção que Levon conseguiria cantar melhor que qualquer pessoa no mundo. Uma noite em Woodstock, no andar de cima da minha casa, num escritório perto do meu quarto, eu peguei o meu violão Martin D-28 1951. Eu virei o violão e olhei dentro da boca. Ali, eu vi uma etiqueta que dizia “Nazareth, Pennsylvania,” a cidade onde a Martin é baseada. Por alguma razão, ver a palavra “Nazareth” destrancom um monte de coisa na minha cabeça de ‘Nazarin’ e outros roteiros. Uma vez que eu tinha alguns acordes escritos, eu cantei, ‘Pulled into Nazareth, was feelin’ about half past dead.’ Eu não tinha uma grande história planejada. Eu nem sabia de onde a melodia vinha ou a estrutura de acordes. Quanto à letra, eu só sabia que eu queria personagens soltando seus fardos no protagonista a cada estrofe.”

Estúdio de verdade

Quando a The Band foi contratada pela Capitol Records em 1967, eles ainda não tinham nome. Foram vendidos à gravadora por Albert Grossman como “a banda de apoio de Bob Dylan”. 

Richard Manuel contou no filme “The Last Waltz” que o plano inicial era de se chamar The Honkies ou The Crackers, esse último usado oficialmente em um show em tributo a Woody Guthrie em janeiro de 1968 no qual tocaram com Dylan. Contudo, a gravadora vetou ambas as opções.

O nome The Band era usado informalmente desde os tempos da turnê mundial com Dylan. Acabou se tornando a alcunha definitiva, por mais que alguns integrantes estivessem insatisfeitos inicialmente.

The Band começou a trabalhar oficialmente no seu disco de estreia com o produtor John Simon no começo de 1968. A única orientação dos integrantes era que o álbum tivesse o mesmo espírito das demos gravadas no porão da casa rosa.

A primeira leva de sessões rendeu “Tears of Rage”, “Chest Fever”, “We Can Talk”, “This Wheel’s On Fire” e “The Weight”. Essa última, até então considerada de segundo escalão pela banda, ganhou nova forma, como Robertson contou à Guitar Player em 1995 (via Rolling Stone):

“A gente havia tentado de várias maneiras, mas não estávamos empolgados com ela. Então estávamos no estúdio, e simplesmente pra espantar o tédio, dissemos: ‘bem, vamos tentar a canção com ‘Take a load off Fanny’’. A gente gravou, e quando ouvimos o resultado que percebemos: ‘p#ta m#rda, essa canção realmente tem algo’.” 

A Capitol ficou tão satisfeita com o resultado das sessões em Nova York que incentivou o grupo a terminar as gravações em Los Angeles, onde registraram “In a Station”, “To Kingdom Come”, “Lonesome Suzie”, “Long Black Veil” e “I Shall Be Released”.

Bob Dylan inicialmente queria cantar no disco junto com a The Band, tendo contribuído com “Tears of Rage” (coescrita com Richard Manuel), “This Wheel’s on Fire” (coescrita com Rick Danko) e “I Shall Be Released”. Entretanto, o cantor e compositor percebeu a importância dos músicos se estabelecerem como uma entidade própria e deu um passo para trás.

Ainda assim, ele fez uma contribuição na forma da pintura que adorna a capa do disco, uma representação de seis músicos, tal qual as sessões no porão da casa rosa. Dylan faria parte da banda em espírito.

No encarte, os integrantes resolveram ressaltar o elemento familiar do material organizando uma sessão de fotos com suas famílias na fazenda Danko, em Simcoe, Ontario. Os pais de Levon Helm foram adicionados depois à imagem, pois viviam em Arkansas.

Em entrevista à Mojo, Robertson discutiu como essa foto em família representava uma posição da banda contrária ao movimento hippie:

“Estávamos fazendo uma declaração que ainda achávamos família algo bem importante, que não nos sentíamos como todas aquelas pessoas falando: ‘mate meu pai, esfaqueia minha mãe, meus pais me f#deram’. Todo mundo f#deu um ao outro, e daí? Estávamos nos rebelando contra a rebelião: não íamos escolher um nome bonitinho, não íamos ter uma foto nossa em cores fortes. Era sobre a inocência do lugar de onde a música veio. Nós fomos lá e fizemos uma descoberta naquela casa rosa feia, e foi a música que criamos naquele lugar.”

“Music from Big Pink” foi lançado dia 1º de julho de 1968 e chegou ao 30º lugar da parada da Billboard. “The Weight” atingiu apenas a 63a posição nos EUA, mas ganhou mais popularidade após a performance de The Band em Woodstock e sua aparição na trilha de “Sem Destino”.

O álbum teve um efeito quase imediato no mundo da música. Os Beatles decidiram fazer o projeto “Get Back” como reação a “Music from Big Pink”, os Rolling Stones deixaram psicodelia para trás e se aprofundaram no blues por causa do disco e, mais drasticamente, Eric Clapton citou a experiência de escutar “Music from Big Pink” em sua biografia (via Rolling Stone) como o estopim para sair do Cream:

“Me pegou de supetão, e também ressaltou todos os problemas que eu tinha com o Cream. Aqui estava uma banda fazendo do jeito certo, incorporando influências de country, blues, jazz e rock, e criando grandes canções. Eu não podia evitar comparar a gente a eles, o que era estúpido e fútil, mas eu estava procurando desesperado por um modelo para seguir – e ali estava. Escutando aquele disco, tão bom que era, me fez pensar que estávamos correndo no mesmo lugar e eu queria sair.”

Mais importante que tudo isso, “Music from Big Pink” é creditado por estudiosos de música americana como sendo o marco zero do roots rock, uma evolução do folk rock que incorpora elementos do blues, country e elementos mais contemporâneos para criar algo refletindo o passado, mas ainda assim pertencendo ao presente.

The Band – “Music from Big Pink”

  • Lançado em 1º de julho de 1968 pela Capitol
  • Produzido por John Simon

Faixas:

  1. Tears of Rage
  2. To Kingdom Come
  3. In a Station
  4. Caledonia Mission
  5. The Weight
  6. We Can Talk
  7. Long Black Veil
  8. Chest Fever
  9. Lonesome Suzie
  10. This Wheel’s on Fire
    11 I Shall Be Released

Músicos:

  • Rick Danko (baixo, violino, vocais)
  • Levon Helm (bateria, pandeiro, vocais)
  • Garth Hudson (órgão, piano, clavinete, saxofones soprano e tenor)
  • Richard Manuel (piano, órgão, vocais)
  • Robbie Robertson (guitarra, violão, vocais)

Músico adicional:

  • John Simon (trompa barítono, saxofone tenor, piano, pandeiro)

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InícioCuriosidadesComo The Band saiu da sombra de Bob Dylan em “Music from...
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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Bandas de apoio ao longo da história do rock, por melhores e mais importantes que sejam, geralmente servem só pra isso mesmo. São raras as ocasiões onde um grupo conhecido por acompanhar um músico famoso despontam por conta própria. Isso torna a The Band um caso raríssimo.

Inicialmente um grupo de apoio chamado The Hawks, batizados quando acompanhavam o músico Ronnie Hawkins, eles tiveram a oportunidade de serem a banda de Bob Dylan em sua infame turnê elétrica, na qual passou parte de 1965 e 1966 revolucionando como folk e rock eram apresentados ao vivo.

- Advertisement -

Como se isso não fosse suficiente, eles também revolucionaram a música americana à sua maneira. Apontaram para um caminho estilístico que foi seguido na época por Beatles, Rolling Stones, Eric Clapton e Crosby, Stills & Nash, além de definir os rumos da década seguinte em termos artísticos.

É hora de explorar a música vinda da casa rosa.

Do Arkansas para o Canadá

Tudo começou em torno de um cantor de rockabilly do Arkansas chamado Ronnie Hawkins. Foi ele quem, em 1957, contratou o adolescente Levon Helm para ser o baterista de sua banda de apoio, The Hawks, quando este ainda estudava no colegial.

Helm se tornou um músico em tempo integral após sua formatura em 1958. As turnês os levaram ao Canadá, onde o guitarrista de 15 anos da The Suedes, a banda de abertura de Hawkins, chamou atenção do cantor. O adolescente foi contratado para a equipe de apoio e não demorou muito tempo para suas composições entrarem para o repertório do disco “Mr. Dynamo” (1959). Tratava-se de Robbie Robertson.

Ao longo dos dois anos seguintes, Robertson e Helm acompanharam Hawkins, tornando-se grandes amigos. Numa entrevista para a Mojo em 2000, o guitarrista caracterizou a dinâmica dos Hawks com o cantor:

“Ronnie nunca se considerou essa incrível entidade musical. Ele sabia que entretia, e pra ele a coisa esperta era se cercar de grandes talentos. Eu escrevi essas canções que ele gravou, e depois disso ele me olhava como alguém com ‘potencial’, como ele dizia. Ele me contratou quando eu tinha 16, e não demorou muito para Levon e eu nos tornarmos meio que o banco musical por trás do que estava acontecendo. Um por um, nós trouxemos esses caras que acabaram se tornando The Band.”

Estabelecido em Toronto, Hawkins começou a adicionar integrantes locais aos Hawks. Entraram no grupo de apoio o baixista Rick Danko, o pianista Richard Manuel e o organista Garth Hudson – este último finalmente convencido a se juntar na condição de poder dizer aos pais estar trabalhando como professor de música dos outros membros. Essa formação foi de 1961 a 1963, período de tempo em que se tornaram reconhecidos como a melhor banda da região.

Esse reconhecimento, de acordo com Robertson à Mojo, acabou contribuindo para eles deixarem Ronnie Hawkins para trás:

“Tocar com Ronnie Hawkins era como treinamento militar. Você trabalhava duro, horas longas, aprendia as regras da estrada e ganhava seu aprendizado das ruas. Eventualmente, ele nos elevou ao ponto da gente estar além da música dele e precisar ir embora. Ele acabou atirando no próprio pé – abençoado seja – ao nos transformar numa banda tão afiada a ponto de precisarmos sair pelo mundo, porque a gente sabia que a visão dele era pra ele, e todos nós éramos mais jovens e musicalmente ambiciosos.”

A banda adicionou o cantor Bruce Bruno à formação e se tornou Levon & The Hawks. Eles chegaram a lançar um single sob o nome de Canadian Squires, mas a grande chance deles apareceu em 1965, quando receberam uma oferta para acompanharem Bob Dylan em turnê.

O problema era: eles não conheciam a música dele direito, como Robbie Robertson contou à Mojo:

“Nós ficamos um pouco envergonhados por não saber quase nada sobre sua música! Nós não curtimos muito folk, a gente tocava rock’n’roll, blues e rhythm & blues. Então acho que a gente pegou alguns de seus discos… eu lembro que gostamos da canção ‘Oxford Town’, porque era country blues do Mississippi, algo que a gente conhecia, mas a coisa toda dele não estava no nosso radar. Então, bem na época que a gente estava encontrando com ele, ele estava lançando ‘Like A Rolling Stone, então foi uma questão de minutos desse cara ser obscuro para estar ouvindo sobre ele em tudo quanto é lugar.”

Inicialmente, apenas Robertson e Helm foram contratados para tocar com Dylan, mas os dois imediatamente se prontificaram para trazer os companheiros de The Hawks para o grupo.

A turnê que se seguiu foi talvez a mais infame da história do rock. Em todo show, Dylan desafiava as expectativas do público sobre a estética de um cantor folk: se apresentava sozinho na primeira metade e era acompanhado pela agora batizada The Band na segunda. 

A reação de uma parcela mais tradicionalista do público a esses shows foi extremamente negativa, o que acabou sendo demais para Levon Helm. O baterista deixou o grupo ao final de 1965, antes da turnê mundial.

Levon descreveu à Mojo sua decisão de maneira simples:

“Era nada divertido, indo de um lugar ao outro com pessoas te encarando, te vaiando, ninguém querendo nada com você, nada legal acontecendo. Não era como se pessoas estivessem vindo até mim e colocando dinheiro no meu bolso, ou como se eu tivesse um monte de garotas em cima de mim. Era um porre, um pé no saco.”

Robertson tentou fazer o amigo ficar. Porém, Helm preferiu trabalhar em plataformas de petróleo no Golfo do México em vez de tocar com Bob Dylan.

A casa rosa

A turnê mundial de Bob Dylan teve um fim abrupto em 29 de julho de 1966, após o cantor sofrer um acidente de moto e entrar em reclusão com a mulher e os filhos na cidade de Woodstock, no estado americano de Nova York.

Na época, a banda morava no Chelsea Hotel, em Nova York, ainda sob salário. Rick Danko contou no livro de memórias de Levon Helm, “This Wheel’s on Fire” (via Rolling Stone), que isso não era uma situação ideal:

“A gente não sabia o que fazer. Éramos músicos da estrada sem estrada para percorrer. A gente ainda queria gravar, então começamos a procurar por um lugar onde ensaiar.”

Calhou que o lugar seria no interior de Nova York. Quando fevereiro de 1967 chegou, os integrantes foram chamados para Woodstock por Dylan, que queria trabalhar em material novo.

Robbie Robertson se mudou para uma casa na cidade com uma mulher que havia conhecido durante a turnê, enquanto Rick Danko, Richard Manuel e Garth Hudson alugaram um casarão perto da cidade de West Saugerties com uma fachada pintada de rosa. Eles montaram um estúdio de gravação caseiro no porão da apelidada “Big Pink”.

A realidade das gravações estarem sendo feitas num porão sem isolamento acústico alterou a maneira como os músicos tocavam. Eles baixaram o volume e começaram a preferir mais instrumentos acústicos tradicionais, como rabecas e bandolins. Além disso, Robertson começou a deixar solos para trás, se inspirando em guitarristas como Curtis Mayfield.

Roberton conta à Mojo que esta foi uma mudança natural:

“Era outra sensibilidade completamente diferente, outra dinâmica completamente diferente, outra emoção completamente diferente, outra coisa completamente diferente. Ao mesmo tempo, para ser honesto, era completamente instintual. Nada disso foi planejado, não era tipo: ‘ano passado a gente tocou bem alto, esse ano tocamos baixo’. Não tinha método nessa loucura, era só o que parecia a coisa certa a fazer.”

Em agosto de 1967, após a banda conseguir assinar um contrato com a Capitol graças a Albert Grossman, empresário de Dylan, Levon Helm foi convencido a deixar os campos de petróleo e retornar ao grupo. Foi ali que começou o período mais prolífico no porão da casa rosa: Robertson, Manuel e Danko se transformaram em compositores de respeito e o grupo ofrmou uma identidade própria.

A chave para essa identidade, Levon disse à Mojo, eram as harmonias vocais:

“A gente tinha todo o tempo que queríamos para praticar harmonias de Staple Singers, velhos standards, bagunçar tudo. Richard conseguia cantar tudo, da nota mais aguda à mais grave, e aí ele nos mostrava outra canção, e a gente se prontificava a tentar.”

Robertson, por sua vez, falou sobre as harmonias e como a voz de cada integrante mantinha sua qualidade especial:

“A ideia de todo mundo tentando cantar perfeitamente em harmonia e sincronia não combinava com a música, teria deixado polido de um jeito cafona. Os vocais que a gente admirava eram coisas como o cara cantando harmonia com Sam Cooke em ‘Bring It on Home to Me’ – ele está cantando com Sam, mas não está tentando fazer algo que soa como The Four Freshmen. Isso impressionou a gente.”

No meio dessa exploração sonora das vozes dos integrantes, surgiu uma música que viria a definir The Band para o resto da história. “The Weight”, escrita por Robbie Robertson, havia sido inspirada pela leitura de roteiros cinematográficos pelo guitarrista no período, especificamente dos filmes “O Sétimo Selo”, dirigido por Ingmar Bergman, além de “Nazarin” e “Viridiana”, do surrealista Luis Buñuel.

Em entrevista para o Wall Street Journal, Robertson contou sobre escrever a canção:

“Nosso baterista e cantor Levon Helm havia retornado após passar quase dois anos longe da indústria musical. Eu queria escrever uma canção que Levon conseguiria cantar melhor que qualquer pessoa no mundo. Uma noite em Woodstock, no andar de cima da minha casa, num escritório perto do meu quarto, eu peguei o meu violão Martin D-28 1951. Eu virei o violão e olhei dentro da boca. Ali, eu vi uma etiqueta que dizia “Nazareth, Pennsylvania,” a cidade onde a Martin é baseada. Por alguma razão, ver a palavra “Nazareth” destrancom um monte de coisa na minha cabeça de ‘Nazarin’ e outros roteiros. Uma vez que eu tinha alguns acordes escritos, eu cantei, ‘Pulled into Nazareth, was feelin’ about half past dead.’ Eu não tinha uma grande história planejada. Eu nem sabia de onde a melodia vinha ou a estrutura de acordes. Quanto à letra, eu só sabia que eu queria personagens soltando seus fardos no protagonista a cada estrofe.”

Estúdio de verdade

Quando a The Band foi contratada pela Capitol Records em 1967, eles ainda não tinham nome. Foram vendidos à gravadora por Albert Grossman como “a banda de apoio de Bob Dylan”. 

Richard Manuel contou no filme “The Last Waltz” que o plano inicial era de se chamar The Honkies ou The Crackers, esse último usado oficialmente em um show em tributo a Woody Guthrie em janeiro de 1968 no qual tocaram com Dylan. Contudo, a gravadora vetou ambas as opções.

O nome The Band era usado informalmente desde os tempos da turnê mundial com Dylan. Acabou se tornando a alcunha definitiva, por mais que alguns integrantes estivessem insatisfeitos inicialmente.

The Band começou a trabalhar oficialmente no seu disco de estreia com o produtor John Simon no começo de 1968. A única orientação dos integrantes era que o álbum tivesse o mesmo espírito das demos gravadas no porão da casa rosa.

A primeira leva de sessões rendeu “Tears of Rage”, “Chest Fever”, “We Can Talk”, “This Wheel’s On Fire” e “The Weight”. Essa última, até então considerada de segundo escalão pela banda, ganhou nova forma, como Robertson contou à Guitar Player em 1995 (via Rolling Stone):

“A gente havia tentado de várias maneiras, mas não estávamos empolgados com ela. Então estávamos no estúdio, e simplesmente pra espantar o tédio, dissemos: ‘bem, vamos tentar a canção com ‘Take a load off Fanny’’. A gente gravou, e quando ouvimos o resultado que percebemos: ‘p#ta m#rda, essa canção realmente tem algo’.” 

A Capitol ficou tão satisfeita com o resultado das sessões em Nova York que incentivou o grupo a terminar as gravações em Los Angeles, onde registraram “In a Station”, “To Kingdom Come”, “Lonesome Suzie”, “Long Black Veil” e “I Shall Be Released”.

Bob Dylan inicialmente queria cantar no disco junto com a The Band, tendo contribuído com “Tears of Rage” (coescrita com Richard Manuel), “This Wheel’s on Fire” (coescrita com Rick Danko) e “I Shall Be Released”. Entretanto, o cantor e compositor percebeu a importância dos músicos se estabelecerem como uma entidade própria e deu um passo para trás.

Ainda assim, ele fez uma contribuição na forma da pintura que adorna a capa do disco, uma representação de seis músicos, tal qual as sessões no porão da casa rosa. Dylan faria parte da banda em espírito.

No encarte, os integrantes resolveram ressaltar o elemento familiar do material organizando uma sessão de fotos com suas famílias na fazenda Danko, em Simcoe, Ontario. Os pais de Levon Helm foram adicionados depois à imagem, pois viviam em Arkansas.

Em entrevista à Mojo, Robertson discutiu como essa foto em família representava uma posição da banda contrária ao movimento hippie:

“Estávamos fazendo uma declaração que ainda achávamos família algo bem importante, que não nos sentíamos como todas aquelas pessoas falando: ‘mate meu pai, esfaqueia minha mãe, meus pais me f#deram’. Todo mundo f#deu um ao outro, e daí? Estávamos nos rebelando contra a rebelião: não íamos escolher um nome bonitinho, não íamos ter uma foto nossa em cores fortes. Era sobre a inocência do lugar de onde a música veio. Nós fomos lá e fizemos uma descoberta naquela casa rosa feia, e foi a música que criamos naquele lugar.”

“Music from Big Pink” foi lançado dia 1º de julho de 1968 e chegou ao 30º lugar da parada da Billboard. “The Weight” atingiu apenas a 63a posição nos EUA, mas ganhou mais popularidade após a performance de The Band em Woodstock e sua aparição na trilha de “Sem Destino”.

O álbum teve um efeito quase imediato no mundo da música. Os Beatles decidiram fazer o projeto “Get Back” como reação a “Music from Big Pink”, os Rolling Stones deixaram psicodelia para trás e se aprofundaram no blues por causa do disco e, mais drasticamente, Eric Clapton citou a experiência de escutar “Music from Big Pink” em sua biografia (via Rolling Stone) como o estopim para sair do Cream:

“Me pegou de supetão, e também ressaltou todos os problemas que eu tinha com o Cream. Aqui estava uma banda fazendo do jeito certo, incorporando influências de country, blues, jazz e rock, e criando grandes canções. Eu não podia evitar comparar a gente a eles, o que era estúpido e fútil, mas eu estava procurando desesperado por um modelo para seguir – e ali estava. Escutando aquele disco, tão bom que era, me fez pensar que estávamos correndo no mesmo lugar e eu queria sair.”

Mais importante que tudo isso, “Music from Big Pink” é creditado por estudiosos de música americana como sendo o marco zero do roots rock, uma evolução do folk rock que incorpora elementos do blues, country e elementos mais contemporâneos para criar algo refletindo o passado, mas ainda assim pertencendo ao presente.

The Band – “Music from Big Pink”

  • Lançado em 1º de julho de 1968 pela Capitol
  • Produzido por John Simon

Faixas:

  1. Tears of Rage
  2. To Kingdom Come
  3. In a Station
  4. Caledonia Mission
  5. The Weight
  6. We Can Talk
  7. Long Black Veil
  8. Chest Fever
  9. Lonesome Suzie
  10. This Wheel’s on Fire
    11 I Shall Be Released

Músicos:

  • Rick Danko (baixo, violino, vocais)
  • Levon Helm (bateria, pandeiro, vocais)
  • Garth Hudson (órgão, piano, clavinete, saxofones soprano e tenor)
  • Richard Manuel (piano, órgão, vocais)
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  • John Simon (trompa barítono, saxofone tenor, piano, pandeiro)

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Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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