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Crítica: Espetacular, “Oppenheimer” consegue ser intimista e gigante ao mesmo tempo

Aguardado filme de Christopher Nolan marca nova abordagem em seu estilo de trabalho e oferece imersão na trajetória do "pai da bomba atômica"

Entre uma pausa e outra nas gravações de “Tenet”, o diretor Christopher Nolan (“Interestelar”) trocava figurinhas com o ator Robert Pattinson (“The Batman”) sobre o físico teórico J. Robert Oppenheimer. Essas conversas, na verdade, eram as fagulhas iniciais na mente do cineasta – que mais tarde viriam a “explodir” (sem trocadilhos) após ser presenteado por Pattinson com uma coleção de discursos do famoso “pai da bomba atômica”.

Assim nasceu o extraordinário “Oppenheimer”, um dos filmes mais aguardados de 2023.

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Atenção: o texto pode conter spoilers!

Direto ao que interessa

Também com roteiro de Christopher Nolan, “Oppenheimer” é baseado na biografia “American Prometheus”, escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin. Adota, porém, uma veia diferente do livro ao ir direto ao ponto de interesse na história de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy).

Há duas linhas do tempo distintas – às vezes, até mesmo três. Em uma delas, num belíssimo tratamento em preto e branco, rolam os bastidores do julgamento do físico no começo da década de 1950, após ser acusado de traição por Lewis Strauss (Robert Downey Jr).

Na outra, colorida, são pincelados de forma rápida e simples alguns flashes do início meteórico do gênio físico na faculdade, bem como seu recrutamento para chefiar o Projeto Manhattan, no qual a bomba atômica é desenvolvida. Estende-se até o derradeiro destino de suas “filhas” sob Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em agosto de 1945.

Uma terceira e mais singela linha temporal surge em doses homeopáticas para mostrar um período de grandeza de Oppenheimer. Um período de muito prestígio perante o mundo após o final da Segunda Guerra Mundial, de encontros com Albert Einstein e de seus depoimentos para provar a sua inocência em meio à acusação de que seria um espião soviético.

Tal qual uma explosão

Pulsante, vibrante, angustiante e denso. “Oppenheimer” consegue a proeza de ser, ao mesmo tempo, minimalista e gigantesco em tela. Frenético, funciona tal qual uma cronometragem sem freios rumo ao zero.

Não se perde tempo com barrigas. Até mesmo quando precisa contar a história a partir de um ponto de vista mais sexual do físico teórico, ainda assim o faz com uma maestria na escrita de Christopher Nolan que pouco se vê.

Diálogos grandiosos – como o cogumelo que se forma no topo de uma explosão – são mostrados em tela a cada cinco ou menos minutos. O roteiro não cai. Não há conversas enfadonhas. Cada palavra dita é grandiosa – e perturbadora.

Inovação complexa

“Oppenheimer” marca uma mudança no cinema de Christopher Nolan e que precisa ser vista de forma positiva, mas cautelosa. Aqui, não há ação, nem grandiosidade em construções voltadas para o cinema de ficção cientifica.

Aqui, a decisão é por filmar em IMAX apenas uma obra de arte falada e atuada. O teatral ganha espaço em vez dos elementos gráficos na tela.

A enorme tela oferece profundidade. Os ângulos fechados que o diretor utiliza em seus atores são magistrais, ainda mais unidos com uma edição e mixagem de som que ultrapassam o perfeccionismo – além é claro, da extraordinária trilha sonora composta por Ludwig Göransson, que pela primeira vez assume o lugar do eterno Hans Zimmer. A sensação é de imersão à tela.

A cena de abertura é uma das mais assustadores que experimentei no cinema. Seu corpo vai tremer e seu coração vai pulsar fortemente por dois minutos.

Porém, tais momentos são raros. Voltam a se repetir em uma ou outra cena de forma rápida, além da belíssima passagem do teste Trinity. Nolan já adiantou em entrevistas ter recriado uma explosão nuclear de forma prática, sem o uso de CGI.

Tudo isso, talvez, ainda seja pouco para convencer o público do investimento que deve ser feito no ingresso.

Democratização do cinema

O IMAX é, sem dúvidas, a melhor invenção do cinema moderno na ponta final. Proporciona uma imersão que permite entender por que o cinema ainda é uma experiência única.

Contudo, o valor final deixado pelo espectador após se entregar a essa experiência, somado às três horas de duração do filme, precisam ter uma melhor razão para existir. Apesar de entregar algo único, “Oppenheimer”, ainda assim, não justifica isso.

Nolan modifica seu cinema pela primeira vez e entrega o mesmo resultado que Martin Scorsese entregou em 2019, na Netflix, com “O Irlandês”. A diferença é que, para viver o longa de Scorsese, o público só gastou cerca de R$ 19,90 por um mês inteiro. Com Nolan, o público no mínimo gastará R$ 100 na opção de sala IMAX.

De se aplaudir de pé

Dito isso, os méritos devem ser destacados. Não só de Christopher Nolan. Cillian Murphy (“Peaky Blinders”) vive Oppenheimer de forma avassaladora, com um mergulho surpreendente na vida, na mente e nos dilemas do chamado “destruidor de mundos”.

Matt Damon também brilha na pele do oficial Leslie Groves e traz uma força indispensável à trama. Assim como Robert Downey Jr, que, de longe, entrega a melhor performance de sua carreira, conseguindo quase dividir holofotes com o próprio Oppenheimer. O eterno Homem de Ferro pode até levar em 2024 seu primeiro Oscar de Melhor ator coadjuvante.

Outros nomes também brilham, como a sempre ótima Emily Blunt (Kitty Oppenheimer), a regular Florence Pugh (Jean Tatlock, amante de Oppenheimer) e, claro, Gary Oldman como o 33° presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman. Uma participação com menos de dez minutos, mas que merece aplausos.

Há ainda grandes atores como Jack Quaid, Josh Peck, Tom Coti, David Dastmalchian, Dane DeHaan, Casey Affleck, Ben Safdie e o lendário Kenneth Branagh. No entanto, Rami Malek se destaca negativamente. O eterno intérprete de Freddie Mercury em “Bohemian Rhapsody” segue no piloto automático, com a mesma atuação, caras, bocas, trejeitos e tempos.

Obra grandiosa

É poética a intimista cena em que Christopher Nolan nos mostra Oppenheimer vendo dois caminhões levando as bombas. É essa história que realmente Christopher Nolan quis nos presentear.

Apesar de possivelmente frustrar muitos pela falta de grandeza explicita em tela no formato gráficos de ação, não deixa de ser uma obra de arte. Ainda que merecesse um público maior e mais democrático, é um dos melhores filmes – se não o melhor – do revolucionário diretor. “Oppenheimer” é espetacular.

*“Oppenheimer” estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (20).

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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